Desde o fim da ditadura militar diversos setores políticos brasileiros alertam sobre o perigo que o oligopólio da mídia em nosso país representa para a democracia
César Zanin*
De modo geral a chamada grande mídia (Globo, Veja, Folha, Estado etc) nos noticia diariamente sobre a situação supostamente terrível em que nosso país se encontra(ria) por conta do governo federal.
Por exemplo, todos os dias somos expostos a uma avalanche de matérias e reportagens na TV, norádio e na mídia impressa, com notícias sobre a corrupção na Petrobras. Este é realmente um dos assuntos mais quentes do momento e espero que as investigações prossigam e que todos aqueles que cometeram crimes sejam punidos, ainda mais agora que temos a Lei 12.846/2013 para combater tais crimes (que já vinham ocorrendo pelo menos desde a década de 90).
Já sobre a corrupção em outras esferas do poder, como por exemplo o cartel do Metrô de SP ou o desvio das verbas da saúde mineira (entre tantos outros), ou sobre o helicóptero do deputado com quase meia tonelada de cocaína, não vemos muitas notícias na imprensa brasileira.
Mas há outros assuntos muito importantes para a evolução da sociedade brasileira que também não vemos muito na grande mídia brasileira. Um deles é justamente a regulação da mídia.
Desde o fim da ditadura militar diversos setores políticos brasileiros, sobretudo à esquerda, alertam sobre o perigo que o oligopólio da mídia em nosso país representa para a democracia.
Para quem acha que não existe um oligopólio da mídia no Brasil, continue lendo pois chegaremos lá; por enquanto veja (ou reveja) o direito de resposta que o então governador do RJ Leonel Brizola levou 2 anos para conquistar na justiça para se defender dos ataques infundados da rede Globo.
Durante os governos Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique o assunto regulação da mídia foi ignorado. O governo Lula nada fez também durante o primeiro mandato.
A 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que aconteceu em 2009, formada por etapas municipais, estaduais e nacional, movimentou mais de 30 mil pessoas para discutir os desafios da área e apresentar recomendações ao poder público de quais políticas deveriam ser implementadas para o setor. A partir dessas recomendações o ex-ministro das Comunicações Franklin Martins elaborou um projeto de Regulamentação dos Meios de Comunicação.
No primeiro mandato da presidenta Dilma esse assunto ficou enterrado, mas durante a campanha à reeleição seu partido pressionou para que o assunto fosse tratado num eventual segundo mandato.
“No Brasil, tenta-se confundir essa regulação econômica com o controle de conteúdo, e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Controle de conteúdo é típico de ditaduras. A regulação do ponto de vista econômico apenas impede que relações de oligopólio se instalem”, afirmou a presidenta, em entrevista a comunicadores de blogs independentes ligados à política, em setembro de 2014.
Muita gente ainda acha que não há problema algum com a grande mídia e que qualquer discussão sobre sua regulação significa censura, ou pior, que o PT seria uma ditadura que busca dominar a imprensa, controlar a mídia para tomar e/ou manter o poder.
É principalmente para essas pessoas que eu escrevo estas linhas, vamos adiante.
Um pouco de história
A história da imprensa no Brasil tem seu início somente em 1808, com a chegada da família real portuguesa e a criação da Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional, pelo príncipe-regente dom João. Antes disso era proibida a publicação de jornais, livros ou panfletos (e toda e qualquer atividade de imprensa).
O Brasil foi a última colônia europeia nas américas a ter a imprensa liberada, com séculos de atraso.
A Gazeta do Rio de Janeiro, primeiro jornal publicado em território nacional, começa a circular em setembro de 1808; era o órgão oficial do governo português que tinha se refugiado na colônia americana e só publicava notícias favoráveis ao governo.
Tudo o que se publicava na Impressão Régia era submetido a uma comissão formada por três pessoas, destinada a “fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes“.
O primeiro jornal brasileiro lançado por um brasileiro foi o Correio Braziliense (não confundir com o diário de Brasília, que só viria a ser fundado em 1960), mas seu criador, o exilado Hipólito José da Costa, fazia tudo de Londres e as poucas cópias que chegavam ao Brasil (sempre com atraso) eram confiscadas pelo governo (mesmo o Correio Braziliense não sendo um jornal de oposição).
O Brasil teve de esperar até 1821 para ter o primeiro veículo de imprensa fora do controle do governo, com o surgimento do jornal Diário do Rio de Janeiro.
Depois desses primeiros jornais houve uma lacuna de aproximadamente 50 anos até que surgissem novos jornais (um dos únicos jornais dessa primeira época ainda em circulação hoje é o Diário de Pernambuco).
Entre 1875 e 1891 foram fundados muitos jornais que se tornariam grandes, como O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil e Gazeta de Notícias.
Uma terceira leva de novos jornais começou a partir de 1925, com a fundação de jornais como Folha de São Paulo, O Globo e Estado de Minas.
Uma das primeiras revistas jornalísticas brasileiras abrangendo política, no formato como conhecemos hoje, foi O Cruzeiro, fundada às vésperas do golpe de 1930, sendo publicada até 1975.
Revista O Cruzeiro dedicada à posse do ditador Geisel – Ed. 03/1974
O Cruzeiro, uma revista de valores conservadores, seguiu hegemônica até que a revista Manchete dominasse o mercado, com colaboradores como Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Fernando Sabino e Nelson Rodrigues, entre outros. A Manchete deixou de ter publicação periódica em 2000.
Das grandes revistas ainda em circulação no Brasil, a Veja e a IstoÉ (ambas de valores conservadores, tendenciosamente de direita) começaram a ser publicadas durante a ditadura militar.
A primeira revista de valores progressistas, dita de esquerda, a ter grande difusão no Brasil é a Carta Capital, que foi fundada somente em 1994. A partir de então surgiram outras revistas, tanto as ditas dedireita (Época) quanto as ditas de esquerda (Caros Amigos), mas antes disso as publicações que difundiam notícias de oposição aos governos conservadores ou ideias à esquerda eram perseguidas.
A primeira emissora de rádio no Brasil foi a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (hoje Rádio MEC), fundada em 1923. Em 1936 foi criada a emissora Rádio Nacional e em 1940 foi transformada na rádio oficial do Governo brasileiro.
A chamada Era do Rádio no Brasil teve seu auge nos anos 40 e 50 e terminou quando a televisão chegou ao Brasil. Durante 20 anos o brasileiro teve o rádio como sua principal fonte de informação e deleite, com musicais, novelas, programas de humor, seriados de aventuras, transmissões esportivas, hora certa e jingles. Nessa época o radio-jornalismo brasileiro se limitava a ler no ar as notícias dos jornais impressos. Havia também o Repórter Esso (versão brasileira do noticiário da empresa petrolífera norte-americana), programa criado para fazer a propaganda das guerras americanas ao povo brasileiro e que se tornou voz dos líderes da ditadura militar no Brasil.
A Rádio Mayrink Veiga, fundada em 1926 e líder da Era do Rádio até o crescimento da Rádio Nacional, foi fechada pela ditadura militar em 1965 por ter participado da Cadeia da Legalidade (que foi um movimento organizado por Brizola, após a renúncia de Jânio Quadros, para garantir a posse do viceJango e defender a democracia contra o autoritarismo conservador dos militares).
A televisão no Brasil começou em 1950, com a TV Tupi, de Assis Chateaubriand, que criou e dirigiu a maior cadeia de imprensa do país, os Diários Associados, com 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão, uma agência de notícias e a revista semanal O Cruzeiro, dentre outras empresas. Chateaubriand foi jornalista, empresário, político, advogado e escritor. Foi Senador da República entre 1952 e 1957. Já foi chamado de “Cidadão Kane brasileiro” e acusado de falta de ética por supostamente chantagear e insultar com mentiras; seu império teria sido construído com base em interesses e compromissos políticos, incluindo uma proximidade tumultuada porém rentável com o presidente Getúlio Vargas.
Depois de Chateaubriand apareceu outro jornalista e empresário brasileiro que iria montar um império jornalístico, ainda mais poderoso: Roberto Marinho.
Roberto Marinho herdou do pai o jornal O Globo em 1925. Aproximou-se de Getúlio Vargas com o golpe que iniciou o Estado Novo, inaugurando um convívio que teria com todos os presidentes da República pelos anos seguintes por quase todo o século XX, até o final dos 90, quando finalmente dividiu o poder com os filhos.
Marinho foi contra a criação da Petrobras. Em 1962 assinou um contrato de colaboração entre a Globo e o grupo norte-americano Time-Life. O acordo parecia ir contra a lei brasileira, na medida em que dava a uma empresa estrangeira interesses em uma empresa nacional de comunicações. Mas o acordo deu vantagens a Marinho da ordem de seis milhões de dólares, enquanto que a melhor emissora do grupo Tupi tinha sido montada com trezentos mil dólares.
Fez oposição ferrenha a João Goulart e apoiou o golpe e a ditadura militar; assim Marinho pôde expandir ainda mais seu conglomerado durante o regime autoritário, com a inauguração da TV Globo em 1965, que se tornou o principal canal de televisão do Brasil e um dos maiores do mundo.
Vinte anos depois, embora tenha ignorado inicialmente o movimento popular das Diretas-Já, acabou apoiando Tancredo Neves e José Sarney. Na eleição presidencial de 1989 Marinho apoiou Fernando Collor de Mello e em 1994 e 1998 apoiou Fernando Henrique Cardoso.
Grandes emissoras como TV Tupi e TV Excelsior faliram cheias de dívidas. A TV Record, que era uma das maiores nos anos 60, entrou em decadência nos anos 80 e foi vendida ao pastor evangélico Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.
Na década de 60 os aparelhos de TV se difundiram e nos anos 70 chegou a TV a cores.
Nos anos 80 e 90 o poder de influência da TV sobre a população brasileira era enorme.
O surgimento e o crescimento dos veículos de imprensa brasileiros coincidem com mudanças importantes na ordem do poder político, desde o início da imprensa em nosso país e por todo o século XX – abertura dos portos e transferência da família real, Independência, República, Estado Novo, redemocratização, golpe militar/ditadura, re-redemocratização.
Eis que na segunda metade dos anos 90 a internet chega de vez ao Brasil. E desde então a internet só vem se difundindo cada vez mais. Isso veio a mudar tudo por aqui.
Mas antes vamos ver como e porque a imprensa é tão importante e como e porque as diferentes mídias se consolidaram em nosso país.
Como definir imprensa e mídia e por que regular?
Mídia é o termo usado para designar os meios de comunicação.
Imprensa é a designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem o jornalismo e outras funções de comunicação informativa.
Os termos mídia e imprensa muitas vezes são usados com a mesma acepção.
Comunicação é um campo de conhecimento acadêmico que estuda os processos de comunicação humana. Também se entende a comunicação como o intercâmbio de informação entre sujeitos ou objetos.
Informação é o resultado do processamento, manipulação e organização de dados, de tal forma que represente uma modificação (quantitativa ou qualitativa) no conhecimento do sistema (pessoa, animal ou máquina) que a recebe.
Jornalismo é a atividade profissional que consiste em lidar com notícias, dados factuais e divulgação de informações. Também define-se o Jornalismo como a prática de coletar, redigir, editar e publicar informações sobre eventos atuais.
Em uma sociedade moderna, os meios de comunicação tornaram-se os principais fornecedores de informação e opinião sobre assuntos públicos. A informação é algo fundamental em qualquer sociedade; além de proporcionar crescimento interior (instrução, cultura), traz benefícios práticos para quem a recebe, inclusive pecuniários.
Os meios de comunicação são instituições centrais em qualquer regime.
Nos regimes autoritários, sejam eles de direita ou esquerda, a mídia serve de veículo – exclusivo – para que o governo tente justificar sua postura e suas medidas perante a população.
Nos regimes democráticos o Estado garante aos cidadãos a liberdade de expressão e à mídia a liberdade de imprensa.
A chamada Lei de Imprensa foi uma lei instituída durante a ditadura militar no Brasil e que vigorou até abril de 2009, quando foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal. Foi criada para institucionalizar a restrição à liberdade de expressão e consolidar o regime autoritário, assim como acontecia com aImpressão Régia lá no início. A censura calava qualquer pessoa ou quaisquer meios de comunicação que ousassem noticiar qualquer coisa que o governo considerasse inadequado.
Trocando em miúdos, liberdade de expressão significa que qualquer pessoa ou ente tem o direito de divulgar notícias e opiniões livremente; quando um governo restringe a liberdade de expressão, temos a censura.
No Brasil hoje, como já vimos acima, finalmente temos revistas tendencialmente de esquerda e não somente de direita. E claro, diferentemente do que acontecia durante a ditadura militar, hoje nenhum jornalista é cassado por conta de matérias contrárias ao governo (se há dúvidas em relação a isso, releia o primeiro parágrafo lá em cima ou assista a um telejornal da Globo, ou leia a revista Veja).
Em todo regime democrático, a imprensa não é exercida exclusivamente pelo Estado, isto é, temos empresas privadas prestando esse serviço à população. Porém essas empresas atuam comercialmente, gerando receita que resulta em lucro aos seus dirigentes.
O poder econômico se relaciona com o poder político, consequentemente há o risco de promiscuidade.
O fato mais importante aqui é que o direito à liberdade de imprensa causa ao Estado a necessidade de estabelecer um conjunto de regras que ressaltam os deveres da mídia em relação à democracia, afinal todo direito esbarra no direito dos outros. Não apenas a atividade pública deve seguir regras, mas a atividade privada também.
Não é de hoje que os Estados vem assumindo a decisão de normatizar a atividade privada e tais regulamentos não estão limitados ao campo das comunicações. Por exemplo, a padronização de pesos e medidas, os impostos ou as leis trabalhistas, são hoje marcos aceitos pela maioria esmagadora da população, e regem diretamente atividades levadas a cabo pelo setor privado. Isso nada tem a ver com censura.
Iniciativas reguladoras mais específicas também não são novidades – a primeira agência reguladora da qual se tem notícia foi fundada em 1887, nos EUA: a Insterstate Commerce Commission. Desde então foram criadas várias agências reguladoras de setores específicos, como a Federal Communications Commission (FCC), responsável pela regulação das comunicações nos EUA.
A FCC se dedica principalmente a regular o mercado, com foco nas questões econômicas. O órgão é responsável por outorgar concessões.
A propriedade cruzada de meios de comunicação é proibida, uma mesma empresa não pode ser proprietária de um jornal e de uma estação de TV ou de rádio na mesma cidade.
Há também regras que impõem limites sobre o número de estações de TV e rádio que uma mesma empresa pode controlar em determinado mercado. Esses limites variam de acordo com o tamanho do mercado e têm o objetivo de impedir que um mesmo grupo controle totalmente a audiência em determinado local.
Na Argentina atualmente as normas regulam principalmente temas econômicos – assim como acontece nos EUA e assim como a presidenta Dilma quer discutir para ser feito no Brasil.
No Reino Unido um escândalo de escutas ilegais realizadas por tabloides levou ao estabelecimento de regras polêmicas para jornais, revistas e sites.
Na Venezuela, opositores apontam para restrições à liberdade de expressão, mas movimentos sociais dizem que a lei aumentou o número de meios de comunicação comunitários.
Equador e Uruguai são outros países que recentemente regularam a mídia também.
No fundo, a necessidade ou não de regular qualquer setor e a intensidade desta regulação são condicionadas pela resposta à pergunta: que poder tem este segmento específico para modificar as preferências da sociedade e as dos próprios governantes? Quanto maior o poder de determinado segmento, maior a necessidade de um sistema regulador.
Por enquanto imagine um setor qualquer da economia brasileira que nunca foi regulado, que sempre conseguiu atuar se relacionando com o poder político em benefício próprio. Então imagine um governo disposto a escutar a população para então regular esse setor. Como esse setor iria se comportar numa situação dessas? Não sei você, mas eu imagino que esse setor não se submeteria de forma passiva ao processo de regulação, pelo contrário, tentaria assegurar que a regulação fosse o menos prejudicial possível a seus interesses (isto é, um marco legal que não implique em aumento de custos nem em diminuição de benefícios), inclusive se relacionando politicamente e usando todo e qualquer meio disponível para atacar quem está disposto a regular.
Basta uma rápida leitura da história da imprensa no Brasil para percebermos como a relação entre poder político e imprensa tem sido negativa, desde o início.
Oligopólio
O dicionário diz que oligopólio é um mercado em que só há um pequeno número de vendedores para uma multidão de compradores.
Julian Assange, do site Wikileaks (responsável pela divulgação na internet de documentos secretos de governos e empresas ao redor do mundo), assegura que apenas seis famílias são responsáveis pelo controle de 70% da imprensa brasileira.
No Brasil, um país com população de mais de 200 milhões de pessoas, toda a imprensa de grande porte seria controlada por apenas algumas dezenas de pessoas. Segundo a BBC, o mercado de mídia no Brasil é dominado por um punhado de magnatas e famílias.
Na indústria televisiva temos a família Marinho (dona da Rede Globo, que tem 38,7% do mercado), o bispo Edir Macedo (maior acionista da Rede Record, que detém 16,2% do mercado) e Silvio Santos (dono do SBT, 13,4% do mercado).
A família Marinho também é proprietária de emissoras de rádio, jornais e revistas – campo em que concorre com Roberto Civita, que controla o Grupo Abril (ambos detêm cerca de 60% do mercado editorial).
A família Mesquita, de O Estado de S. Paulo, e os Frias, da Folha de S.Paulo, são os donos dos maiores jornais do país. No Rio Grande do Sul, a família Sirotsky é dona do grupo RBS, que controla o jornal Zero Hora, além de TVs, rádios e outros diários regionais.
Famílias ligadas a políticos tradicionais estão no comando de grupos de mídia em diferentes regiões, como os Magalhães na Bahia, os Sarney no Maranhão, e os Collor de Mello em Alagoas.
A cada ano que passa o Grupo Globo fatura mais ou menos 14 bilhões de reais; o Grupo Abril (da revista Veja) mais ou menos 4,5 bilhões de reais; o Grupo Folha R$ 2,7 bilhões; a Record R$ 2,2 bilhões; o grupo RBS R$ 1,5 bilhões; o Grupo Bandeirantes R$ 1,5 bilhões; o Grupo Silvio Santos R$ 1 bilhão; o Grupo Estado quase R$ 1 bilhão; e o grupo Diários Associados mais de meio milhão de reais.
Sim, esses poucos empresários faturam juntos quase trinta bilhões de reais a cada ano que passa.
Se você acha que não há problema algum no fato desses poucos empresários faturem tanto dinheiro assim, sem concorrência, talvez você ache que eles merecem ganhar tanto assim enquanto que os outros milhões de brasileiros não merecem, afinal quem tiver força de vontade e competência pode trabalhar e crescer etc; se for isso, então você precisa dar uma olhada a seguir.
Como os donos da mídia se tornaram donos e como se dá a relação imprensa e poder público
Nenhuma emissora de TV ou de rádio no Brasil deveria ser considerada dona do canal ou da estação em que sua programação é transmitida: todos os canais de sinal aberto em teoria pertencem ao Estado. Diferentemente dos veículos impressos, em que teoricamente cada um que tenha meios pode criar um jornal ou uma revista, as concessões de rádio e TV são distribuídas pelo Estado, por haver uma limitação natural para seu número (as frequências são finitas).
O modelo atual de permissão ou autorização para exploração de serviços de radiodifusão no Brasil foi abordado por dezenas de leis e decretos, desde os primórdios do governo de Getúlio Vargas.
Antes da Constituição de 88, as concessões de TV eram outorgadas pelo ministro das Comunicações ou pelo presidente da República diretamente.
O inciso I do artigo 221 da Constituição diz que a preferência na radiodifusão deve ser dada às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. O inciso II do mesmo artigo prega o estímulo à produção independente. O parágrafo 5º do artigo 220 da Constituição afirma que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
As concessões devem ser temporárias e parciais, geralmente condicionadas a determinado conjunto de regras ou leis pré-estabelecidas pelo Estado e são sempre revogáveis.
A Constituição também determinou que o Executivo dividisse a competência de deliberar sobre as outorgas e renovações de concessão com o Congresso Nacional.
A partir disso, criou-se uma expectativa de que o assunto, antes limitado aos muros do governo federal, estaria mais próximo da sociedade e mais suscetível ao debate.
O Artigo 54 afirma que deputados e senadores, a partir do momento em que tomam posse, não podem “firmar ou manter contrato” ou “aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado” em empresa concessionária de serviço público. A primeira linha do artigo seguinte da Constituição, de número 55, diz: “Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior“.
Mas na prática o que acontece?
O que retratei logo acima sobre o oligopólio, e mais:
Mais de 30% das concessões de rádio e TV no Brasil estão em poder de congressistas.
De um universo de aproximadamente 300 TVs, mais de 3.200 rádios e aproximadamente 6.200 retransmissoras comerciais existentes no Brasil, mais de 55 estão nas mãos de deputados e senadores.
São 27 senadores e 53 deputados sócios ou parentes de proprietários de empresas de comunicação concessionárias de serviço público.
Juntas, essas rádios e televisões somam patrimônio milionário e entre elas, estão afiliadas das principais redes de TV do país.
O deputado Sarney Filho (PV) declarou ter R$ 2,7 milhões em participação na TV Mirante, retransmissora da Globo no Maranhão.
São sócios de afiliadas da Bandeirantes o senador eleito Tasso Jereissati (PSDB-CE) e a deputada Elcione Barbalho (PMDB-PA), ex-mulher do senador Jader Barbalho.
Na lista dos donos de rádios eleitos também estão Celso Russomanno (PRB-SP) e o ex-ministro das Cidades Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
O senador Aécio Neves (PSDB) declarou na eleição ser sócio em uma emissora de rádio que retransmite a Jovem Pan em Belo Horizonte.
Dois governadores eleitos também são sócios: Robinson Faria (PSD), que possui rádio no interior do Rio Grande do Norte, e o alagoano Renan Filho (PMDB), que declarou participação em outras duas.
O número de congressistas proprietários deve ser ainda maior, já que é comum o registro permanecer no nome de familiares ou laranjas.
O livro Vozes da Democracia – Histórias da Comunicação na Redemocratização do Brasil, escrito por 32 jornalistas de várias partes do país, conta que, “no final do governo Figueiredo (1979-1985), houve um número excessivo de concessões de canais de rádio e TV em um curto período. Somente nos últimos dois meses e meio do governo do general Figueiredo houve 91 decretos de concessões. Quase o mesmo número de todo o ano anterior (99 decretos) e mais que o total de 1983 (80 decretos). Entre os privilegiados, estão as redes de televisão Bandeirantes e SBT“.
Durante sua gestão como presidente da República (1985-90), José Sarney distribuiu 1.028 concessões de rádio e TV, e outras 65 foram aprovadas pelo Congresso. O Estado do Maranhão recebeu perto de 30 concessões. O número não chamaria a atenção, exceto por um detalhe: pelo menos 16 foram parar em mãos de pessoas diretamente ligadas à família. A isso deram o nome de “Farra das Concessões”.