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Os donos da mídia e a batalha de 2014




Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil


Assumida como principal partido de oposição, a mídia brasileira faz lembrar a peça de Pirandello, Seis Personagens à Procura de um Autor. Aqui, são seis famílias à procura de um candidato à Presidência da República. Enquanto não descobrem (ou não decidem) quem será o seu líder, vão montando os quadros de apoio e os cenários para sustentá-lo.

Quando se esperava que as cenas do avião da Polícia Federal levando os condenados para Brasília fosse o epílogo de uma campanha iniciada em 2005 com a criação do “mensalão”, eis que a mídia consegue estender ainda mais a história. 

Deixa tudo de lado (meia tonelada de cocaína num helicóptero de parlamentar mineiro, por exemplo) para acompanhar a vida dos presidiários, com o requinte – no caso da Globo – de enviar uma equipe de reportagem ao Panamá para descobrir um possível dono do hotel que havia oferecido emprego para José Dirceu. A Folha de S. Paulo acompanhou as visitas aos presos como se esta fosse a principal preocupação do país. 

O desejo de esticar ao máximo o assunto é visível. Novas prisões (escrevo antes delas), como a do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), vão reavivar o noticiário. 

A recuperação da presidenta Dilma Rousseff nas pesquisas, depois da queda verificada no meio do ano passado, deixou a mídia ainda mais ouriçada. A Folha chegou a publicar carta de leitor lamentando que as manifestações de rua de junho de 2013, fator que teria abalado a liderança de Dilma, não tivessem sido retardadas para as proximidades do pleito presidencial. 

Torcida e incentivo para que elas voltem não faltam. Se não voltarem, sobrarão as imagens e os sons daqueles atos repetidos à exaustão. O que aliás já ocorreu com as indefectíveis resenhas jornalísticas de final de ano. A rádio Estadão foi mais longe e fez uma série de programas só para lembrar “as jornadas de junho”. 

Para dar conta da campanha eleitoral de 2014, as empresas reforçam seus quadros com comentaristas vinculados à oposição. 

A TV Cultura de São Paulo traz para a apresentação do Roda Viva um jornalista que se especializou, na revista Veja, em assacar impropérios contra o presidente Lula. Nessa linha, ele não perde a oportunidade durante o programa de forçar o entrevistado a fazer criticas à presidenta e ao seu antecessor. Fez isso, por exemplo, com o historiador Ronaldo Costa Couto, que saiu da armadilha com elegância e com o cantor Lobão, que fez o contrário. 

Com cenário e personagens prontos, ainda que estes últimos tendam a crescer em 2014, resta conhecer o ator principal. 

O sonho dourado dessa mídia, escancarado pela revista Veja, é o presidente do STF, Joaquim Barbosa. As inúmeras capas e matérias laudatórias tornam o desejo evidente, sem nenhuma preocupação com o perigo que uma candidatura desse tipo representa para o país. Seria a combinação, numa pessoa só, do desequilíbrio político-emocional de figuras como Jânio Quadros e Fernando Collor. 

Se não der certo apostarão em Eduardo Campos e Aécio Neves, nessa ordem de preferência. Marina, com seus discursos tortuosos, é uma alternativa pouco confiável para a mídia que, em último caso, correrá para os braços de Serra e de sua obstinação pela presidência. 

A situação não seria tão trágica se tivéssemos por aqui veículos impressos de alcance nacional capazes de dar conta das várias tendências políticas existentes no pais. Que cada um então defendesse a sua. 

Mas não é assim, há um pensamento uniforme alinhado aos interesses do grande capital financeiro internacional e avesso às políticas de transferência de renda e de maior inclusão social. Vigora na mídia o pensamento único. 

No rádio, importante formador de opinião, e na TV a situação é ainda mais grave. Usam o espaço público das concessões recebidas para defender privilégios privados. Fazem desses veículos instrumentos de propaganda política afrontando as leis e a ética. 

2014 promete. 

Postado no Blog do Miro em 20/01/2014


A masculinidade está em crise?




Flávio Bastos

"Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor, lembre-se: se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor com ele você conquistará o mundo". (Albert Einstein)

Todos os dicionários definem a masculinidade como sendo a virilidade uma qualidade do homem, ou seja, que dá ideia de força e energia própria do homem másculo, viril. No entanto, nos últimos "velozes" anos, esta condição herdada dos ancestrais, que define o perfil masculino na espécie humana, parece passar por uma fase de alteração do paradigma comportamental que acompanha há milênios o indivíduo masculino.

O homem estaria passando por uma lenta mutação genética do gênero masculino, com efeito direto na sua química hormonal? Creio não ser esta a situação que envolve o homem do século XXI, mas sim, uma alteração gradual na forma de perceber, a partir de si mesmo, o mundo e a sua realidade circundante. É um novo olhar, onde a sensibilidade começa a substituir a antiga imagem do indivíduo masculino forte, agressivo, preparado para a luta, porém, insensível e brutalizado.

A mudança estaria ocorrendo na faculdade de captar ou transmitir impressões capazes de causar emoções. Fato que está, lentamente, aproximando o masculino do feminino, isto é, o homem da mulher. Quer dizer: a partir do milênio em curso, a fase de transmutação do planeta Terra dá início à Nova Era, também denominada por estudiosos, holísticos e espiritualistas, de Era de Cristal ou Era da Sensibilidade.

Portanto, o homem começa a desenvolver e a manifestar uma sensibilidade que era própria do sexo feminino e a sua longa história de experiência maternal. E a energia do amor e do bem comum, que acompanha a alteração energética do planeta, começa a fazer efeito no indivíduo que, desde tempos imemoriais, apresenta bloqueios na sua forma de expressar sentimentos e emoções.

Na esteira da Nova Era, o homem moderno está fazendo uma nova leitura de sua inserção no universo, ou seja, a partir de um olhar mais profundo sobre si mesmo, o outrem e o mundo que o rodeia, ele está percebendo a inutilidade da violência implícita, das guerras e da brutalidade como ferramentas de conquista pessoal e de evolução da espécie humana.

Nesta direção, lembremos a mensagem do grande educador Paulo Freire quando registrou em um de seus livros "que a carícia nasce do centro e confere repouso, integração e confiança. Como a ternura, a carícia exige total altruísmo, respeito e renúncia a qualquer outra intenção que não seja a da experiência de querer bem e amar". Pois a ternura, o carinho e outros atributos da pessoa sensível, amorosa, começa a fazer parte do dia a dia do indivíduo do sexo masculino, embora de forma ainda um tanto tímida ou pontual nas relações afetivas, e menos ainda nas relações sociais ou profissionais.

Tal aprendizado passa pela prática do "ato de dar" da mulher: dar carinho, afeto e amor ao filho que gerou em seu ventre. Experiência que o homem, até então, percebia como "ato de receber" da mulher-mãe, esposa ou amante. Nesta caminhada, o homem está aprendendo com o sexo oposto a também dar carinho, amor, a acolher, proteger, tornar-se menos egoísta e a abrir-se para a vida.

O homem moderno não está em crise de identidade sexual, mas aprendendo a conectar-se de uma forma direta com a própria essência, a alma em sintonia com a energia vital. Aprendendo a compartilhar a vida de uma forma mais sensível e honesta com o semelhante, e menos autoafirmativa no sentido de provar a sua masculinidade ou poder, a partir do núcleo familiar.

A alteração do padrão mental e comportamental do indivíduo masculino, vem a reboque da Era da Sensibilidade. É um processo inexorável que independe de sua vontade, pois envolve dimensões ainda desconhecidas do ser humano. Resta ao homem deixar-se orientar pelo foco de luz da Nova Era de transformações para o planeta Terra e a sua gente.

A fase que experenciamos neste alvorecer de milênio nos estimula ao despertar de consciência interior, da lucidez diante de muitas situações da vida, de rever com inteligência e sabedoria o poder de acreditar, de transformar realidades e de perceber o verdadeiro sentido da existência.

A era do predomínio de sentimentos de amor aproxima o homem da luz emitida pelo sentimento de compaixão e de ternura da mulher. É o renascimento do novo homem através do simbolismo da mãe-mulher, o que aproxima os polos humanos da criação divina e restabelece o equilíbrio natural e a harmonia no planeta Terra.

Situação que contemplaria as expectativas de Charles Chaplin, uma das sensibilidades masculinas mais expoentes do século XX: "Pensamos demasiadamente. Sentimos muito pouco. Necessitamos mais de humildade do que máquinas. Mais de bondade e ternura que de inteligência. Sem isso a vida se tornará violenta e tudo se perderá".

Postado no site Somos Todos Um

Prece para quem se ama




Desejo que a sua vida inteira seja abençoada, cada pequenino trecho dela, em toda a sua extensão. 

Que cada bênção abrace também as pessoas que ama e seja tão vasta que leve abraço a outros tantos seres, sobretudo àqueles que mais sofrem, seja lá por que sofrem. 

Desejo que os nós que apertam o seu coração sejam gentilmente desatados e que os sentimentos que os formaram se transformem na abertura capaz de criar belos laços de afeto. Desejo que o seu melhor sorriso, esse aí tão lindo, aconteça incontáveis vezes pelo caminho. 

Que cada um deles crie mais espaço em você. Que cada um deles cure um pouco mais o que ainda lhe dói. Que cada um deles cante uma luz que, mesmo que ninguém perceba, amacie um bocadinho as durezas do mundo. 

Desejo que volte para o seu mar quantas vezes forem necessárias até encontrar o seu tesouro.  
Que quando encontrá-lo, não seja avarento. Que descubra maneiras para compartilhar a sua felicidade, o jeito mais gostoso para se expandir a riqueza. 

Desejo que quando os ventos da mudança ventarem mais forte, e sentir medo de ser carregado junto com tudo o que parecerem arrastar, você já conheça o lugar onde nada pode arrastá-lo. 

Que já saiba maneiras de respirar mais macio, quando as circunstâncias lhe encurtarem o fôlego. 

Que, com o passar do tempo, a sua alma se torne cada vez mais maleável, mas que seja firme o bastante para nunca desistir de você. 

Desejo que tudo o que mais lhe importa floresça. Que cada florescimento seja tão risonho e amoroso que atraia os pássaros com o seu canto, as borboletas com as suas cores, o toque do sol com seu calor mais terno, e a chuva que derrama de nuvens infladas de paz. 

Desejo que, mais vezes, além de molhar só os pés, você possa entrar na praia da poesia da vida com o coração inteiro e brincar com a ideia que cada onda diz. 

Que, ao experimentar um caixote ou outro, não se arrependa por ter entrado na água, nem desista de brincar. Todo mundo experimenta um caixote ou outro, às vezes um monte deles, quando se arrisca a viver. O outro jeito é estar morto. O outro jeito é não sentir. 

Desejo que não tenha tanta pressa que esqueça de colher estrelas com os olhos, nas noites em que o céu vira jardim, e levar para plantar no seu coração as mudas daquelas mais luzentes. 

Que tenha sabedoria para encontrar descanso e alimento nas coisas mais simples da vida. 

Que a cada manhã a sua coragem acorde bem juntinho de você, sorria pra você, e o convide para viverem uma história toda nova, apesar do cenário aparentemente costumeiro. 

Que tenha saúde no corpo, saúde na alma, saúde à beça. 

Desejo que encontre maneiras para ser feliz no intervalo entre o instante em que cada dia acorda e o instante em que ele se deita pra dormir, porque a verdade é que a gente não sabe se tem outro dia. 

Que quanto mais passar a sua alma a limpo, mais descubra, mais desnude, mais partilhe, com medo cada vez menor, a beleza que desde sempre você é. 

Que se sinta livre e louco o bastante pra deixar a sua essência florir. 

Não importa quanto tempo passe, não importa onde eu esteja, não importa onde esteja você, abra os olhos pra dentro e ouça: o meu coração estará dizendo esta mesma prece de amor para o seu. Amor incondicional, exatamente como neste instante.

Não importa o quanto a gente mude, o quanto a distância aparente nos afastar, isto que sinto por você, eu sei, não muda nunca mais. 


Ana Jácomo 


Apoio a Genoino constrange seus carrascos




Eduardo Guimarães

Com tantos assuntos ocupando o noticiário político – “rolezinhos”, escândalos envolvendo o PSDB de São Paulo etc. –, um deles, a despeito da relevância, teve cobertura desproporcionalmente pequena. O ex-deputado José Genoino, praticamente sem pedir, recebeu doações em dinheiro de mais de seiscentos mil reais em cerca de uma semana.

Pressionada por amigos e admiradores do ex-deputado – que já estavam criando sites para arrecadar a pequena fortuna necessária para pagar a multa que lhe foi imposta por sua condenação –, sua família criou um site oficial contendo informações a quem quiser colaborar.

O site de fundo vermelho-PT e letras brancas tem algumas poucas fotos de Genoino durante sua luta contra a ditadura e nos dias atuais. A página é despojada, objetiva e já anuncia no alto que os advogados do ex-deputado estão questionando judicialmente a majoração que a multa sofreu por determinação judicial – de 468 mil reais foi aumentada para 667 mil.

Há, também, as instruções para doação, que pode ser feita via depósito bancário, cartão de crédito etc. O doador recebe uma senha para acompanhar a evolução da arrecadação e o número de contribuintes.

Da última vez que vi – e lá se vão dias –, cerca de mil pessoas registraram suas doações. Todavia, a quantidade de contribuintes é muito maior porque essas cerca de mil pessoas são as que fizeram repasses de quantias que arrecadaram em “vaquinhas” que encabeçaram, com as quais, muitas vezes, 10, 20, 30 pessoas contribuíram.

Essa informação sobre a quantidade de doadores ser bem maior do que a registrada não me foi passada pela família ou por uma filha do ex-deputado com quem tenho me comunicado de vez em quando via e-mail, mas por experiência própria e por relatos de amigos-leitores.

Eu mesmo, fiz minha doação a Genoino na conta de uma pessoa que estava recebendo doações de todos os valores para repassar a ele. Segundo me relatou, houve depósitos de 30, 50, 100 reais. Não sei quantas pessoas foram, mas não foram poucas.

Arrisco dizer, porém, que umas vinte mil pessoas devem ter feito doações, se não forem mais.

Perguntei-me: quantos políticos podem dizer que, caso precisassem, receberiam tal solidariedade. Imagino que José Dirceu também receberia. E acho que todos os outros petistas condenados no julgamento do mensalão também. Duvido, porém, que os condenados de outros partidos ou políticos em geral, de qualquer partido, conseguiriam tal feito.

Esse fenômeno que beneficiou o ex-deputado, no entanto, praticamente não ganhou destaque na mídia.

Enfim, se minha estimativa de 20 mil contribuintes for razoável – e não vejo como não seria –, trata-se de gente suficiente para lotar um pequeno estádio de futebol. São políticos, sindicalistas, estudantes, donas de casa, pedreiros, marceneiros, advogados, engenheiros, filósofos, artistas, religiosos, jornalistas… E por aí vai.

Serão todos “mensaleiros” ou “apoiadores de bandidos”? Famílias inteiras contribuíram. Alguns, sei que doaram mesmo passando por dificuldades financeiras. Conheço gente desempregada que contribuiu.

Não foi um bando de ingênuos, de caipiras ou de ladrões que apoiou o ex-deputado. Foram cidadãos educados, de várias classes sociais, politizados, muitos dos quais nunca viram esse homem na vida. Doaram porque, no fundo de suas consciências, tendo acompanhado cada passo do julgamento do mensalão, entenderam que a condenação de Genoino foi injusta.

Essa realidade incomoda os carrascos do ex-deputado – a mídia (adiante de qualquer outro), o STF, o PSDB, o PPS, o DEM, o PSOL e todos os que, políticos ou não, fazem oposição cerrada ao PT e não tiveram um pingo de comiseração por uma família que, além de tantos sofrimentos, atravessa dura crise financeira e, sobretudo, emocional.

A família de Genoino, para arcar com a vida em Brasília – uma das cidades mais caras do Brasil, onde o ex-deputado, em contrariedade às leis penais, cumpre prisão domiciliar –, já vem tendo que se desfazer dos poucos bens que esse homem acumulou ao longo de décadas na política. Mesmo assim, o jornal O Estado de São Paulo não teve dó.

Matéria repugnante desse jornal, em tom de denúncia, revelou que a casa que essa família alugou em um condomínio fechado tem aluguel de 4 mil reais. Citou “três suítes” nessa “mansão”. Um “escândalo”…

Aluguel nesse valor em uma cidade como Brasília, contudo, só dá para uma casa comum de classe média. E o imóvel, obrigatoriamente, tem que ser num condomínio fechado, pois a família de Genoino já esteve sob ameaça de antipetistas fanáticos após se instalar naquela cidade para cuidar dele durante sua prisão domiciliar

Vale lembrar, ainda, que o ex-deputado está em prisão domiciliar devido a seus problemas de saúde.

Essas milhares de pessoas que apoiam Genoino, a própria situação financeira dele e dessa família composta por pessoas simples como a professorinha Miruna – a filha que tem lutado como uma leoa pelo pai, expondo-se à virulência das redes sociais e da mídia com uma coragem rara –, são fatos mortais para a teoria de que ele é um “bandido”.

Que bandido é esse que, ao longo de toda uma vida na política, mergulha em situação financeira tão grave que obriga sua família a vender um de seus dois automóveis (com anos de uso) para poder pagar o aluguel da “mansão” que o Estadão, de uma forma inimaginavelmente calhorda, inventou?

Tudo isso não combina com a imagem que a mídia, o STF e os inimigos do PT em geral criaram para Genoino, pois não? Daí o constrangimento dos carrascos dele.


Postado no Blog da Cidadania em 18/01/2014


De onde vem a nossa dor



Martha Medeiros


A dor nas costas vem das costas, a dor de estômago vem do estômago, a dor de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de onde?

Ela vem da história que você meio que viveu, meio que criou – é sabido que contamos para nós mesmos uma narrativa que nem sempre bate com os fatos.

Nossa memória da infância está repleta de fantasias e leituras distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que decidimos oficializar e passar adiante, e dela resultam muitas de nossas fraturas emocionais.

Nossa dor existencial vem também do quanto levamos a sério o que dizem os outros, o que fazem os outros e o que pensam os outros – uma insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam os outros?

Pensamos no lugar deles e sofremos por esse pensamento imaginado. Nossa dor existencial vem dessa transferência descabida.

Nossa dor existencial, além disso, vem de modelos projetados como ideais, a saber: é melhor ser vegetariano do que comer carne, fazer faculdade de medicina do que hotelaria, namorar do que ficar sozinho, ter filhos do que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna entre quem você é e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de confundi-lo: existe mesmo uma lógica nas escolhas?

Como se não bastasse, nossa dor existencial vem do que não é escolha, mas destino: quem é muito baixinho, ou tem cabelo muito crespo, ou é pobre de amargar, ou tem dificuldade de perder peso vai transformar isso em uma pergunta irrespondível – por que eu? – e a falta de resposta será uma cruz a ser carregada.

Nossa dor existencial vem da quantidade de nãos que recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas isso, uma proposta negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos, uma conscientização das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de virarem traumas ou convites à desistência.

Nossa dor existencial vem do bebê bem tratado que fomos, nada nos faltava, éramos amamentados, tínhamos as fraldas trocadas, ninavam nosso sono, até que um dia crescemos e o mundo nos comunicou: agora se vire, meu bem. Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por acaso deixou totalmente de ser criança?

Nossa dor existencial vem da incompreensão dos absurdos, da nossa revolta pelos menos favorecidos, da inveja pelos mais favorecidos, da raiva por não atenderem nossos chamados, por cada amanhecer cheio de promessas, pela precariedade das nossas melhores intenções e pela invisibilidade que nos outorgamos: por que nunca ninguém nos enxerga como realmente somos?

Dor de dente vem do dente, dor no joelho vem do joelho, dor nas juntas vem das juntas. Nossa dor existencial vem da existência, que nenhum plano de saúde cobre, de tão difícil que é encontrar seu foco e sua cura.