Paraninfo deixa formatura na Unisinos escoltado após discurso sobre ataques à imprensa
Da Redação
Paraninfo da turma de formandos em Jornalismo da Unisinos, em São Leopoldo, Felipe Boff precisou deixar a cerimônia acompanhado por seguranças na noite de sábado (7), depois de, aos gritos e vaias, convidados do evento terem tentado impedir que o professor concluísse seu discurso. “A virulência desse ataque só reforçou a importância do que foi dito”, escreveu Boff em sua página no Facebook, onde compartilhou o discurso.
A coordenação do curso emitiu declaração de apoio e solidariedade ao jornalista e professor, na qual destaca que a fala foi corajosa e necessária, “principalmente na ocasião em que jovens colegas chegam ao mercado de trabalho, Felipe, embasado em dados e exemplos, alertava para o que deveria ser óbvio: o presidente da República vem constantemente ofendendo e destratando jornalistas”.
Na tarde deste domingo, a postagem de Boff já tinha mais de mil reações e centenas de compartilhamentos.
Confira o discurso proferido por Felipe Boff na cerimônia de formatura:
A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados.
No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias.
Querem exemplos? “É só você fazer cocô dia sim, dia não.” “Você está falando da tua mãe?” “Você tem uma cara de homossexual terrível.” “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai.”
É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos.
O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019.
O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.”
Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF.
E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos.
Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais.
Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”.
Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”.
Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.
Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”.
Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano.
Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”.
Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez.
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Não nos mande flores
Dia da Mulher não é dia de flores e bombons. Não é dia de parabéns.
Porque o Dia da Mulher é dia de luta até no nome: Dia Internacional de Luta das Mulheres, principal data da agenda feminista mundial.
Com mulheres no plural, porque o feminismo não se realiza se não for para todas as mulheres, médica, juíza, empresária, faxineira, balconista. E o feminismo tem que dar as mãos principalmente para as mulheres que estão na base da sociedade, pretas e periféricas.
Não queremos bombom. Queremos o fim da divisão sexual do trabalho, a exploração não remunerada do nosso tempo de trabalho dedicado aos serviços domésticos, administração da casa, organização do lar.
Queremos o fim da exploração do nosso tempo de trabalho para criação e educação dos filhos e filhas.
Educar exige tempo, além de amor e dedicação. E esse tempo precisa ser dividido de modo justo e equânime entre mães e pais.
Não é natural que homens cumpram menos atividades relativas aos filhos e filhas porque estão fazendo inglês, ou pós-graduação, ou viajando a trabalho, ou trabalhando para concluir um relatório, enquanto a mulher não pode fazer uma pós-graduação, aprender outra língua, viajar a trabalho e receber uma promoção porque tem boa parte do seu tempo dedicado a cumprir, sozinha, as tarefas que deveriam ser divididas equanimemente entre os dois.
Não é natural.
Então não nos mande flores.
Porque as flores nós temos usado para velar as mulheres que foram assassinadas pelos companheiros ou ex-companheiros, cujos corpos servem de estatística para o Brasil ser o quinto país no ranking mundial do feminicídio.
A cada uma hora e meia uma mulher é vítima de violência doméstica. E não temos estatísticas sobre a violência moral.
O homem que dá o bombom é o mesmo que diz que a mulher está gorda, feia, velha, que olha para outras mulheres como forma de acinte, para que sua companheira se sinta diminuída e tenho seu ego destruído a cada golpe de palavra.
E enquanto você está lendo esse texto, mais uma mulher foi estuprada, nesse relógio doentio que registra um estupro a cada onze minutos.
Não nos mande flores.
Se você acha que a esquerda tem que se unir em torno de figuras machistas e racistas, insensíveis ao feminismo antirracista, e que a "esquerda identitária" (sic) é o novo fascismo (sic). Se você não entende que nada une mais a direita e a esquerda do que o racismo e o machismo, não nos mande flores.
A gente não quer essas flores, nem estar nesse tipo de ex-querda que aceita nos ver mortas, estupradas, exploradas e submissas.
Não nos mande flores.
Nos ouça mais, não nos interrompa, não se aproprie de nossas ideias, respeite que não é não, entenda que não ser desejado por uma mulher faz parte da vida, divida com justiça o tempo de educação dos filhos e da casa, não minimize a importância da nossa luta política e venha fazer parte desta luta, respeitando nosso protagonismo.
Estamos nas ruas, marchando por transformação. E as flores que cabem nessa marcha somos nós, que somos a própria primavera feminista.
Liana Cirne Lins Professora da Faculdade de Direito da UFPE
Elas nunca fraquejaram
Fernando Brito
Um sujeito que se refere à filha mais nova como resultado de “uma fraquejada” não precisa e mais nada para sublinhar sua misoginia.
Mais que ninguém, porém, as mulheres provaram o quanto são fortes, sendo sempre a maior resistência àquele que pregava o ódio e a intolerância.
É bom lembrar que as últimas pesquisas de 2018, mesmo com toda a “onda” bolsonarista, indicavam que as mulheres rejeitavam mais que aprovavam o candidato.
Portanto, se ele está lá, a culpa é nossa, os homens, entre os quais a maioria tolerou – quando não apoiou – um homem que odeia as mulheres.
A luta feminina pela igualdade de direitos – na educação, no trabalho, na vida social, na liberdade, na escolha política (o voto feminino nem 100 anos tem aqui) – e por ser soberana sobre seu próprio corpo vem de longe e não terminará tão cedo.
Até mesmo no direito à vida, porque há dois anos tergiversam sobre quem matou e manou matar uma delas, Marielle Franco.
Mas hoje são as mulheres que precisam que os homens que de uma delas vieram não deem nenhuma fraquejada – sem aspas – e se somem à resistência contra o assédio indevido, a opressão e a agressão às mulheres, patrocinadas por esta gente que assaltou o poder em nosso país.
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