Isaias Costa
Esses dias, em meio a diversas leituras, eu me deparei com uma frase absolutamente maravilhosa atribuída a Santa Catarina de Siena, filósofa escolástica e teóloga do século XIV. Apesar de curta, ela pode nos levar a reflexões profundas.
Sua frase dizia o seguinte: “O afeto conduz a alma como os pés conduzem o corpo”.
Eu me senti muito tocado ao ler isso, o que me inspirou a escrever esse texto que você lê agora.
Não precisa acreditar em Deus ou ser religioso para compreender a verdade contida nessa frase. Inclusive, posso falar isso com tranquilidade, pois venho estudando Filosofia com bastante afinco e muitos teóricos falam sobre a alma sem uma conotação religiosa, entre eles o mestre Platão por exemplo.
Catarina cita o verbo conduzir, que encaixa perfeitamente na ideia que ela quis transmitir. Conduzir está ligado a sair de um ponto A em direção a um ponto B. Ou seja, está ligado a MOVIMENTO, a FLUXO, e obviamente, às MUDANÇAS.
Ao escrever isso até lembrei uma das mais célebres frases do filósofo da antiguidade Heráclito: “Não se entra duas vezes no mesmo rio”. O que interpretamos como esse fluxo de mudanças. Quando nos dirigimos ao rio uma segunda vez, nem ele é o mesmo, pois novas águas estão fluindo em sua correnteza, nem nós somos os mesmos, porque estamos um pouquinho mais velhos, tivemos algumas experiências a mais, milhões de células nasceram e morreram etc.
Vou aprofundar de trás pra frente OK? Os pés conduzem o corpo. Todos nós sabemos que os pés são nossa BASE DE SUSTENTAÇÃO. Sem eles, e principalmente sem os dedos, que são flexíveis e recobertos por fortes tendões, não conseguiríamos ficar em pé, não conseguiríamos sequer nos mover. Provavelmente nos deslocaríamos de forma semelhante aos animais que rastejam.
A anatomia dos nossos pés possui uma engenharia absolutamente impressionante. Ele tem especialidades que nos auxiliam de “n” maneiras diferentes, posso citar apenas algumas: a flexibilidade dos tornozelos nos ajuda a pisarmos em locais perigosos, como espinhos ou cacos de vidro, sem ter que colocar toda a área do pé; a força dos tendões dos dedos nos possibilitam dançar em quase todas as posições possíveis e imagináveis, a junção dos tendões à musculatura da panturrilha nos permite até mesmo andar para trás com a ponta dos pés se for do nosso interesse…
As especialidade podem ir muito longe, mas deixo isso para meus amigos que são formados em Educação Física. Eles podem explicar muito melhor do que eu a anatomia dos pés e seus movimentos.
Escrevi tudo isso para mostrar o quanto nossos pés são importantes e acima de tudo, lembrar você o quanto não agradecemos por termos pés que nos possibilitam caminhar à vontade. Tenho certeza que alguém que não possa caminhar, muitas vezes se imagina correndo ou dançando e não pode fazer isso. Inclusive a teoria dos sonhos desenvolvida por Freudmostra bem isso. Analise alguns sonhos de uma pessoa que seja paraplégica por exemplo! Em muitos deles, a pessoa aparece correndo, dançando, nadando etc. porque se tratam de desejos profundos do inconsciente dela, entende?
Portanto! Agradeça! Agradeça todos os dias por ter pés saudáveis que conduzem o seu corpo.
O começo da frase é mais profundo ainda, por isso deixei para o final. O afeto conduz a nossa alma. E eles estão diretamente ligados aos SENTIMENTOS e EMOÇÕES. Vivemos numa sociedade adoecida, que coloca o fazer, o trabalhar, o competir com os outros, o desejo de superioridade etc. como molas propulsoras do nosso destino. Sempre digo e repito! Se continuarmos com tal mentalidade, correremos um sério risco de destruirmos completamente nossa humanidade. E quero que me entenda bem nesse ponto! Não estou falando aqui sobre o “fim do mundo”, “destruirmos o planeta Terra”. Estou falando de HUMANIDADE.
Parece que esquecemos que somos humanos, e o que mais nos caracteriza é exatamente a nossa capacidade de nos unirmos aos outros, ou seja, sermos gregários.
Se não valorizarmos os afetos, estaremos afastando o que há de mais belo e puro em nós.
Eu não consigo falar sobre isso sem lembrar um figurão que admiro imensamente chamado Eduardo Marinho, muito conhecido como “o filósofo das ruas”. Ele, de uns anos pra cá, se tornou bastante conhecido por falar sobre as injustiças e aprisionamentos do nosso sistema de uma forma muito simples e profunda.
Nos seus vídeos ele sempre diz que a sociedade como um todo foi sabotada, fazendo com que acreditassem que o correto é ser um “vencedor”. E ser um vencedor é ganhar muito dinheiro, ter um carrão, uma casa de praia, um emprego de grande status etc. etc. e na realidade não é nada disso que define ser um “vencedor”.
“Eu que já não quero mais ser um vencedor, levo a vida devagar, pra não faltar amor” – Los Hermanos
Vencer na vda é desenvolver laços fortes com as pessoas que amamos. Quem de fato consegue fazer isso alcança uma felicidade magnífica, mas infelizmente são poucos os que atinam para isso.
Venho com esse texto apenas lhe relembrar tudo isso. Eu sei que você já ouviu sobre isso, talvez já tenha lido sobre isso, mas não do jeito que estou colocando, não com as palavras que estou utilizando…
Os afetos são os nossos sentimentos, de toda natureza viu? Não apenas os afetos bonitinhos e cor de rosa. Há também os afetos destrutivos aqui! Não sejamos tão ingênuos assim! Mas a frase continua verdadeiríssima. Perceba!
Os afetos conduzem a nossa alma! Ou seja, nos levam de um ponto A para um ponto B.
Nessa hora acabo levando para o campo da espiritualidade. Tudo que fazemos gera alguma repercussão. Se fizermos algo bom e benéfico, isso volta para a gente. Da mesma forma, se fizermos algo ruim e destrutivo, isso também volta para nós de alguma maneira, muitas vezes vem até na forma de alguma doença física.
Meu desejo é que você busque o amor e queira que ele seja o alimento para a sua alma. Dessa forma, a alma sendo alimentada pelo amor, terá energia, força, vitalidade, vibração, para lhe conduzir para o bem, o belo, o justo e o verdadeiro.
Talvez você não saiba, mas estou fazendo uma releitura de Platão e parte de sua magnífica obra.
Aquele que é bom, justo e cultiva a beleza, essa pessoa tem uma alma boa e que certamente também tem afetos genuinamente belos. Sei que esse é o famoso ideal platônico, como provavelmente você já ouviu falar. Mas esse é o grande desafio, e vale a pena segui-lo, pois é esse desafio que pode elevar a nossa alma.
Não foi menos do que isso o que a querida Santa Catarina de Siena quis nos dizer com essas 11 palavras.
Claro que há muito mais a ser dito, a ser aprofundado, mas a ideia central que queria transmitir é essa. Desenvolva as virtudes que elevam a alma. E isso só pode ser possível através dos afetos, da expressão direta dos sentimentos para com todos que amamos e até com quem não amamos, pois uma alma conduzida pelos afetos amorosos se guia pelo que o mestre Jesus nos deixou: “Amai os vossos inimigos…”.
O amor como centro dos afetos guia a nossa alma, enquanto os pés guiam nosso corpo em harmonia com tais princípios.
Paz e luz.
Postado em Conti Outra