Discurso de resistência de aluna de Direito viraliza nas redes






A estudante de Direito da PUC-SP Michele Maria Batista Alves emocionou ao fazer um discurso de resistência às conquistas sociais da classe mais pobres do Brasil; "Resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dá. À falta de inglês fluente, de roupa social e linguajar rebuscado. Resistimos aos desabafos dos colegas sobre suas empregadas domésticas e seus porteiros. Mal sabiam que esses profissionais eram, na verdade, nossos pais", disse ela no discurso que viralizou.




Publicado na Nova Escola - Diante de um auditório lotado no Citibank Hall, gigantesca casa de shows da capital paulista, uma aluna de uma das graduações mais tradicionais do país toma o microfone para um discurso duro. “Gostaria de falar sobre resistência. De uma em específico, a que uma parcela dos formandos enfrentaram durante sua trajetória acadêmica”.

Ela falava em nome dos alunos bolsistas do curso de direito da PUC-SP, em que as mensalidades são de 3.130 reais. “Somos moradores de periferia, pretos, descendentes de nordestinos e estudantes de escola pública”, enumerou. Descrevendo uma experiência de solidão e preconceito, a oradora apontava as dificuldades do convívio com alunos e professores de uma outra classe social:

“Resistimos às piadas sobre pobres, às críticas sobre as esmolas que o governo nos dá. À falta de inglês fluente, de roupa social e linguajar rebuscado. Resistimos aos desabafos dos colegas sobre suas empregadas domésticas e seus porteiros. Mal sabiam que esses profissionais eram, na verdade, nossos pais.”

Migrante e filha da escola pública

A fala, aplaudida de pé, viralizou em áudio e vídeo nas redes sociais. NOVA ESCOLA conversou com exclusividade com a autora do discurso. Seu nome é Michele Maria Batista Alves, de 23 anos. Natural de Macaúbas, cidade de 50 mil habitantes no centro-sul baiano, ela é uma dos milhares de estudantes de classe popular que chegaram à faculdade a partir da criação do Programa Universidade para Todos (ProUni), em 2004. É também um exemplo das dificuldades dessa trajetória.

Filha de mãe solteira, criada com a ajuda do avô, Michele veio para São Paulo aos 12 anos, para tratar de uma depressão. Sua família se estabeleceu numa casa alugada em Itapevi, cidade da Grande São Paulo onde mora até hoje, e de onde leva duas horas para ir e voltar ao centro da capital. A intenção inicial era regressar à Bahia, mas dois anos depois a descoberta de um tumor no pescoço adiou indefinidamente os planos. “Hoje estou curadíssima, mas por causa da doença fomos ficando. Minha mãe trabalhava de doméstica e eu comecei a ajudar no Ensino Médio como monitora numa escola infantil”, conta.

Sua história na Educação Básica foi toda em escola pública. “Estudei numa escola estadual perto de casa. Tive professores bons, mas a estrutura dificultava. Faltava água sempre, não tinha como ir ao banheiro, as classes eram lotadas e havia brigas. Eu sentia o quanto era difícil lecionar ali”, lembra ela, que diz nunca ter tido uma aula de Química – a professora só existia no papel, mas nunca apareceu. “Por tudo isso, acho muito difícil um aluno de escola pública entrar direto na faculdade.”

“Percebi que era pobre”

Ela própria teve de fazer cursinho. Duas vezes, a primeira delas num comunitário. “Foi uma experiência fundamental”, conta. “Tive vários professores de origem popular que me mostraram a diferença entre classes. Era a primeira vez que eu me reconhecia como pobre.”

A segunda foi no ingresso na PUC-SP. “Não tinha ninguém do meu círculo social. Não tinha recepção para bolsistas”, diz. No primeiro dia, uma menina contava animadamente sobre a viagem de férias à Europa. No terceiro, uma professora fez um comentário sobre métodos de estudos que deveriam ser evitados porque até a filha da empregada dela estudava assim. O impacto virou trecho do discurso:

“Naquele dia, soube que a faculdade não era para mim. Liguei para a minha mãe, que é doméstica, e disse que queria desistir. Ela me fez enxergar o quanto precisava resistir àquela situação e mostrar o quanto eu era capaz de obter aquele diploma”.

Espelho da realidade

Professores da PUC confirmam a situação narrada por Michele. “Ouvi de alguns bolsistas que a maior dificuldade não era preencher as lacunas de formação, mas conviver com a discriminação por parte de colegas”, diz Leonardo Sakamoto, professor do curso de jornalismo. “Se a PUC tivesse mais estudantes como eles, faria mais diferença do que faz hoje. Alguns dos meus melhores alunos foram bolsistas.”

“Os alunos beneficiários de bolsas são os mais dedicados, pois vêem no diploma da PUC a única chance de fugir de um destino cruel, previamente estabelecido”, confirma Adalton Diniz, professor do curso de Ciências Econômicas, que compara sua própria trajetória com o cenário atual. “Nasci no Jardim São Luiz, na periferia de São Paulo, fui operário metalúrgico e filho de uma dona de casa e um trabalhador que apenas completou o ensino primário. Estudei na PUC nos anos 1980 e não me recordo de ter enfrentado, de modo significativo, resistência, preconceito e hostilidade. Creio que a sociedade brasileira era mais generosa na época.”

Michele Alves seguiu em frente, mas não sem dificuldades. Passou os seis primeiros meses sem falar com ninguém. “Também por minha conta, porque antes eu era mais radical, mais intolerante. Acho que a gente tem de ser radical, mas não radical cego. Isso eu só aprendi depois, ao perceber como as pessoas me enxergavam e como eu poderia me aproximar delas. Aos poucos, fui criando métodos para dialogar com quem era diferente de mim. Ficar sem falar é muito ruim.”

Choro, apreensão – e aplausos

O episódio do discurso nasceu dessa espécie de diálogo radical. Com colegas, Michele fundou um grupo para discutir a situação dos bolsistas na PUC. A formatura se tornou uma pauta importante, porque o custo da colação de grau e do baile – na casa dos 6 mil reais – era proibitivo. Uma negociação com a comissão do evento garantiu quatro ingressos para cada bolsista e o direito do grupo a ter um orador.

Michele foi a escolhida. “Fiz o texto numa única noite. Chorei muito. É um relato carregado de histórias não só minhas, mas de todos os bolsistas, que eu revivia conforme ia escrevendo. Ensaiei 12 vezes e só na última consegui ler sem chorar”, conta. 

Chegou o 15 de fevereiro, data da colação, e Michele aguardava sua vez de subir ao palco. O orador oficial fez um discurso leve, contando ‘causos’ do curso e arrancando risadas da plateia. Michele gelou. “Pensei: ‘e agora, como vai ser? Vou vir com um tapa na cara, agressivo, não sei como vão reagir’”. De cima do palco, tentou procurar a família – cunhado, uma amiga do Chile, três colegas de trabalho e a mãe, aniversariante da noite. Não viu ninguém. Leu tudo de um fôlego só.

Ao terminar, ainda meio atordoada, correu de volta para seu assento. “Achei estranho meus colegas se levantando. Depois entendi. Estavam me aplaudindo”, diz ela, contente também com a repercussão de sua fala nas redes sociais. “É uma vitória saber que minha reflexão está chegando a lugares que antes não debatiam esse assunto. Quem sabe cause algum impacto na vida dos bolsistas que virão depois de mim.”


Postado em Brasil247 em 20/02/2018



Ouça , você irá se emocionar !







Sofrimento existencial










A quem serve este mundo de brutalidade ?



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Infelizmente ...








A deliciosa sensação de estar sozinho e sentir-se verdadeiramente feliz



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Lara Brenner


Solidão: estado de quem se encontra ou vive só, isolamento (Aurélio).

Enquanto enchia minha farta taça de vinho pela segunda vez, já com os dentes e lábios roxos, dei-me conta de que a mesa a que me sentava estava vazia, exceto por mim. Na cozinha também havia ninguém, assim como em todo o apartamento. Sequer música se podia ouvir. Eu estava só e engolida pelo silêncio.

Por um segundo, incomodou-me um pouco que a ideia de que alguém, vendo aquilo, pudesse concluir ser um momento de solidão abandonada. O ato de beber sozinho carrega a história de escritores decadentes e amores de insucesso, conferindo ao álcool um comportamento ambíguo: consumido em grupo, serve para brindar a vida; já em isolamento, serve para afogar as mágoas.

Entre um gole e outro de vinho, a verdade me caiu como um estalo: entre mim e aquele líquido, havia nada além de glória. Não existia ânsia por companhia, tampouco sofrimento por sua ausência. Pareceu-me injusto que não houvesse na Língua uma palavra que expressasse a glória de estar só, mas felizmente o sociólogo Paul Tillich teve a cortesia de me apresentá-la. Solitude. As quatro sílabas dançavam em minha língua já meio dormente. “O idioma criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho.” A Língua quase nunca desaponta.

Jobim inventou que é impossível ser feliz sozinho. Terceirizando a responsabilidade pela plenitude do espírito, criou-se o estigma do hedonismo acompanhado, de que a felicidade só é boa quando dividida. As redes sociais estão aí para perpetuar o sentimento: haja sorrisos, brindes, porres e bossa. Haja viagens, selfies em grupo, bares lotados e músicas entoadas em coro. Ficar sozinho parece coisa de gente humilhada e infeliz, mas talvez não suportar a própria companhia por um instante seja o autêntico sinal de infelicidade. Pessoas que têm hábitos como ir a cinema, beber, dançar e fazer compras sem companhia causam grande furor às demais, ainda que ninguém tenha a curiosidade de indagar se aquilo é ato intencional. Só que a balbúrdia costuma causar ilusão de felicidade e a verdadeira fuga pode residir aí.

É bem provável que uma vida inteira de solitude se transforme em solidão, mas é curioso como viver apenas em grupo cansa e chega uma hora em que tudo o que se quer fazer é correr dali para a calmaria do mar, que só é alcançada quando se nada para dentro. Solitude é uma opção, um deleite, uma vontade. Talvez sua graça seja saber que é facultativa e que, quando a alma pedir por compartilhamento, haverá pessoas queridas que ficarão felizes em oferecê-lo.

Necessário, portanto, ser forte e seguro para curtir a solitude, sendo a recompensa tanto simbólica quanto aproveitável. Basta perceber que grandes decisões e guinadas na vida costumam ser precedidas por momentos de recolhimento. Bastar-se não se restringe à negação das pessoas e do mundo, e, sim, saber que existir não depende necessariamente de alguém além de si.



Postado em Revista Bula



Nasce uma lenda ...



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