Saudade tem sono leve






Alessandra Piassarollo

Saudade é um sentir que atinge principalmente os corações que cultivam apreço pelas coisas vividas. Mário Quintana disse que “a saudade é o que faz as coisas pararem no Tempo.” Mas só vale a pena se isso for feito de um jeito bom, é claro.

O fato é que ela tem um poder encantador de nos transportar para dentro de nós, de volta para o que já nos pertenceu um dia, mas que agora parece distante demais.

A saudade tem sono leve, levíssimo, e muitas coisas a fazem despertar dentro da gente: o barulho suave da chuva caindo lá fora, descanso no banco da varanda, um travesseiro macio no fim do dia, momentos de reflexão solitária.

Às vezes, ela desperta calma e silenciosa, quase sorridente. E, de repente, nos traz aquelas lembranças boas: o cheiro da comidinha da vó que não está mais entre nós; os natais e festas em famílias; os amigos que viraram pássaros e decidiram migrar para longe; as saudade do tempo em que éramos felizes e não sabíamos, ou pelo menos, quando achávamos que as coisas eram assim.

Por vezes gostaríamos que a saudade tivesse poder de máquina do tempo e nos levasse até aquele momento, ou àquele alguém que ficou para trás, mesmo que fosse para uma última vez.

Mas, se for mal acordada, ela pode ser um turbilhão capaz de nos deixar desatinados. Porque nem sempre a saudade nos remete a momentos felizes, ainda que gostássemos que essa fosse a regra. Algumas lembranças causam dor, pois armazenamos com elas todos os traumas, medos e decepções sofridos, embora saibamos que não devíamos deixá-los ir tão fundo, dentro de nós.

É uma pena dizer que nem todos sabem ser saudosos. Tem gente que se despedaça demais diante de uma lembrança. E acaba ficando difícil colar os cacos porque a pessoa vive se quebrando, cada vez que a saudade desperta dentro dela.

Essa saudade doída precisa ser curada e o tempo é um dos aliados nesse processo. Conforme avança ele tem o poder de recolorir as memórias. E torna-se desnecessário fugir a cada lembrança: aprendemos a conviver pacificamente com elas.

Em casos mais extremos, existe a possiblidade de assumir que passado é passado e que se ele causa dor, pode permanecer em sono profundo, sem necessidade de despertar.

Mas, se as lembranças são queridas, dos tempos idos de escola, daquele primeiro amor com ares de inocência, das escaladas em árvores e brincadeiras de roda, ou outras memórias que sejam gostosas de guardar, deixe que despertem de vez em quando. Elas sempre trazem um pouquinho de felicidade quando acordam.

Rubem Alves ensinou que “a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”. Que ela nos leve para nossas melhores lembranças e depois, que adormeça para desfrutarmos melhor o tempo presente.

Já sabemos que a saudade tem sono leve e logo, logo despertará novamente.



Postado em Conti Outra 







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Agentes da paz ( Israel e Palestina )





Anabela Pucynski


Moro em Israel há 34 anos. Longos quando penso nas inúmeras vezes em que fui perguntada porque abandonei o Brasil, e o que motivou minha vida para cá. Tenho respostas que foram mudando, ao correr dos anos. No cerne da questão, a única certeza é de queria uma mudança em minha vida.

Fui atraída por Israel, porque gostaria de rever o pais que houvera conhecido, somente por dois meses. Apesar de ter uma formação judia, não tenho apego a nenhuma religião, sou fundamentalmente contra a luta por ocupação de terras, e nem justifico o sacrifício de inocentes.

Costumo dizer que sou uma pessoa privilegiada. Gosto do pluralismo, das diferenças que, a meu ver, se completam. De que meu primeiro grande amigo, em Israel, tenha sido um palestino. De que tenha tido como companheiras de classe duas árabes cristãs, com as quais dividi experiencias e incertezas profissionais. De que eu, inicie, em pouco tempo, um trabalho com uma ONG que agrega jovens israelenses e palestinos. De que meu mais novo aluno seja árabe e compartilhe comigo sentimentos de rejeição por parte de seus colegas.

Meu privilégio vem do fato de que colho os frutos certos pelo caminho. Em que sei que um diálogo franco ,e sem rótulos, me ajuda a colocar uma pequena pedra na construção de um mundo que não divida, mas que seja apenas parte de uma casa que abrigue a todos. O lugar do ódio é para aqueles que se outorgam desafiar a grandeza da vida, no seu presente.

A mim cabe celebrar o fortuna das diferenças, no belo em que consiste o aprender de não se estar só. A paz só virá dos que se concentrem em ações positivas, sejam na crítica ou no pragmatismo a seus feitos. Um brinde aos muitos que permeiam a mesma vontade e decisão. Aos agentes da paz, sem nome, que construirão o futuro.

De Israel, Shabbat Shalom. Sejamos corajosos em nossa escolha para o bom, não importando as vozes retaliadoras que se interponham pelo caminho.


Anabela Pucynski   ANABELA PUCYNSKI

Blogueira e escreve sobre cultura, temas sociais e política brasileira e israelense




Postado em Brasil247 em 02/02/2018