Fabíola Simões
Ela acostumou-se a sonhar. Acostumou-se a buscar uma versão mais livre e mais coerente de si mesma nos sonhos. Descobriu que pode dar trégua para suas próprias batalhas, culpas e aflições quando adormece e mergulha em seus devaneios.
Não foi sempre assim. Seus sonhos já foram extensão de suas condenações, medos e inadequações. Mas hoje são um refúgio seguro, acolhida doce após um dia cansativo, descanso para a rigidez do espírito e gravidade da alma.
Todas as manhãs ela põe sua roupa de viver. Assume compromissos, resolve pendências, cumpre metas, encara desafios. Não se mete em confusões, não dá bandeira para o ex, é sensata nas postagens no Face e Instagram. Responde às mensagens do whatsapp com emojis escolhidos a dedo, manda áudios interessantes e tem sempre uma novidade na ponta da língua. Mas à noite… ah, à noite… ela se despe. Toma uma taça de vinho e remove cada uma de suas máscaras de viver. Não se cobra tanto, se permite sentir saudade, reconhece aquilo que lhe faz falta e o que lhe aquece a alma. Dá uma trégua para sua mania de perfeição, para sua incapacidade de dizer “não”, para seu desejo de ser aceita a qualquer custo. À noite ela descobre que pode ser amada pelo que é de fato, e não pelas máscaras que carrega.
Aos poucos ela tem aprendido a não deixar os sonhos na cama. Tem aprendido a conciliar rigidez com leveza, razão com emoção, proteção com vulnerabilidade e eficácia com perdão. Tem contrariado seus medos, dado uma rasteira em suas inseguranças, se despedido de sua mania de agradar a todos se desagradando. Sua roupa de viver já não pesa tanto, seu maior compromisso é consigo mesma.
Ela continua sendo mais livre nos sonhos, mas sabe que aos poucos irá assumir mais doçura que culpa e mais encantamento que amargura. Tem dado risada de seus tombos e não se culpa quando a mensagem do whatsapp é visualizada e não respondida. Já não espera reciprocidade de todo mundo, e nem por isso se entristece. Tem mandado algumas pessoas “praquele lugar” e deletado alguns papéis que não quer mais representar.
Ela sabe de seu valor, de suas lutas e vitórias, e isso lhe assegura que não precisa provar nada pra ninguém. Quem tiver a chance de conhece-la de verdade irá saber que ela tem suas dificuldades, estranhamentos e manias, mas que, acima de tudo, ela não desiste de ser feliz …
* O título deste artigo alude a uma citação de Clarice Lispector.
Postado em Conti Outra