Mais do que nunca, precisamos hoje de muita gentileza. No mundo contemporâneo, entre personagens públicos que vociferam e insultam uns aos outros nos parlamentos e diante das câmeras de televisão, diante do tsunami de opiniões estúpidas, burras e agressivas que avassalam as mídias sociais, em face dos alunos que ofendem seus pais e professores hoje praticamente indefesos e reféns da generalizada má educação, pode-se pensar que a gentileza esteja fora de moda. A pessoa bem educada e cortês parece tediosa, frágil e destituída de carisma.
Na escola, as crianças não se deixam seduzir pelos companheiros mais fortes e mais agressivos. Testes psicológicos revelam que os meninos e meninas mais gentis são sempre os mais populares.
Por que isso está acontecendo? Porque, nas últimas décadas, e cada vez mais, em nosso mundo dominam e preponderam valores como dinheiro, poder, sucesso, honra, valentia, glória e aparências. Valores que os homens e mulheres sábios não hesitariam em definir como pertencentes a uma mentalidade “masculina” deteriorada e arrogante, que infelizmente conseguiu sobrepujar e sufocar outros valores, aqueles pertencentes à visão mais “feminina” do mundo e da civilização, tais como a solidariedade, a fraternidade, a capacidade de acolher o outro, a gentileza, o respeito à diferença.
Nesse mundo, aparentemente, parece não ter mais muita importância a gentileza, entendida como cordialidade e generosidade, e também como boas maneiras. Ao contrário, quem alcança sucesso, dinheiro e poder os usa como pesadas ferramentas para subjugar os mais frágeis e mais anônimos.
Tais “bem sucedidos” (segundo as regras atuais) não aceitam as regras da gentileza: tanto a gentileza formal (que nos aconselha a não exibir e ostentar riqueza e poder) quanto a gentileza emocional (não humilhar quem possui menos). Já prestaram atenção aos encontros e debates hoje tão em voga nas televisões? As pessoas se comportam de modo a calar quem fala baixo e se exprime de modo articulado. Tais debatedores agressivos e da fala gritada costumam cortar continuamente a fala daqueles que são mais ponderados e bem educados. Os primeiros são a imagem viva e triunfante da cafonice que hoje impera e faz escola.
No entanto, a gentileza pode inclusive nos tornar mais fortes. Pode nos ajudar a obter melhores resultados, sobretudo quando trabalhamos em equipe. E é indispensável para a vida comunitária. Porque, antes de tudo, o ato cortês faz bem a quem o faz, a quem o recebe e à inteira sociedade.
As duas oitavas da gentileza
A gentileza possui duas oitavas: A primeira é a boa educação formal e o respeito às regras sociais. Significa ter e cultivar boas maneiras, seguir a etiqueta; a segunda oitava, superior e mais importante, significa ser uma pessoa boa. Ou seja, acolhedora, respeitosa, generosa, altruísta.
Aqui estão quatro bons motivos que mostram como e por que vale a pena ser gentil.
1. Faz bem à saúde. Está provado: Sermos corteses e bem dispostos em relação aos outros faz bem ao coração. As probabilidades de AVCs e de infartos aumentam naquelas pessoas que possuem um temperamento agressivo. Isso foi comprovado por um estudo ítalo-americano desenvolvido por pesquisadores do National Institute on Aging de Baltimore. Esse estudo levou em consideração uma amostragem de 5.614 sardos (moradores da Sardenha) com idade compreendida entre 14 e 94 anos, verificando-se que os indivíduos dotados de um temperamento mais competitivo e agressivo tendem a desenvolver mais facilmente um espessamento das carótidas e, portanto, o risco de parada cardíaca. Esse aumento é de 40% (independentemente de outros fatores de risco cardiovascular mais tradicionais, como o cigarro, a hipertensão e o colesterol alto).
A gentileza é um atributo contagioso. Ela desmonta a agressividade do outro, melhora o desempenho no trabalho e as relações sociais, aumentando a empatia.
2. É a melhor arma nas discussões. A gentileza ajuda a resolver melhor as brigas e discussões, até mesmo aquelas que podem degenerar em violência. Isso porquê a gentileza tem um efeito calmante e dissipador das tensões, enquanto a agressividade, ao contrário, chama mais agressividade. Pensem nas clássicas brigas entre automobilistas. O outro nos insulta, talvez até levantando agressivamente o braço. Que fazer? Em situações estressantes desse tipo, quando todos damos o pior que existe em nós, seria necessário fazer um esforço para pedir desculpas, e fazê-lo com um sorriso. É quase certo que o outro, mesmo entrando em um estado de ira, irá mudar completamente a sua orientação: o seu cérebro será obrigado a elaborar um estímulo completamente diverso. Funciona? Experimente e você verá. Apesar de ser um tanto difícil e cansativo quando estamos diante de situações injustas, isso vale a pena.
3. Ajuda preciosa no trabalho. Aplicar a gentileza é uma estratégia vencedora inclusive no ambiente de trabalho. Michael Tews, da Pensilvânia State University, demonstrou que os selecionadores de pessoal para trabalhar em restaurantes escolhem primeiro os candidatos com altos níveis de cordialidade, preferindo-os inclusive a outros mais inteligentes.
Não apenas. A gentileza dá ótimos resultados no trabalho de grupo. Isso foi demonstrado pelo psicólogo comportamental Jonathan Bohlmann da North Carolina State University. Sua pesquisa demonstrou que quando os membros de uma equipe se sentem bem tratados pelo seu líder – com equidade, gentileza e consideração – os resultados obtidos são muito melhores.
“Os efeitos?” explica Bohlmann. “Primeiro, cada um dos membros do grupo executam melhor as suas tarefas. Segundo, o desempenho do grupo como um todo melhora sensivelmente. Terceiro, a percepção de ser tratado bem, de modo respeitoso, aumenta o interesse e o envolvimento e leva a um empenho contínuo no futuro. Um chefe autoritário, percebido como injusto e agressivo pelos subalternos, cria na equipe efeitos contrários a tudo isso”.
4. Previne o bullying na escola. Aprender os princípios básicos da gentileza faz muito bem às crianças (as crianças mais gentis também são sempre as mais populares) e à comunidade escolar como um todo (sobretudo na prevenção ao bullying). Isso foi demonstrado por um estudo desenvolvido na University of British Columbia com uma amostragem de 400 crianças entre os 9 e os 11 anos de idade de uma escola primária de Vancouver, no Canadá.
A educadora Eva Oberle explica: “Designamos duas tarefas diferentes a dois grupos de crianças durante 4 semanas: um grupo devia cumprir três pequenos atos de gentileza a escolha deles em um dia, gestos tais como dividir a merenda com um colega ou ajudar a mãe na cozinha; um outro grupo devia simplesmente visitar algum lugar agradável, como a casa dos avós ou o parque. Dos testes finais resultou que o grau de felicidade e satisfação tinha aumentado em ambos os grupos, mas as crianças que tinham cumprido atos de gentileza tinham se tornado mais populares: tinham ganhado em média mais 1,5 amigos”.
“Através dos atos de gentileza, as crianças aprendem a perceber e a compreender as emoções e a perspectiva dos outros: estas são competências sociais preciosas” explica Oberle. “Aumentando os níveis de gentileza na escola se aumentam a confiança e a colaboração. E esses são fatores que combatem o bullying”.
Neurônio-espelho
Um neurônio-espelho (também conhecido como célula-espelho) é um neurônio que dispara tanto quando um animal realiza um determinado ato, como quando observa outro animal (normalmente da mesma espécie) a fazer o mesmo ato. Recentemente descoberto, esse mecanismo neuronal parece particularmente importante quando o assunto são as ações gentis.
Antes de tudo, a gentileza ativa uma espécie de efeito dominó: as comunidades humanas são reguladas pelo mecanismo da reciprocidade, que é ativado quando estimulado por favores e cortesias. Recentemente, a neurociência colocou em evidência os mecanismos que estão na base desses processos. Entram em jogo os neurônios-espelho, fundamentais para a empatia e a contagiosidade da gentileza.
Graças aos neurônios-espelho os seres humanos são predispostos a imitar a ação e a captar as emoções dos outros. Portanto, se tenho diante de mim uma pessoa que sorri, meus neurônios-espelho me levarão a imitar esse tipo de comportamento e me sentirei bem ao fazê-lo. Mas a contagiosidade depende também do aprendizado: se me ensinaram a ser bem educado, eu ativarei em mim um comportamento bem educado com uma frequência muito mais alta.
Postado em Oásis em 16/11/2017