Coisas bem gaúchas : Juremir e Brique da Redenção ! Parabéns Juremir !



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Brique do Parque da Redenção em Porto ALegre


Aniversário no Brique da Redenção


Juremir Machado da Silva




Neste domingo, 29 de janeiro, aquariano que sou, chego aos 55 anos de idade. Quando fiz 50, quis um pedacinho de uma escola de samba na minha festa. De lá para cá muita água rolou. No meu último aniversário veio aquele temporal que sacrificou a cidade. Não foi encomenda minha. Entre os 50 e os 55 publiquei A sociedade midíocre, Jango, a vida e a morte no exílio, 1964, golpe midiático-civil-militar, Correio do Povo, a primeira semana de um jornal centenário e Corruptos de estimação. Marquei muitos gols e me choquei com o país.

Por que escrevi tanto? Por medo do tempo. Tento represá-lo entre as capas dos livros. Ele escapa por entre as linhas e escorre nas minhas mãos até encharcar o teclado, que cubro com um plástico. O Brasil deu saltos quânticos nestes cinco anos. Para trás? Para frente? Depende do ponto de vista e do que o tempo dirá. Vi retrocessos, acompanhei o estouro de abcessos e não paro mais de esperar o desfecho dos tantos processos. Como rotular este período turbulento? Era Lava Jato? Reinado de Sérgio Moro? Fim das ilusões? Ocaso de um ciclo?

Nestes cinco anos Dilma perdeu o posto. Eduardo Cunha, o cargo, o mandato e a liberdade. A Seleção Brasileira perdeu a pose e tomou 7 da Alemanha numa Copa inesquecível. O Internacional descobriu o quase impossível caminho da segunda divisão. O Grêmio redescobriu o gostinho de um título nacional. Donald Trump passou de figura pitoresca a presidente dos Estados Unidos. O terrorismo alastrou-se pelo mundo. As prisões brasileiras expulsaram o Estado. Paulo Coelho foi parar na Companhia das Letras. Não me estenderei. Cada um que complete a lista a seu bel-prazer. Haja espaço e tempo.

O que vou aprontar desta vez? Aniversário na rua. Estarei, a partir das 10 horas da manhã, no Brique da Redenção, no estande de livros do Zé, que fica quase na João Pessoa. O que vou fazer lá? Três coisas não necessariamente nesta ordem: abraçar os amigos que quiserem me ver; servir bolo de aniversário a quem aparecer; autografar exemplares de Corruptos de estimação (R$ 20 cada) a quem meter a mão no bolso e adquirir um ou mais exemplares. Se alguém quiser levar espumante, está liberado. A rua é do povo. Nós somos o povo. À rua, cidadãos, que eu os espero para comemorar no parque.

Já encomendamos o bolo e os livros. Não façam desfeita. Nesta idade não é fácil carregar tudo de volta para casa. Ainda mais que os amigos, todos da minha faixa etária, andam com problemas de coluna e preocupados com a reforma da Previdência. Quem for certamente terá oportunidade de calcular quanto tempo faltará para a sua aposentadoria se a reforma de Michel Temer for aprovada. Houve uma época em que só falávamos de ambições, sexo e viagens. Agora, ainda que esses assuntos entrem na pauta, as prioridades são saúde, aposentadoria e família.

A equipe responsável pela logística do meu aniversário na rua travou uma interminável discussão sobre um ponto crucial: todo mundo que comparecer ganha bolo? Ou só os que comprarem o livro? O grupo rachou. Uma parte considerou mesquinho privar alguém de bolo. Outra parte ponderou que o livro deve funcionar como um passaporte para o bolo. A primeira parte chamou este argumento de mercantilista. A parte ofendida reagiu dizendo que a compra do livro dispensa cada um de levar presente. A primeira parte viu nisso uma confirmação do oportunismo comercial da operação. Como elemento neutro usei meu poder de Estadista na mediação do conflito.

Uma parte argumentou assim: como administrar demandas que podem ser infinitas com recursos finitos? Foi chamada de neoliberal. A outra parte defendeu que o bem-estar social exige um estado generoso cabendo ao anfitrião cobrir os gastos. Fechou o tempo. O caráter festivo do evento ajudou a restabelecer o clima amistoso. Ficou assim: enquanto houver bolo, ninguém levará bolo. O risco evidentemente é o aniversariante tomar bolo. Previdente, convoquei seis amigos para formar uma claque. Eles queriam ir à praia. Vou indenizá-los pela perda. Enfim, nosso objetivo está muito claro: fazer bolo.


Postado em Juremir Machado da Silva / Correio do Povo em 28/01/2017




Imagem relacionada    Juremir Machado da Silva, nascido em 29 de janeiro de 1962, em Santana do Livramento, graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado. Como jornalista, foi correspondente internacional de Zero Hora em Paris, trabalhou na IstoÉ e colaborou com a Folha de S. Paulo. Atua como colunista do Correio do Povo desde o ano 2000.

Tem 27 livros individuais publicados, entre os quais Getúlio, 1930, águas da revolução, Solo, Vozes da Legalidade e História regional da infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras. 

Coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS. Apresenta diariamente, ao lado de Taline Oppitz, o programa Esfera Pública, das 13 às 14 horas, na Rádio Guaíba.



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Lula fez Sírio Libanês atender o SUS



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sus





D. Marisa não está no SUS, mas Lula fez Sírio Libanês atender o SUS


Eduardo Guimarães


Na semana que finda, os que ainda conservam a humanidade em um país que está se tornando desumano sofreram um duro golpe. A esposa do ex-presidente Lula sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico, o tipo mais grave. A partir dali, seguiu-se uma tempestade de selvageria, desumanidade, ódio e maldade que agride as pessoas decentes.

De alguns anos para cá, o ex-presidente Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff tiveram cânceres e, agora, a esposa do ex-presidente, dona Marisa Letícia, foi vitimada pelo AVC. Nem Lula nem Dilma fundaram o SUS nem tampouco são responsáveis pelos problemas de atendimento que possa haver na rede pública de saúde brasileira, mas ao adoecerem com tanta gravidade receberam ataques que nenhum outro presidente recebeu ao adoecer e ter que se tratar em hospitais.

Por exemplo: ano passado, em julho, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso descobriu que tinha um problema cardíaco e teria que usar um marca-passo. Foi internado no Hospital do Coração, em São Paulo, para realizar o procedimento. Nenhum dos subumanos que atacaram Lula, Dilma e dona Marisa exigiram que ele se tratasse no SUS. Por quê?

Se o fato de ser presidente de um país em que o sistema público de saúde tem falhas obriga esse presidente, durante ou após o mandato, a usar esse sistema em caso de doença, isso não deveria valer para todos os presidentes e ex-presidentes? Por que só ex-presidentes petistas são cobrados dessa forma?

As ponderações acima são apenas exercício de retórica porque todos sabem que o intuito de pessoas como as duas mulheres na foto acima e da horda de monstros que infecta a internet não decorre de questões de interesse público, mas de perversidade, de gana de fazer sofrer quem pensa diferente.

O SUS melhorou muito durante os governos do PT. Foi criado o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em 2003, as UPA’s (Unidades de Pronto Atendimento 24 horas), o programa Mais Médicos, que garantiu a vinda de 14.462 médicos estrangeiros para cobrir o déficit de profissionais em localidades mais isoladas e pobres nas quais a população nunca tinha tido médico. Mas essa não é a questão.

Nenhum presidente da República é responsável sozinho pelo SUS. Os governos estaduais e municipais também têm responsabilidade. E todos sabem que nenhum governador ou prefeito que não seja do PT é cobrado pela saúde pública por gente como essa que agrediu dona Marisa no momento mais terrível de sua vida.

Essa gente diz ter religião, em geral uma religião que prega amor ao próximo, perdão, generosidade… Eis por que religião não diz nada, não serve para aquilo que deveria, ou seja, tornar as pessoas melhores. Há muito ateu que segue muito mais os preceitos do cristianismo que esses ratos de igreja que cometem atos desalmados como as duas mulheres da foto no alto da página.

Mas o que é mais irônico nem é isso. Dona Marisa está sendo agredida por estar em um hospital dito “VIP” como ocorre com qualquer pessoa da família de um político importante, mas foi graças ao marido dela que não apenas o SUS melhorou muito como muitas pessoas humildes, que se tratam no SUS, tiveram acesso a esse tipo de hospital “classe A”.

Sim, é isso mesmo. Lula foi o primeiro presidente a fazer com que os hospitais “chiques” atendessem o SUS.

O Ambulatório de Filantropia do Hospital Sírio-Libanês (HSL) completou em outubro do ano passado dez anos de atendimento a pacientes com câncer de mama referenciadas pelo Sistema Único de Saúde.

A partir de 2005, o Núcleo de Mastologia do Sírio Libanês realizou 2.371 cirurgias plásticas e, em pelo menos mil destes casos, também foram feitas reconstruções e simetrização das mamas, durante o mesmo procedimento cirúrgico da mastectomia.

Mas não é só. A obra de Lula para dar oportunidade a pacientes do SUS para tratamento em hospitais “de bacana” foi muito mais longe.

Seis hospitais filantrópicos da rede particular formalizaram em 2008 uma rede de apoio aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A partir de 2009, hospitais como Albert Einstein, Sírio Libanês, Oswaldo Cruz e Samaritano, que estão entre os mais caros de São Paulo, começaram a garantir o atendimento da população carente em suas unidades em troca de isenção de tributos federais.

Em 2009, Lula assinou a Medida Provisória 446, que regulamentou o apoio de hospitais classificados como filantrópicos aos hospitais do Sistema Único de Saúde. Seis instituições firmaram o acordo e apresentaram por escrito suas propostas de melhorias para a rede SUS

Sírio-Libanês, Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Hospital do Coração (HCor), Samaritano e Moinhos de Vento deixaram de recolher quase R$ 1 bilhão de encargos trabalhistas. Em troca, realizaram cerca mais de uma centena de projetos de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS). Alguns deles, afirmam especialistas, supriram carências importantes da rede pública.

Nunca antes na história deste país um presidente da República melhorou tanto o SUS quanto o presidente Lula, com medidas como a supra descrita e outras tão importantes quanto, como o Programa Mais Médicos, que permitiu que milhões de brasileiros se consultassem com um médico pela primeira vez na vida. E justamente esse presidente é atacado dessa forma.



Postado em Blog da Cidadania em 28/01/2017






Pochete está na moda !



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Viver pode ser simples ou não


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Do que precisamos pra viver?


Ana Carolina Garcia

Eu sempre tive medo do fracasso. Sempre, desde que me entendo por gente. Não faço ideia de onde isso começou, mas sempre tive pavor de me tornar uma pessoa medíocre.

Era mais importante pra mim ser bem sucedida do que feliz ou talvez eu achasse que essas coisas andavam juntas há algum tempo atrás.

Tinha metas de cursos, pós, especialização, mestrado, tudo bem esquematizado com uma cronologia na minha cabeça. Mas a vida tinha outros planos pra mim e me levou para outros lugares.

Tudo o que eu dava extrema importância, hoje não faz sentido nenhum pra mim. Eu fui uma adolescente muito ambiciosa, materialista, via valor em coisas que não tem significado nenhum, vazias em si mesmas.

O que é fracasso, afinal? O que é ter sucesso? O que faz de alguém ser considerado bem sucedido? Que tipo de mundo é esse que estamos vivendo, onde valorizamos, endeusamos o dinheiro, acumulamos ele e tudo o que pode comprar?

Estamos vivendo tempos difíceis, onde os valores estão completamente de cabeça pra baixo, a verdade é que estamos à deriva e ainda não nos demos conta disso.

Buscamos coisas que não precisamos e abrimos mão diariamente de coisas que não tem preço. Não conseguimos ver beleza no simples, mas estamos atrás de algo mais, sempre mais. Sabe, nem sempre mais é melhor, nem sempre grana pode ser a nossa alforria, e nem sempre a nossa eterna busca na nossa rodinha de hamster vai nos levar à algum lugar, às vezes estamos andando apenas em círculos por muito tempo sem nos darmos conta disso.

Hoje, eu ando na contramão de tudo isso, busco a antítese do meu eu adolescente. Quero pra mim, as coisas mais simples, por isso, talvez, as mais caras e difíceis de conseguir. Elas não tem preço, etiquetas, prazo de validade.

Continuo me permitindo desejar, mirar algo, colocar metas no meu futuro próximo que gostaria de alcançar. Mas agora, eu tento manter meus dois pés no chão, meu olhar pra dentro, sintonizado com o que realmente preciso e acredito de verdade, para que eu não seja levada, para que eu não ceda as expectativas externas, o pitaco dos outros e o olhar cheio de julgamento.

Tem sido um exercício e tem dias que eu erro mais do que acerto e deixo o outro contaminar a minha vida com a sua visão sobre as coisas. Quer saber, tenho descoberto o que é óbvio pra muita gente talvez, mas eu não preciso convencer as pessoas que a minha vida tem valor, que eu sou uma pessoa bacana e não, eu realmente não preciso agradar a ninguém.

O que eu não posso e não vou abrir mão mais é de viver a minha vida da forma que eu escolhi, que eu creio que esteja certa. Posso sim errar, me perder, me ver em um beco sem saída ou mudar a rota, mas eu sei que vou sempre me achar, se me mantiver em contato com a minha essência e com aquilo que eu acredito.



Postado em Conti Outra 



Leandro Karnal : Graças à internet, "facilitamos muito para quem odeia"



Usuário na internet


Graças à internet, 'facilitamos muito para quem odeia', diz Leandro Karnal


Néli Pereira  Da BBC Brasil  em São Paulo  27/01/2017



Historiador e um dos palestrantes mais requisitados do país atualmente, Leandro Karnal diz que o discurso de ódio sempre existiu nas sociedades mas chama a atenção para a facilidade com que ele se propaga, hoje, graças à internet.

"Hoje é um clique e um site, com muitas imagens. Facilitamos muito para quem odeia. O ódio tem imenso poder retórico. Ele sempre existiu. Agora, existe este ódio prêt-à-porter, pronto, onde você se serve à la carte e pega seu prato preferido", disse ele à BBC Brasil.

Mas apesar da maior facilidade, hoje, de propagação do discurso de intolerância, o professor de história da Universidade Estadual de Campinas diz que "os mais sólidos preconceitos e violências humanos são muito anteriores à globalização".

Leia abaixo trechos da entrevista:

BBC Brasil - Uma das suas frases que mais viralizou e foi repetida em 2016 diz que "não existe país com governo corrupto e população honesta". O sr. acha que a população não se enxerga como responsável também pelo processo de corrupção?

Leandro Karnal - Característica nossa e da humanidade: excluir da parte negativa da equação o pronome pessoal reto EU. Em nenhum momento quis dizer que todos nós, brasileiros, somos corruptos, mas que a corrupção é algo forte na política e que a política é uma das camadas constituidoras do todo social, como um mil-folhas.

A política não é descolada da sociedade, mas nasce e volta ao mundo que a gerou. Os políticos são eleitos por nós. Denúncias são feitas e o político é reeleito. Seria coisa de grotões?


Karnal afirma que o 'ódio é o mais poderoso opiáceo já criado'


De forma alguma, eu me refiro também aos grandes centros urbanos. A expressão rouba mas faz não nasceu no sertão mas na maior e mais rica cidade do país. Meu alunos costumavam assinar lista de presença por colegas e, depois, ir a uma passeata contra corrupção na política.

A mudança não pode ser somente numa etapa do processo. Se você usa - a metáfora é importante - um lava-jato para limpar seu carro e a estrada continua sendo de terra batida, você precisará de uma nova lavagem todos os dias.

BBC Brasil - Mas de certa forma, responsabilizar a população pela corrupção da classe política pode parecer culpar a sociedade pelos erros cometidos pela elite governista, não?

Karnal - O que eu desejo sempre afirmar é que não existe uma elite separada do todo. Um político ladrão deve ser preso e devolver o que roubou. A culpa é dele e só dele. Mas, se queremos um novo país, devemos discutir na base, na educação, na família, na fila do aeroporto e em todos os campos para uma sociedade mais ética.

BBC Brasil - Nesse sentido, é a desigualdade mesmo nosso maior problema?

Karnal - A desigualdade é a base do problema e colabora para a má formação escolar. Uma sociedade que seja desigual já é um problema, mas uma que não educa nega a chance de corrigir a desigualdade. Como sempre, educação escolar básica é a chave da transformação.

Mudar isto muda tudo, como vimos no Japão e na Coreia do Sul após a guerra. Educação é músculo e osso, limpeza ética do Senado é maquiagem, mesmo quando necessária, como toda maquiagem, passageira.

BBC Brasil - Tivemos nesse fim de ano o episódio do ambulante morto a pancadas após defender uma transexual, também tivemos uma chacina em Campinas na qual o autor deixou uma carta criticando o feminismo. O que explica essa intolerância - racial, de gênero, de classe -, e de que forma ela pode ser combatida?

Karnal - Sempre existiu este ódio que flui por todos os lados. Não é fácil existir e acumular fracassos, dores, solidão, questões sexuais, desafetos e uma sensação de que a vida é injusta conosco. O mais fácil é a transposição para terceiros.

Um homem fracassa no seu projeto amoroso. O que é mais fácil? Culpar o feminismo ou a si? A resposta é fácil. Tenho certeza absoluta de que o autor do crime não era um leitor de Simone de Beauvoir ou Betty Friedan. Era um leitor de jargões, de frases feitas, de pensamento plástico e curto que se adaptava a sua dor.

Esses slogans são eficazes: "toda feminista precisa de um macho", "os gays estão dominando o mundo", "sem terra é tudo vagabundo". Curtos, cheios de bílis, carregados de dor, os slogans entram no raso córtex cerebral do que tem medo e serve como muleta eficaz.

No cérebro rarefeito a explicação surge como uma luz e dirige o ódio para fora. Se não houvesse feminismo, o assassino continuaria sendo o fracassado patético que sempre foi, mas agora ele sabe que seu fracasso nasceu das feministas e ele não tem culpa. Isto é o mais poderoso opiáceo já criado: o ódio.


O mercado não distingue consumidores pela posição política, destaca o historiador


BBC Brasil - De que forma as redes sociais acabaram potencializando essa intolerância e esse discurso de ódio. Eles são reflexo da nossa sociedade ou acabam estimulando os comportamentos mais intolerantes e polarizados?

Karnal - Antes era preciso ler livros para criar estes ódios. Mesmo para um homem médio da década de 1930, ele precisava comprar o Mein Kampf de Hitler e percorrer suas páginas mal redigidas. Ao final, seus vagos temores antissemitas eram embasados numa nova literatura com exemplos e que fazia sentido no seu universo. Mesmo assim, havia um custo: um livro.

Hoje é um clique e um site, com muitas imagens. Facilitamos muito para quem odeia. O ódio tem imenso poder retórico. Ele sempre existiu. Agora, existe este ódio prêt-à-porter, pronto, onde você se serve à la carte e pega seu prato preferido.

Exemplo? Uma pessoa me disse: "Quem descumpre a lei deveria ser fuzilado! Bandido deveria ser executado". Eu argumentei: "Pela sua lógica, descumprimento da lei merece pena capital. Como a lei brasileira proíbe a pena capital, você está defendo crime e incitação ao crime, na sua lógica, deveria ser punida com pena de morte."

Era uma maneira socrática de argumentar a contradição do enunciado. O caro leitor pode supor que a resposta do indivíduo não foi socrática nem platônica.


Karnal destaca que 'a bolha informacional e seus respectivos algoritmos constituem uma zona de conforto para o navegador do cyberespaço'


BBC Brasil - Pensando num contexto geral, a globalização deu errado? Com esse discurso de fechar fronteiras, de medidas protecionistas... Estamos vivendo um retrocesso, um avanço ou uma estagnação?

Karnal - Não havia um mundo harmônico e feliz antes, e não existe agora. O que varia em história é como produzimos a dor. Nosso método atual mudou este método. Os mais sólidos preconceitos e violências humanos são muito anteriores à globalização.

BBC Brasil - Para muitos, 2016 foi um ano marcado pelo avanço de forças conservadoras. Em 2017, haverá eleições na França e na Alemanha, com os partidos de extrema-direita em ascensão. O que vem pela frente?

Karnal - Difícil falar de futuro para um historiador, profissional do passado. A tendência é de uma onda conservadora por alguns anos em quase todos os lugares. Provavelmente, seguindo o que houve antes, depois de experimentar candidatos conservadores que prometem o paraíso e não vão conseguir, os eleitores estarão de novo inclinados a candidatos de outro perfil que oferecerão o paraíso.

As coisas mudam, mas não mudam porque o presidente usa topete ou é conservador. Presidentes democratas estavam no poder com Kennedy e Johnson e a violência racial chegou ao ponto máximo. No período Obama, muitos policiais mataram muitos negros, tendo um presidente negro no poder. Então, de novo, não estamos abandonando um paraíso e ingressando no inferno.


O dicionário Oxford escolheu "pós verdade" como a palavra de 2016


BBC Brasil - O dicionário Oxford escolheu "pós-verdade" como palavra do ano de 2016. A definição é "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais". O conceito é de que a verdade perdeu o valor, e acreditamos não nos fatos, mas no que queremos acreditar que é verdade. Qual sua avaliação sobre essa "nova era" e novo comportamento, que acaba reforçado pelas redes sociais?

Karnal - Sempre fomos estruturalmente mentirosos em todos os campos humanos. A mudança é que antes se mentia e se sabia a diferença entre mentira e verdade, hoje este campo foi esgarçado. O problema talvez seja de critério. Com a ascensão absoluta do indivíduo, o que ele considerar verdade será para ele.

Perdemos um pouco da sociologia da verdade, ou de um critério mais amplo de validação do verdadeiro. No século 18 era o Iluminismo: o método racional que tornava algo aceito como verdade. No 19, foi a ciência e o método empírico para distinguir falso de verdadeiro.

Hoje o critério é a vontade individual. "A água ferve a 100 graus centígrados ao nível do mar". Verdade? A resposta seria diferente no (século) 19 e hoje.

BBC Brasil - Queria falar um pouco sobre as bolhas informacionais. Muita gente se depara com elas nas redes sociais todos os dias - os algoritmos acabam reforçando opiniões, nos oferecendo mais daquilo que nós já acreditamos e isso favorece, de certa forma, as informações equivocadas, mentirosas. Qual sua avaliação sobre isso e sobre o impacto disso para a sociedade?

Karnal - A bolha informacional e seus respectivos algoritmos constituem uma zona de conforto para o navegador do ciberespaço. Importante dizer: para o mercado, o consumidor conservador ou de esquerda compram da mesma forma, então o algoritmo informa qual o perfil do consumidor.

Quem deseja ler a biografia de Obama ou de Trump vai ao mesmo site. O que não mudou nos últimos séculos é que a verdade comercial é superior ao debate epistemológico de validação ou não do que é verdadeiro. Petralhas e coxinhas compram; isentões também. Resta a pergunta que não quer calar: qual a importância do debate sobre posição política sob este prisma? O que de fato importa para quem de fato manda no mundo?






Fala de Chaplin sobre o hitlerismo explica atual lavagem cerebral dos militantes do ódio



O outro lado da notí­cia