Em tempos ásperos há que . . .
Tamar Matsafi
Há que ter paciência para enfrentar a cidade, sua concretude explícita e agressiva no verão de extremos e seus humanos que vão e vêm atordoados, às vezes tão impermeáveis. Há que desviar os olhos dos espigões azulados, disfarçados de céu, e das marcas de empreiteiras sem escrúpulos que descaracterizam o espaço urbano, com o aval de governos e administradores públicos que se corrompem por um punhado de reais.
Há que tomar o ônibus no ponto escaldante, mesmo que pare longe da calçada e seja difícil o acesso e o equilíbrio ao subir. Há que suportar o olhar do motorista que, apesar de piedoso, não percebe que estacionou de forma inadequada e não consegue ver a diferença. Já é muito para ele carregar os cansados passageiros do cotidiano pelas ruas tumultuadas da metrópole.
Há que esticar ao máximo as pernas curtas para acessar os balcões de bancos e outros tantos balcões. Os atendentes, distraídos no cumprimento mecânico de suas tarefas, pouco sabem de acolhimento e inclusão.
Há que encarar os sorrisos e os discursos protocolares que louvam a “superação” e nada fazem pela acessibilidade.
Há que desviar dos carros estacionados irresponsavelmente nas calçadas. O espaço público, sem fiscalização, é mais das máquinas do que das pessoas.
Há que caminhar pelas ruas com o lixo transbordando na volta. Os próprios moradores colocam nos containers, misturando tudo e mostrando total descaso com a cidade, já tão abandonada. Há que ter cuidado para cruzar nas faixas de segurança. São poucos os motoristas que consideram a faixa um sinal de alerta e respeito aos pedestres.
Há que respeitar os sinais de trânsito, criados para disciplinar o movimento urbano. Mas muitos pedestres e motoristas pouco se importam com isso.
Há que enfrentar o medo de sair de casa e a inquietude que acompanha cada passo. É um medo real e é também o medo de gente como a gente que anda por aí.
Há que não se submeter ao que é imposto e ao que humilha, como falou o cidadão Eduardo Marinho, que abriu mão do conforto do mundo burguês, foi viver na rua e descobriu a arte para se manifestar (https://voosubterraneo.wordpress.com/2013/12/06/eduardo-marinho/). Como ele, penso que é preciso simplesmente viver e não cultivar o desejo insólito de vencer na vida.
O que é mesmo vencer na vida? Há que abandonar as “expectativas mercadológicas da excelência” e uma vida “sob estresse e sob uma cobrança que nunca irá ser satisfeita porque todos nós, seres humanos, temos singularidades, com possibilidades e limitações, sendo estas mais evidentes (como é o caso de uma pessoa com deficiência) ou não”, como escreveu Carla Abreu, que tem nanismo, no seu blog (https://www.facebook.com/abreucacau?fref=ts).
Há que estimular o afeto, a dignidade, a delicadeza, o encontro, a diversidade, a tolerância.
Há que se brincar com as crianças e se cercar dos amigos e de gente do bem. Em nome de tempos menos ásperos, acessíveis e inclusivos!
Postado em Sul 21 em 16/01/2017
Isso existe
Sobre a trajetória do mestre espiritual brasileiro Sri Prem Baba (autor do livro Amar e Ser Livre) para se tornar um discípulo e depois um mestre.
Ele conta que tudo começou em uma aula de Yoga em que ele recebeu uma mensagem lhe dizendo para ir à Índia quando fizesse 33 anos.
A partir daí começa a sua história de busca espiritual e ligação com a cultura indiana. Me arrepiou o momento do filme em que ele fala “…isso existe”. Simplesmente lindo.
Há pessoas que pensam de forma pobre
Há pessoas que não são pobres pela forma como vivem, mas pela forma como pensam
Valéria Amado
Sou dessas pessoas raras que pensam que a riqueza não é alcançada com nenhum bem material. Rico é quem investe no respeito, quem pratica a bondade sem olhar a quem. Milionários são os que contam com o respeito e o carinho dos seus amigos e familiares, porque a verdadeira abundância não está no dinheiro, mas na felicidade.
Há pessoas que, definitivamente, não são pobres pela forma como vivem, mas pela forma como pensam. Todos conhecemos alguma pessoa que passa pela vida com a cabeça bem erguida, exibindo o brilho exaltado de sua posição enquanto atende o mundo com a pátina da soberba. Em seus corações não existe empatia, em suas mentes não existe humildade nem proximidade, e o mais provável é que elas também não saibam o que realmente é felicidade.
“A pobreza não vem da diminuição das riquezas, mas da multiplicação dos desejos.” - Platão -
Os pensamentos, valores e atitudes são os que formam a nossa verdadeira pele, essa que é vista do exterior e que nos identifica no tratamento diário. Quem entende de respeito destaca e consolida grandes vínculos, mas quem cultiva uma mente inflexível e rancorosa colhe desconfiança.
Há pessoas pobres muito ricas de coração e ricos muito pobres de afetos (e vice-versa). Vivemos, sem dúvida, em um mundo complexo e muitas vezes caótico onde somos obrigados a coabitar. Daí tiramos uma conclusão: valeria a pena investir mais esforços nesse mundo interior tão carente de nutrientes para conseguirmos um cenário mais respeitoso onde podemos crescer em harmonia. Propomos que você reflita sobre isso.
As vitórias alcançadas a partir do coração nos fazem ricos
Nos últimos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, houve uma cena que deu a volta ao mundo e comoveu a todos nós. Abbey D’Agostino, atleta dos Estados Unidos, e Nikki Hamblin, na Nova Zelândia, chocaram o mundo durante um momento da final de 5.000 metros. A norte-americana, como se soube depois, rompeu o menisco e o ligamento cruzado.
Após o acidente, a atleta da Nova Zelândia poderia ter simplesmente percorrido a distância que faltava para terminar a prova, mas ela não fez isso. Ela parou e decidiu ajudar a sua adversária, Abbey D’Agostino. No fim, as duas atletas percorreram os poucos metros que faltavam até o final em lágrimas, dor e muita emoção. Foi um ato altruísta cheio de esportividade, bondade e uma grandeza que emocionou a maior parte dos telespectadores.
Aquilo mereceu, sem dúvida, uma medalha de ouro. No entanto, ainda houve quem chegou a dizer que a atleta da Nova Zelândia não teria que ter parado. Que deveria ter recuperado o tempo perdido. É esmagador pensar que existem mentes que não são capazes de ter empatia com este tipo de ato. A magia do bem não é apenas um valor abstrato. É um ato instintivo que habita o nosso cérebro com uma finalidade muito concreta: garantir a sobrevivência da nossa espécie.
A cena de Nikki Hamblin ajudando a atleta Abbey D’Agostino demonstra como um ato de bondade consegue fazer com que duas pessoas cheguem à meta da vida delas. Não uma, mas ambas. Assim, além dessas estratégias evolucionistas onde apenas o mais forte sobrevive, há muito mais atos que são baseados na empatia e na colaboração em vez da depredação.
Ser pobre de mente e de coração é desperdiçar a vida
Além do que possa parecer, a pessoa pobre de mente e de coração não é tão abundante como nós pensamos. A espécie sobrevive, o mais forte pode ser, às vezes, o mais nobre, e o mal nem sempre triunfa. A maior parte de nós continua sendo reacionários diante das injustiças, diante dos egoísmos e das violações. Tudo isso nos demonstra por que atos como o dessas atletas chegam a todo o mundo com tanta força.
“O pobre carece de muitas coisas, mas o avarento carece de tudo.”
- Publílio Siro -
É como se essas cenas desintoxicassem nossos corações para nos fazer ver que a bondade, efetivamente, continua triunfando, e mais ainda: nos contagia: No entanto, é importante dizer que o pobre de mente e de coração nem sempre age com maldade. O que acontece, na verdade, é que há uma falta de receptividade e empatia. São corações incapazes de ver mais além do elegante ático do seu solitário mundo de egoísmos. É algo que temos que assumir. Não os podemos mudar, nem os convencer, muito menos brigar com eles.
Trata-se de “ser e deixar ser”. Porque quem é pobre de mente, valores e afetos desperdiça a sua vida. É como um elemento estranho que no fim, no epílogo da sua vida, descobre a própria solidão. Envolto no véu da amargura, chega à sutil conclusão de que o mundo está contra ele. De que ninguém valoriza o que ele é e o que ele fez.
Embora, de certo modo, seja exatamente isso, a bondade sempre vence a indiferença e a deixa de lado. Talvez, e de certa forma, sejamos como esses bandos fascinantes de estorninhos que avançam na vida como em uma coreografia, sincronizados, como diria Carl Jung. Sabemos que fazer o bem é necessário para a nossa espécie e, por isso, continuamos a nos emocionar diante de um ato de altruísmo, respeito e amor.
Continuamos acreditando na nobreza do ser humano.
Postado em A Mente é Maravilhosa
Não podemos nos calar
Maria Eduarda Paschoalini
Vamos gritar. Gritar muito. Não podemos nos calar. 2017 é um ano de intensa luta. Temer, com seu golpe e sua farsa incrivelmente planejada, trouxe consigo propostas que afetarão, sem dúvidas, a todas as classes do nosso belo país, que, infelizmente, está mergulhado nessa pavorosa situação.
O que me entristece é ver que muita gente não se informa e acaba caindo na manipulação de meios midiáticos. A alienação está se tornando cada vez maior e mais constante na vida de tantas pessoas. Quando alguém está alienado, este alguém está incapaz de pensar e agir por si próprio, ou seja, é uma anulação das ideias e pensamentos próprios do ser humano.
É hora de se politizar e questionar o que estamos vivendo. Temer propõe reformas que alteram os direitos de inúmeros cidadãos e todo mundo sabe que a conquista de direitos é fruto de um processo extremamente longo e árduo.
Dentre essas reformas, cito a Reforma da Previdência, que propõe a redução do crescimento dos gastos com aposentadoria. Cito também a Reforma Trabalhista que defende o aumento de carga horária diária de trabalho, parcelamento de férias, diminuição do horário de almoço. MP 746, mais conhecida como a Reforma do Ensino Médio, impõe a formação profissional precoce, privando a tantos estudantes, incluindo-me neste meio, de importantes conhecimentos.
Lei da Mordaça, a "Escola Sem Partido", tenta acabar com o pensamento crítico do ambiente escolar; é um projeto defensor de que os professores apenas instruam para formar trabalhadores, sem se importarem com a capacidade de reflexão crítica. O professor tem, SIM, o direito de opinar. Escola sem partido é ditadura militar.
Não poderia deixar de citar a PEC 55 (antiga PEC 241), que impossibilitará, nos próximos 20 anos, os investimentos governamentais, sendo eles: saúde, educação, segurança, ou seja, o que julgamos ser essencial a nós. A PEC 55 rasga a garantia do direito à educação. Em números, podemos dizer que, de 2002 a 2015, tivemos 563 bilhões de reais investidos na educação. Sem a PEC, seriam 290 bilhões. 50% a menos no orçamento. Mas que orçamento? ENEM, transporte escolar, livros didáticos, menos vagas na faculdade e por aí vai...A universidade não vai se expandir. Só quem tiver condições de pagar uma faculdade, fará uma faculdade. O direito à educação voltará a ser um direito dos ricos.
Junto com a PEC, vem a ideia de privatização de tudo que é público. Sendo assim, o nosso direito se tornará uma mercadoria. Dando um exemplo mais simples e didático, que pode ser construído dentro de nossa própria casa: quando precisamos diminuir nossos gastos, nós cortamos o que não nos é essencial. A PEC 55 está fazendo o contrário. Mudanças são sim necessárias, mas sem imposições.
Uma mudança que afetará o futuro de milhares de pessoas não pode ser concretizada sem um debate amplo, legítimo e esclarecido com os diferentes setores da sociedade, principalmente professores, pais e alunos das escolas, que serão amplamente afetadas.
O nosso direito só é conquistado e respeitado quando vivemos em um estado democrático de direito. Mas como vivemos em um, sendo que a nossa presidenta foi retirada sem cometer nenhum crime de responsabilidade que esteja comprovado?
Rompemos a democracia. Mas isso não ficará assim. Continuemos gritando. No nosso próprio hino nacional, vemos que um filho do Brasil não foge à luta. E nós estamos aqui para provar isso.
Nós quem? Eu, Duda. Cabe a nós escolhermos gestores que administram corretamente. Este é um momento de luz em meio às trevas. Vamos gritar. Nós temos que aprender a defender e lutar pelo que a gente conquistou. E que o nosso grito, ecoe.
Mineira de Ubá-MG. 15 anos, estudante secundarista. Militante e futura estudante de Letras, pretende ser professora e se envolver com decisões importantes do seu país.
Postado em Brasil 247 em 18/01/2017
Cinema é tudo de bom ! Eu, Daniel Blake
Em breve, seremos todos Daniel Blake
Washington Luiz de Araújo
"Eu, Daniel Blake" pode vir a representar a nossa triste realidade. Esse filme inglês tem levado muita gente à reflexão no Brasil. Criação do cineasta Ken Loach, o filme disseca os reflexos da política de estado mínimo da primeira ministra Margareth Thatcher nos idos de 1979 a 1990, quando os direitos sociais foram aniquilados e fez com que os ingleses pobres sintam na pele até hoje a consequência dos desmontes.
Daniel Blake é um marceneiro que deixa de trabalhar em razão de um problema de saúde, coração debilitado. Com isso, passa por uma verdadeira via-crúcis na busca de auxílio-saúde.O filme fala da realidade na Inglaterra, mas, a continuar e a se ampliar o desmonte social do governo golpista brasileiro, em pouco tempo acontecerá desastre semelhante, ou pior, de forma generalizada em nosso país.
Para aqueles que fecham os olhos para o descalabro do estado mínimo, com o enxugamento dos recursos que deveriam ser destinados ao povo pobre, mas vão para a classe dominante, o filme "Eu, Daniel Blake" é um grande espelho. Basta que integrantes da classe média, que olham para cima de modo a não ver os que sofrem embaixo, abram os olhos e percebam que o amanhã pode ser amargo, ou pior, para a grande a maioria.
Aqueles que vivem de olhos abertos são ou serão em breve Daniel Blake, pois já sofrem com o desemprego, o desmonte do Sistema Único de Saúde e da educação pública e gratuita e já se arrepiam com a proposta de reforma da Previdência Social.
Sim, antigo batedor de panelas, saiba que na Inglaterra passa-se fome.
Sim, "amarelinho" da Paulista, há moradores de rua nas grandes cidades do Reino Unido.
E sabe qual o motivo? A ultraconservadora Margareth Thatcher não só deu as costas para o social como cortou todas as vias que levavam a uma vida digna, e o trabalhista Tony Blair nada fez para melhorar a vida dos cidadãos da terra da rainha.
Aqui, nos seus oito anos de governo, Fernando Henrique Cardoso imitou os passos de Thatcher, mas as gestões de Lula e Dilma revolucionaram, tirando o Brasil do mapa da fome, proporcionando meios para que a vida do pobre melhorasse, com um salário mínimo sem aviltação, para que seus filhos pudessem almejar universidade pública e atendimento médico, inclusive em suas próprias casas.
"Eu, Daniel Blake" é um filme que já vimos, deixamos de ver durante 13 anos e agora já começa a ser reprisado nas ruas, na periferia, nos hospitais, nas repartições públicas. Infelizmente, em breve, muito breve, poderemos dizer: somos todos Daniel Blake.
Postado em Brasil 247 em 17/01/2017
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