O preço que Leonardo Vieira pagou por ser gay. Por Jean Wyllys






A primeira vez em que vi Leonardo Vieira foi num concurso para atores do Domingão do Faustão (sim, sempre gostei de ver TV aberta, mesmo quando eu tinha de ir à casa de vizinhos para assistir às novelas e programas). Eu vivia na Bahia, não me lembro agora se ainda em Alagoinhas ou se já estava no colégio interno da Fundação José Carvalho. Encantou-me sua performance (e sua beleza!) naquele teste e eu torci por ele.

Anos mais tarde, ele protagonizou uma das novelas de Benedito Ruy Barbosa que mais me marcaram na vida: “Renascer”, que se passava na Bahia e que tinha no elenco, entre outros, duas atrizes pelas quais sou apaixonado e cujos talentos admiro muito (Patrícia França e Adriana Esteves). Leonardo se transformou numa febre e até repetiu a parceria com Patrícia França numa novela das seis que se passava em Curitiba.

A partir daí, devido aos meus estudos e trabalhos, não consegui mais acompanhar bem as demais novelas das quais ele participou na Globo. Mas, anos depois, eu o assisti no teatro numa montagem inventiva de “O Avarento”, de Molière, dirigida por Amir Haddad. Ele estava soberbo (e lindo, como sempre). O talento de Leonardo não era talhado só para a televisão. Eu vi um ator pronto para a arte nobre e viva que é o teatro. Depois de um tempo sem vê-lo em nenhuma produção televisiva, eu o vi nas chamadas de “Os Maias”, série da Globo dirigida por Luiz Fernando Carvalho (o mesmo que o dirigiu em “Renascer”) e adaptada por Maria Adelaide Amaral. Ele interpretaria Pedro da Maia. Bom, eu já havia lido o romance de Eça de Queirós e Pedro era meu personagem favorito. Sua dor, “seus olhos sempre postos a umedecer”, sua beleza tímida me tocavam e eu tinha certeza de que Leonardo Vieira o interpretaria com brilhantismo. E o fez.

Para mim, a imprensa brasileira não deu a ele o devido e merecido destaque, como o fez com Fabio Assunção e com Ana Paula Arósio. E eu já sabia por que o talento e brilhantismo dele não foram devidamente reconhecidos. E também já entendia por que, apesar de lindo (dentro dos padrões de beleza consagrados pela indústria cultural) e talentosíssimo; apesar de já ter sido dirigido por prestigiados diretores de teatro e de até já ter encenado uma peça do “maldito” mas cult Jean Genet e ter interpretado com excelência um michê em “Cronicamemte inviável”, de Sérgio Bianchi, Leonardo Vieira não estrelava campanhas publicitárias e deixara de protagonizar grandes produções televisivas.

Sim, eu, já ativista e gay assumido, sabia que Leonardo Vieira não tinha o merecido destaque no show business por causa dos rumores sobre sua até então suposta homossexualidade. A homofobia se expressa também assim: bastam rumores sobre uma suposta homossexualidade de alguém para que a homofobia opere de maneira sutil, fechando portas, estreitando caminhos, embaçando o brilho…

Mesmo sendo um homem gay, nunca me interessei em saber se ele era gay ou não; sempre me interessei pelo talento dele. Talvez eu pudesse me interessar em saber se ela era gay ou não apenas para, qualquer dia que o encontrasse, poder lhe dar uma cantada discreta, já que o acho lindo (mesmo sabendo que um homem lindo como ele não se interessaria por alguém tão comum como eu). Mas não. Sempre gostei de ver sua arte, de vê-lo no palco, de vê-lo em cena (o que me obrigou a assistir a alguns capítulos da produção sofrível da Record).

Não sou amigo de Leonardo. Acho que nos cumprimentamos uma vez só. Mas lamento que esse ator maravilhoso e discreto, e aparentemente uma pessoa bacana, esteja exposto dessa forma nas redes sociais, sujeito a essa mesma homofobia odiosa que me abate todos os dias e contra a qual eu luto todos os dias. Leonardo Vieira é um cidadão e um ator que merece respeito às suas escolhas e à sua privacidade. Todos merecemos! Reitero aqui minha admiração e minha solidariedade a ele e aproveito para compartilhar sua emocionante carta aberta.

Estou com você, Leonardo! Estamos juntos. Nós somos muitos, não somos fracos. Um abraço!

Do Facebook de Jean Wyllys.



Manifesto contra a homofobia


“Quero iniciar essa carta primeiramente desejando a todos um feliz 2017! Desejo que o ano novo seja cheio de realizações para todos, mas que seja principalmente um ano de mais tolerância, respeito e amor entre todos os povos, crenças, religiões, cores, classes sociais, ideologias e orientações sexuais.

O ano de 2016 terminou e com ele recebi uma tarefa para enfrentar em 2017, a qual quero dividir com vocês. Encarar essa missão será uma grande mudança em minha vida, talvez a maior e uma efetiva quebra de um paradigma. Ainda não sei que consequências estão por vir, mas quero transformar o episódio e as consequências que vivencio em algo que tenha algum valor para um número maior de pessoas.

No dia 28 de dezembro, comemorei meu aniversário e, para celebrar, fui a uma festa privada de um conhecido. Lá reencontrei um amigo que já não mora mais no Brasil e acabamos nos beijando. Um fotógrafo não perdeu a oportunidade e disparou uma rajada de cliques registrando a situação. O que era para ser um momento meu, acabou se tornando público. No dia seguinte, a foto do beijo entre dois homens estava estampada na capa de um grande site de celebridades e replicada em diversos outros espaços.

Nunca escondi minha sexualidade, quem me conhece sabe disso. Não estou “saindo do armário”, porque nunca estive dentro de um. Também nunca fui um enrustido. Meus pais souberam da minha orientação sexual desde quando eu ainda era muito jovem. No início não foi fácil pra eles, pois somos de famílias católicas e com características bem conservadoras, mas com o tempo eles passaram a me respeitar e aceitar a minha orientação. Eles puderam perceber através da minha conduta que isso era apenas um detalhe da minha personalidade. Eles entenderam que o filho deles podia ser uma boa pessoa, honesto, bom caráter, bom filho, bom amigo, mesmo sendo “gay”. Hoje, a única preocupação da minha mãe é que eu não seja feliz. Eu posso afirmar para ela que sou feliz. Tenho um trabalho que me realiza, amigos que me amam e uma família que me conhece de verdade e que me aceita como eu sou, sem hipocrisias. Meu caso não é nem o primeiro e nem será o último.

Desde cedo já sabia que eu queria ser ator. Já fazia teatro amador na escola, antes mesmo de me descobrir sexualmente. Aos 22 anos, fui alçado para a fama como um foguete. Em quatro capítulos de uma novela fiquei famoso nacionalmente e me tornaram o galã do momento, um “namoradinho do Brasil”. Em pouco tempo estava em todas as capas de revistas e jornais. Passei a receber inúmeras cartas, convites para comerciais de televisão, festas, desfiles, presenças VIPs. A mídia me classificou como símbolo sexual e jornalistas me perguntavam como eu me sentia sendo o novo “símbolo sexual”. Eu era novo e não sabia responder, dizia apenas que estava feliz com a repercussão do meu trabalho. Eu nem me achava tão bonito e sexy assim para ser tido como um símbolo sexual. Sempre me achei um cara normal. Convivi com uma dúvida pessoal que me tirou a paz por um tempo. Como eu poderia ser um símbolo sexual para tantas meninas e mulheres quando a minha sexualidade na “vida real” apontava em outra direção? Como lidar com isso? O que fazer? Declaro minha sexualidade? A pressão era enorme de todos os lados, eu não sabia o que fazer e acabei não me declarando publicamente, mantive uma vida discreta e tratei o assunto em meio a círculos de amizade, trabalho e família como algo natural.

Sempre achei que um ator deve ser como uma tela em branco. Ali colocaremos tintas, cores, formas e sentimentos para dar vida a diferentes personagens. Respeito, mas nunca concordei com atores que expõem sua vida íntima ou levantam bandeiras ideológicas, exatamente porque no meu entender isso poderia macular essa tela em branco e correr o risco de tirar a credibilidade de um trabalho. O público passa a ver o ator antes da personagem e para mim isso nunca foi bom. Um dos motivos de nunca ter feito o meu “outing” foi esse e isso não é uma desculpa. Provavelmente, se eu fosse hétero, manteria a mesma postura discreta em relação a minha vida privada.

Infelizmente, vivemos em um país ainda cheio de preconceitos e a homofobia é um deles. Revelar-se homosexual não é fácil pra ninguém e acredito que seja ainda mais difícil para uma pessoa pública. Sempre achei “assumir” um termo pesado demais. Assume-se um crime, um delito, um erro e uma falta grave. Será que estou errado em ser quem sou? Será que tenho alguma culpa para assumir? Esse termo “assumir” me perseguiu como se eu tivesse cometido algum crime e que eu teria que fazer o “mea culpa” e ser condenado. Nunca me senti criminoso ou culpado por ser homosexual, eu me sentiria assim se tivesse matado alguém, ou roubado alguém ou a nação. O fato de ser gay nunca prejudicou ou feriu alguém, a não ser a mim mesmo; e não escolhi ser gay. Se pudesse escolher, escolheria ser heterosexual com certeza. Seria muito mais fácil a vida, não teria que ter enfrentado as dificuldades que enfrentei com meus pais, não seria discriminado em certos círculos sociais, teria uma família com filhos (sempre sonhei em ser pai), não sofreria preconceito de colegas, não seria atacado nas ruas, não seria xingado nas redes sociais, não deixaria de ser escolhido para certos personagens, seria convidado para mais campanhas publicitárias e capas de revista. Tenho vivido e venho sofrendo preconceito durante toda a minha vida e na maioria das vezes ninguém percebeu, só eu senti na pele, mas nem por isso me vitimizei.

Nunca deixei de fazer nada na minha vida privada por ser ator famoso. Sempre fui a lugares gays, namorei caras incríveis, tenho vários amigos e amigas gays e também frequento lugares héteros, tenho amigos héteros, vou ao supermercado, à feira… Sempre tive uma vida normal como todo ser humano merece ter. Nunca me senti especial por ser ator e sempre fiz questão de transitar livremente, mesmo que muitas vezes tivesse que parar um minuto da minha existência para tirar uma foto ou dar um autógrafo. Agora, pessoas do público as quais dediquei meu tempo, atenção e carinho, me atacam nas redes sociais de maneira vil e violenta, porque “descobriram” que eu sou gay. Eu nunca disse que não era, só não saí por aí com uma bandeira hasteada. Eu não traí a confiança de ninguém, sempre fui o que sou. Algo muito simples de ser entendido se em nossa sociedade essa questão ainda não fosse um tabu no ano de 2017.

Sobre o episódio do “beijo gay”, que a princípio parecia ser um “escândalo do último minuto” ou uma pedra no caminho, eu parei para refletir e vi que era, na verdade, um presente. Uma ótima oportunidade para tirar das minhas costas algo que me fez sofrer por muitos anos. Agradeço sinceramente ao site e ao fotógrafo que publicaram as fotos do beijo, pois assim me vi na obrigação de escrever essa carta e deixar clara a minha posição, tirando, assim, um peso que carrego há anos nas costas, além de poder ajudar a tantas pessoas que sofrem preconceitos, discriminação ou ainda não assumiram sua sexualidade. Estou me sentindo bem mais leve, mas poderia estar me sentindo bem mais pesado, caso eu não tivesse o suporte de minha família e amigos. Embora a publicação tenha me feito um grande favor, pode ter me prejudicado imensamente profissionalmente (só saberemos no futuro) ou poderia ter destruído minha família, se por acaso eles já não soubessem da minha situação. Infelizmente a mesma mídia que se diz contra a intolerância, a discriminação e o preconceito, alimenta esses sentimentos irresponsavelmente, sem medir as consequências. É incrível que obras como o ” Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, baseada em um beijo entre homens e transformado em sensacionalismo midiático, ainda sejam atuais.

Essa carta aberta aqui não é um pedido de desculpa, pois não acho que deva pedir desculpas por ser gay. Pelo contrário: sempre tive orgulho de ser quem eu sou. Essa carta é um manifesto contra a homofobia. Descobri estupefato que homofobia não leva ninguém à cadeia. Este crime, que pode ser devastador na vida das pessoas, não tem defesa à altura. Algumas cometem suicídio e outras matam por simples preconceito, que, aliado à violência verbal, psicológica ou física, é uma das mazelas de nossa sociedade.

Não gostaria de me colocar no papel de vítima, mas sou e não posso deixar de querer meus direitos como cidadão de bem e exigir justiça para mim e, quiçá, para tantos outros homosexuais em meu país que também sofrem com isso diariamente e por anos em suas vidas. Homofobia precisa ser tratada com seriedade pela justiça e pela sociedade.

O objetivo dessa carta não é só esclarecer, de uma vez por todas e a quem interessar possa, a minha orientação sexual, mas também alertar para o verdadeiro crime psicológico e letal que as pessoas cometem ao perderem tempo de suas vidas para atacar os outros na internet ou nas ruas.

O que ainda me surpreende é a violência, a guerra, a discriminação, a intolerância, a falta de respeito entre pessoas iguais que se atacam pela diferença, seja pelo fato de alguém ser gay, hétero, preto , branco, rico, pobre, evangélico ou muçulmano. Se sou gay, isso não vai mudar em nada a vida de ninguém ou a de quem estiver lendo isso, mas meu caso talvez possa ajudar pessoas que sofrem com a discriminação sexual ou com qualquer outra forma de discriminação e preconceito. Não consigo entender porque as pessoas ainda se preocupam tanto com a sexualidade alheia e fazem disso motivo de discórdia e violência.

Existem mulheres e homens na internet dizendo coisas horríveis a meu respeito. Tenho sofrido ataques homofóbicos pelo fato de ter sido fotografado beijando um homem. Se eu fosse hétero jamais me envolveria com uma mulher preconceituosa e deselegante, porque também não me envolveria com um homem preconceituoso e deselegante. Ser um ser humano com bom caráter, honesto, amigo, leal, educado, gentil, generoso e outras qualidades é muito mais importante do que quem você beija ou se relaciona sexualmente, independentemente se você é homem ou mulher.

Por isso estou indo esta tarde à comissão dos direitos humanos entender quais são os meus direitos como cidadão e quem sabe assim servir de exemplo para que meu caso não seja mais um e isso possa mudar algo em nossa legislação.

Para terminar esse manifesto gostaria de homenagear e agradecer algumas pessoas que, antes de mim, tiveram a coragem de dar sua cara à tapa e declararam suas orientações sexuais sem medo de enfrentar as consequências: Kevin Spacey, Rick Martin, Ian McKellen, Alessandra Maestrine, Marco Nanini, Ney Matogrosso, Daniela Mercury e tantos outros. Deixo aqui meu muito obrigado e todo meu respeito a todos que lutam por esta causa: a da liberdade para que todos possam ser quem são.

Bom, a vida continua e quem quiser conferir meu trabalho, estou em cartaz no teatro Folha em São Paulo, a partir do dia 11 de janeiro, sempre as quartas e quintas, às 21 horas, na comédia Nove em Ponto, de Rui Vilhena.”


Leonardo Vieira



Postado em Diário do Centro do Mundo DCM em 11/01/2017



Quem vestiu a Globeleza?







Lelê Teles

Enganam-se os que acham que foi a globo que vestiu a globeleza.

Quem vestiu a globeleza foram as feministas.

Foi o grito das mulheres contra a objetificação do corpo feminino e contra a hipersexualização do corpo negro que calou o assanhamento dos machos brancos.

A globeleza nunca representou o carnaval, ela representava apenas o samba carioca bordelizado que nasceu nos tempos do sargentelli.

A mulata globeleza se saracoteando pelada, era o símbolo da exploração do corpo negro, da carne barata servida nos banquetes bacantes da casa grande desde a hora primeva.

Nua, a mulata globeleza evidenciava apenas a beleza negra que importa aos mercadores: peito, bunda e tapa sexo.

Ela não fala.

A globeleza, vestida, é uma vitória das pretas cansadas de serem virtualmente mucamizadas.



Postado em Brasil 247 em 10/01/2017








A felicidade segundo Zygmunt Bauman



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O filósofo Zygmunt Bauman, morto no último dia 9 aos 91 anos, falou com Valeria Arnaldi, do jornal italiano Il Messaggero, sobre felicidade. Foi uma de suas últimas entrevistas. A tradução é do Unisinos.

Professor Bauman, o que significa hoje “felicidade”?

A declaração de independência americana proclamou, entre os direitos invioláveis do ser humano, a sua busca: um marco para a civilização ocidental. As ideias de felicidade são muitas, mas que podem ser remetidas a duas categorias. A visão mais popular é a de uma vida plena de momentos agradáveis, sem problemas e desafios. A outra nos foi mostrada por Goethe. Já idoso, ele foi perguntado se a sua vida tinha sido feliz. Ele respondeu que sim, mas que não se lembrava de uma única semana em que o tivesse sido. Isso implica que ser feliz não significa não ter dificuldades, mas superá-las.

A atualidade mudou essas visões?

Definir o que significa ser feliz é muito complexo. A própria ideia de felicidade parece conter em si o pressuposto da sua não existência no mundo. A felicidade deve ser conquistada, mas, no nosso sistema de consumidores, vendem-se promessas de promessas de algo que nos fará nos sentirmos melhor. O mercado, em teoria, deveria aspirar a satisfazer todas as necessidades.

Na prática, porém…

Satisfazer os consumidores, na realidade, é o pesadelo do mercado: envolveria não ter mais nada para vender. Os especialistas, portanto, sabem nos manter continuamente insatisfeitos. A publicidade nos promete que seremos felizes com o novo celular, por exemplo, mas ela tinha feito o mesmo para o modelo anterior e vai refazer o mesmo para o posterior. Porém, milhões de pessoas correm para comprar.

O capitalismo está condenado, portanto, à infelicidade?

A atitude do sistema encoraja a ideia de que há algo que pode resolver todos os problemas e alimenta constantemente tal convicção. Isso torna os momentos de felicidade muito curtos. O problema é que somos constrangidos a gastar o dinheiro que ainda não ganhamos para comprar coisas das quais não precisamos para impressionar pessoas que não nos importam muito. Esse é o caminho para alongar os momentos de infelicidade.

É preciso repensar o nosso modo de nos imaginarmos satisfeitos?

É preciso redescobrir o prazer de comunicar. Eu não me refiro aos tuítes, mas a conversas de verdade. Há uma grande diferença entre encontros virtuais e tradicionais. Para voltar aos acontecimentos ao estilo antigo, cada um deveria diminuir as suas próprias demandas, mas o mercado tenta levantar as expectativas e faz isso nos forçando a pensar, desde crianças, que cada momento de felicidade deve ser melhor do que o anterior. Cada instante desperdiçado é uma chance de felicidade perdida.

A sociedade líquida ainda é capaz de ser feliz?

A ideia da sociedade líquida é de que nada permanece por muito tempo. Vivemos em um mundo de constante novidade, em que envelhecemos cada vez mais rápido do que antes. Estamos em um espaço vazio. Gramsci definiu essa situação como um interregno em que as velhas regras desapareceram, e as novas não foram inventadas. Isso gera ansiedade.

E para que cenários a ansiedade nos leva?

Quando eu era estudante, os professores diziam que aprender nos torna mais ricos. Eu acho que a cultura contemporânea não está mais fundamentada na capacidade de aprender, mas de esquecer. Para aprender outros conceitos, você deve eliminar os velhos. A maior qualidade seria, por isso, a habilidade de esquecer. Na Itália e na Espanha, vê-se menos isso. Na França, Alemanha, Inglaterra, a questão é evidente e é uma reação ao medo.

A crônica nos revela que muitos gostariam de respostas mais duras por parte da política: o medo está criando espaço para o retorno de regimes fortes?

Estamos voltando 200 anos atrás nas lutas por democracia e liberdade. Agora, desejam-se mais regras. Segurança e liberdade são valores fundamentais para a dignidade humana. A segurança sem liberdade é escravidão. A liberdade sem segurança é um tipo de deficiência. As pessoas, por séculos, procuraram equilibrar as coisas, e isso não funcionou. Cada passo em frente para a liberdade requer que se renuncie a uma parte da segurança. Cada passo rumo a uma maior segurança envolve renunciar a um pouco de liberdade. Não há um caminho direto para ter cada vez mais de uma ou da outra. É um pêndulo que oscila, empurrando para a mudança.

Hoje, oscilamos para a segurança.

Muitas pessoas, em diferentes partes do mundo, parecem ir na direção da renúncia a mais liberdades em favor da segurança, desejando uma situação mais estável. É a tendência atual. Ainda estamos em uma sociedade líquida, mas em que nascem sonhos de uma sociedade menos líquida.



Postado em Diário do Centro do Mundo DCM em 11/01/2017



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Banda Pentatonix



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Na dúvida … seja generoso. Na certeza … seja ainda mais !



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Ana Macarini


A generosidade é o real milagre do coração humano que consegue, por alguns instantes, parar de bater em causa própria para bombear algo além de sangue. Generosidade é a única cura possível para a doença comportamental do isolamento afetivo.

Não se trata apenas de envolver-se em ações concretas de doação, como contribuir com dinheiro, alimentos, roupas ou remédios para pessoas em situação de emergência, penúria circunstancial ou crônica.

É isso também. Posto que gente com fome, com frio, doente ou privada de qualquer necessidade básica de sobrevivência, torna-se vulnerável tanto física, quanto psicológica e moralmente.

E no caso de estarmos em situação mais favorável, isso faz de nós gente potencialmente capaz de estender a mão, alongando para além do corpo físico uma extensão de humanidade, que além de nos fazer evoluir, oferece ao outro, condições de ultrapassar as situações de sofrimento com um tantinho a mais de substrato humano.

A desigualdade nas condições de vida, tão explícitas, já seriam um incentivo mais do que suficiente para fazer brotar no peito da gente o calor daquilo que, sem nenhuma sombra de dúvida pode ser chamado de amor.

Ser capaz de ter empatia pelo outro – e tanto faz se esse outro encontra-se geograficamente ao nosso alcance ou do outro lado do planeta -, é condição básica para que tenhamos direito a essa tal de felicidade.

Essa gloriosa sensação de bem-estar e plenitude pela qual vivemos obcecados, acaba sendo constituída por uma situação extremamente frágil e efêmera se, o que nos mover para alcançá-la for tecido apenas por recompensas individuais.

Dito assim, isso parece até meio óbvio. Mas não é. Isso é nossa maneira automatizada de lidar com as demandas da vida, regidos por um funcionamento vazio de conteúdo, de significado e de valor humano agregado.

O nosso alívio e solução para essa vidinha tacanha de trabalhar para juntar coisas, está justamente na mudança de foco. Olhar em redor com o mesmo interesse que olhamos para as coisas que tanto cobiçamos ter.

Sentir pelo conforto do outro uma responsabilidade voluntária e amorosa que nos faça dar um passo adiante; não em direção ao topo, mas em crescimento espiritual que nos envolva numa jornada menos solitária.

A vida é mesmo tão breve, não é?! E sendo breve, não precisa ser curta. Curta no sentido de passar voando a ponto de ficarmos perdidos numa vertigem de interesse autocentrado e frio.

Ser generoso é descobrir alegria em algo que se faz interessado no bem além de nós, sem nenhum interesse pessoal. Pode ser algo que, de tão simples, torna-se genial. Ouvir. Enxergar. Compartilhar. Silenciar. Oferecer. Respeitar.

Na dúvida, seja generoso. Esqueça as desculpas prontas de falta de tempo, excesso de obrigações e escassez de recursos. Na certeza, seja ainda mais! Afinal, é na partilha que multiplicamos a chance de encontrar o real significado da vida; uma vida plural que venha nos salvar desse isolamento afetivo que nos endurece e paralisa.



Postado em Conti Outra 






Olhem o talento destes dois guris do meu Rio Grande do Sul