Que dívida é essa que a gente insiste em cobrar da vida?
Emilia Freire
Gratidão é palavra do momento, especialmente quando as coisas dão certo e estão perfeitas aos nossos olhos, julgamentos e anseios. Então divulgamos a dádiva a plenos pulmões, compartilhamos o êxito e vibramos com o merecimento.
O que era para ser um um gesto natural, obrigatório para as consciências conectadas com o fluxo da vida, anda um tanto exacerbado. De todas as formas, melhor a gratidão ruidosa do que a sua gêmea má que nada agradece.
Mas, como nem tudo são flores e gratidões, nem vitórias, nem conquistas, difícil mesmo é ser grato às frustrações pelas oportunidades de enxergar um outro caminho, uma nova perspectiva.
Nessa hora a gente pega a fatura vencida e apresenta para a vida, como o filho mimado que corre chorando para dentro de casa com o brinquedo quebrado, exigindo a compra de outro, como se não fosse sua escolha levá-lo para brincar na rua.
A maioria de nós ainda age assim. Cobra da vida uma dívida que ela não tem conosco. Ataca a sorte, responsabiliza as circunstâncias, amaldiçoa o acaso, exige garantia infinita contra perdas, danos, terceiros e eventualmente, si próprio.
A gratidão se recolhe no meio da fatura tão grande e impagável emitida contra a vida dos que julgam possuir o passe exclusivo, a chave da sala vip onde nenhuma contrariedade é permitida.
Mas, assim como o tempo, a vida não dá bola para nossas tolas lamentações, e, frustrados e mimados que somos, como não conseguimos atingir a verdadeira culpada, vamos para outras direções, e então distribuímos sem economia o nosso mal humor, pessimismo, irritação, impaciência, raiva e todos os derivados e agregados que engrossam o time das frustrações.
Quando a gente aprende que a vida não nos deve nada e as escolhas são passíveis de fracasso, as contas são perdoadas, as dívidas caducam, as culpas se eximem e se transformam em gratidão consciente e libertadora.
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