Num mundo onde a cor da pele ainda é imperativa para classificar seres humanos e mutilar cidadanias, as reflexões de Nelson Mandela
são cada vez mais atuais e indispensáveis
Luis Gustavo Reis*
“Quando eu saí em direção ao portão que me levaria à liberdade, sabia que, se não deixasse a minha amargura e meu ódio para trás, ainda estaria na prisão.” — Nelson Mandela
A África do Sul foi responsável pela instauração de um dos regimes políticos mais odiosos da história. De 1948 a 1991, vigorou no país um rígido sistema de segregação racial chamado apartheid. Embora a segregação racial já estivesse em curso desde o início do Período Colonial (meados do século XIX) – quando os britânicos dominaram a região e consolidaram sua ação imperialista no território impondo seus interesses e explorando a população negra –, o apartheid foi introduzido como política oficial somente em 1948.
O apartheid dividia os habitantes em grupos raciais. Por esse regime, os negros eram obrigados a morar e a conviver em lugares separados dos brancos. A relação entre os grupos era restrita ao trabalho, no qual os brancos eram os patrões e os negros, os empregados. Até o casamento entre pessoas desses dois grupos era proibido.
A segregação acontecia em todos os setores da sociedade: escolas, hospitais, áreas residenciais e de lazer, transportes etc. Além disso, os serviços de pior qualidade eram destinados à maioria negra, enquanto todos os benefícios eram garantidos à minoria branca.
A Lei da Terra, por exemplo, destinava 87% do solo sul-africano para a população branca, não permitindo aos negros sua aquisição, mesmo que possuíssem recursos financeiros para tal. Pesquisas revelam que meses antes da derrocada do regime havia no país 750 mil piscinas, uma para cada duas famílias brancas, enquanto 10 milhões de famílias negras não dispunham de água potável em suas residências.
Mas a mesma a África do Sul que maculou sua história de forma irreversível também é berço de uma das maiores e mais respeitáveis figuras públicas do século XX: Nelson Mandela, carinhosamente apelidado “Madiba” por seus patrícios. De família modesta, Mandela nasceu no dia 18 de julho de 1918 no vilarejo de Mvezo (hoje parte da província de Cabo Oriental). Foi o primeiro da família a frequentar a escola, onde estudou cultura ocidental e garantiu uma vaga no curso de Direito da Universidade Forte Hare. Foi na universidade que ele se engajou na luta contra o apartheid, ingressando no Congresso Nacional Africano (CNA), principal grupo de contestação ao regime segregacionista.
Comprometido de início apenas com atos não violentos, Mandela e seus colegas passaram a recorrer às armas após o terrível Massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia sul-africana atirou em pacíficos manifestantes negros que marchavam contra racismo, matando dezenas deles.
Em 1962, após meses na clandestinidade, Mandela foi detido e condenado a cinco anos de prisão por atividades subversivas. Em 1964, um novo julgamento estipulou sua prisão perpétua, a ser cumprida na penitenciária de Robben Island, localizada em uma ilha a 3 km da Cidade do Cabo, acompanhada de trabalhos forçados nas pedreiras da ilha. Mandela foi libertado do cárcere em 1990, de onde saiu em marcha lenta, com o braço direito erguido e o punho cerrado – o arquétipo de um poderoso gesto político.
Sua atuação pelo fim do apartheid prosseguiu com a eleição do presidente Frederik De Klerk, também comprometido com o fim do regime segregacionista. Seus esforços foram reconhecidos e, em 1993, ambos foram contemplados com o Prêmio Nobel da Paz. Em 1994 ocorreram as primeiras eleições multirraciais da África do Sul e Nelson Mandela foi oficialmente eleito presidente da República.
Em novembro de 2009, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 18 de julho como o Dia Internacional Nelson Mandela – Pela liberdade, justiça e democracia, data celebrada internacionalmente.
Durante 27 anos, Mandela viveu encarcerado por lutar contra a segregação racial. Ativista político incansável, figura carismática, ganhador de um Prêmio Nobel e primeiro presidente negro de seu país, ele jamais esmoreceu e sempre combateu por uma África do Sul mais justa e fraterna, conservando de forma irreversível, quaisquer que fossem os desafios enfrentados, uma dignidade que o tornou lendário. Faleceu no dia 5 de novembro de 2013. Seu maior legado é difícil de ser apontado. Sem vilipendiar a minoria de brancos, estabeleceu a igualdade entre estes e os negros. Enfrentou anos de cárcere e sofrimento pessoal em função de um bem coletivo.
No julgamento que o condenou, quando já estava na prisão, definiu sua luta da seguinte forma: “Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer”.
Os horrores do apartheid mancharam definitivamente a história da humanidade, mas os ensinamentos de Madiba vão ecoar por séculos a fio. Num mundo onde a cor da pele ainda é imperativa para classificar seres humanos e mutilar cidadanias, suas reflexões são cada vez mais atuais e indispensáveis.
*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colabora para Pragmatismo PolíticoA África do Sul foi responsável pela instauração de um dos regimes políticos mais odiosos da história. De 1948 a 1991, vigorou no país um rígido sistema de segregação racial chamado apartheid. Embora a segregação racial já estivesse em curso desde o início do Período Colonial (meados do século XIX) – quando os britânicos dominaram a região e consolidaram sua ação imperialista no território impondo seus interesses e explorando a população negra –, o apartheid foi introduzido como política oficial somente em 1948.
O apartheid dividia os habitantes em grupos raciais. Por esse regime, os negros eram obrigados a morar e a conviver em lugares separados dos brancos. A relação entre os grupos era restrita ao trabalho, no qual os brancos eram os patrões e os negros, os empregados. Até o casamento entre pessoas desses dois grupos era proibido.
A segregação acontecia em todos os setores da sociedade: escolas, hospitais, áreas residenciais e de lazer, transportes etc. Além disso, os serviços de pior qualidade eram destinados à maioria negra, enquanto todos os benefícios eram garantidos à minoria branca.
A Lei da Terra, por exemplo, destinava 87% do solo sul-africano para a população branca, não permitindo aos negros sua aquisição, mesmo que possuíssem recursos financeiros para tal. Pesquisas revelam que meses antes da derrocada do regime havia no país 750 mil piscinas, uma para cada duas famílias brancas, enquanto 10 milhões de famílias negras não dispunham de água potável em suas residências.
Mas a mesma a África do Sul que maculou sua história de forma irreversível também é berço de uma das maiores e mais respeitáveis figuras públicas do século XX: Nelson Mandela, carinhosamente apelidado “Madiba” por seus patrícios. De família modesta, Mandela nasceu no dia 18 de julho de 1918 no vilarejo de Mvezo (hoje parte da província de Cabo Oriental). Foi o primeiro da família a frequentar a escola, onde estudou cultura ocidental e garantiu uma vaga no curso de Direito da Universidade Forte Hare. Foi na universidade que ele se engajou na luta contra o apartheid, ingressando no Congresso Nacional Africano (CNA), principal grupo de contestação ao regime segregacionista.
Comprometido de início apenas com atos não violentos, Mandela e seus colegas passaram a recorrer às armas após o terrível Massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia sul-africana atirou em pacíficos manifestantes negros que marchavam contra racismo, matando dezenas deles.
Em 1962, após meses na clandestinidade, Mandela foi detido e condenado a cinco anos de prisão por atividades subversivas. Em 1964, um novo julgamento estipulou sua prisão perpétua, a ser cumprida na penitenciária de Robben Island, localizada em uma ilha a 3 km da Cidade do Cabo, acompanhada de trabalhos forçados nas pedreiras da ilha. Mandela foi libertado do cárcere em 1990, de onde saiu em marcha lenta, com o braço direito erguido e o punho cerrado – o arquétipo de um poderoso gesto político.
Sua atuação pelo fim do apartheid prosseguiu com a eleição do presidente Frederik De Klerk, também comprometido com o fim do regime segregacionista. Seus esforços foram reconhecidos e, em 1993, ambos foram contemplados com o Prêmio Nobel da Paz. Em 1994 ocorreram as primeiras eleições multirraciais da África do Sul e Nelson Mandela foi oficialmente eleito presidente da República.
Em novembro de 2009, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 18 de julho como o Dia Internacional Nelson Mandela – Pela liberdade, justiça e democracia, data celebrada internacionalmente.
Durante 27 anos, Mandela viveu encarcerado por lutar contra a segregação racial. Ativista político incansável, figura carismática, ganhador de um Prêmio Nobel e primeiro presidente negro de seu país, ele jamais esmoreceu e sempre combateu por uma África do Sul mais justa e fraterna, conservando de forma irreversível, quaisquer que fossem os desafios enfrentados, uma dignidade que o tornou lendário. Faleceu no dia 5 de novembro de 2013. Seu maior legado é difícil de ser apontado. Sem vilipendiar a minoria de brancos, estabeleceu a igualdade entre estes e os negros. Enfrentou anos de cárcere e sofrimento pessoal em função de um bem coletivo.
No julgamento que o condenou, quando já estava na prisão, definiu sua luta da seguinte forma: “Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer”.
Os horrores do apartheid mancharam definitivamente a história da humanidade, mas os ensinamentos de Madiba vão ecoar por séculos a fio. Num mundo onde a cor da pele ainda é imperativa para classificar seres humanos e mutilar cidadanias, suas reflexões são cada vez mais atuais e indispensáveis.
*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colabora para Pragmatismo Político
Postado em Pragmatismo Político em 22/07/2016