A estratégia do não-sujeito


Mortes na Boate em Orlando - EUA


Ângelo Cavalcante


Que terrivelmente interessante! O ódio que se alastra é de tamanha eficiência e eficácia que realiza tranquilamente suas rondas de barbaridades mundo afora e auto-imune, lança imediatamente um portentoso discurso que o legitima, que o referenda.

Verbo sem sujeito; sujeito sem ação; ação impessoalizada, desconexa e desconectada do mundo real. Frases e orações que são capadas e recapadas do seu sentido verdadeiro. Sua lógica é subtraída e detectar, por conseguinte, emissor e receptor da ação é exercício intelectual de dificuldade oceânica.


A partir dessa repulsiva eficácia, gays são assassinados por um homofóbico mas não foram executados pelo imenso ódio e que representa a homofobia como movimento já articulado, sistematizado e progressivo. Camponeses são, da mesma forma, executados por pistoleiros e em serviço de grandes corporações e fazendeiros na escancarada luz do dia mas, imaginem, não foram mortos pelo latifúndio e seu vício eterno de apropriação de terras privadas ou públicas.

Mulheres são eliminadas cotidianamente por homens que militam mesmo que inconscientemente na causa do patriarcado mas não são trucidadas pelo patriarcalismo quinhentista e que, sobretudo, reina livre e soberbo no Brasil.

O genocídio da juventude negra é realidade viva e ensanguentada em todas as cidades do Brasil e os conservadores afirmam que tal fenômeno nada tem que ver com o velho e crônico ódio secular e que ainda hoje a sociedade nutre contra negros e sua descendência.

Velhos são ignorados e desprezados por uma sociedade de consumo e que tem na juventude seu padrão estético, social e moral. Mas nada disso tem que ver com o amplo movimento de imbecilização perpetrado pela grande mídia contra a gente brasileira.

Estranho tempo de estranhas estratégias. É o crime perfeito que reconhece o delito porque, ao fim, mares de sangue inocente jorram pelas redes de esgoto mas, por algum passe-de-mágicas, é sangue sem causa, sem motivação ou intenção.

É o tempo dos não-sujeitos. O que fazer? Tirar a roupagem do crime e dos criminosos, expulsar a nevoa da mentira e da dissimulação e aprofundar as lutas por justiça, igualdade e belezas.



Ângelo Cavalcante   Ângelo Cavalcante

                      Economista, cientista político, doutorando na USP e professor da                       Universidade Estadual de Goiás (UEG)



Postado em Brasil 247 em 13/06/2016



8 razões pelas quais a classe média Miami no fundo detestaria morar nos EUA





Cynara Menezes



Os Estados Unidos são o destino favorito dos brasileiros que viajam para o exterior. E são também o país mais apontado por certa classe média como o “paraíso na Terra”. Mas será que essas pessoas, mal-acostumadas do jeito que são, conseguiriam mesmo morar lá? Duvido. Passar férias é uma coisa, viver num lugar sabendo que não se terá os mesmos privilégios que se tem aqui é outra. Listei algumas das razões pelas quais não acredito que a classe média que adora Miami conseguiria viver nos EUA.

1. Ir ao trabalho de transporte público. Mais da metade dos moradores de Nova York, por exemplo, nem sequer possui carro; entre os moradores de Manhattan, este número chega a 75%. Já em São Paulo, o percentual dos que usam carro todos os dias é de 45%. Sem contar os que possuem mais de um carro para fugir do rodízio, em vez de pensar coletivamente e ir de ônibus ou de metrô.





2. Passar roupa. Usar a lavanderia é caríssimo (para roupa lavada e passada; só para lavar é barato) e não tem passadeiras disponíveis como aqui. Quem consegue imaginar esse povo que sempre teve a roupinha impecável todos os dias tendo que, eles mesmos, pegar o ferro de passar para fazer o serviço? Duvidê-ó-dó.




(O ex-candidato republicano à presidência Mitt Romney)


3. Cuidar do jardim de casa. Já viu como é nos filmes? São os próprios moradores e seus filhos que cuidam dos seus jardins. Jardineiro é coisa para gente muito rica! No Brasil, a maioria das pessoas de classe média alta que possui um jardim não sabe nem ligar o aparador de grama.




4. Lavar a própria privada. Hoje em dia, o número de norte-americanos que possui uma empregada doméstica é mínimo. Então, é preciso limpar o vaso sanitário pessoalmente – a não ser que o coxinha brasileiro queira fazer como o coxinha gringo e contrate uma empregada ilegalmente, realidade da maioria delas: de acordo com uma pesquisa feita pela organização Domestic Workers, 46% das empregadas domésticas nos EUA são imigrantes ilegais. Por isso, recebem salários abaixo do mínimo e não possuem nenhum benefício. Bem, não é difícil imaginar que os patrões brasileiros fariam o mesmo, já que aqui houve uma chiadeira geral quando as empregadas passaram a ter direito ao FGTS. Aliás,segundo matéria da BBC, muitas domésticas brasileiras se recusam a trabalhar para compatriotas nos EUA por causa da exploração.




5. Nada de deixar a pia cheia de louça! Não vai ter ninguém para limpar, viu?





6. O mesmo funciona para arrumar a casa. Faxineira é artigo de luxo nos Estados Unidos. Será que os coxinhas querem mesmo varrer e esfregar o chão como todo mundo faz por lá? Vai ter gente querendo voltar na hora.



7. Gorjeta de 15% a 20% aos garçons. Como aqui, o valor não é obrigatório, mas é o costume. Se no Brasil eles já choram para dar 10%, imaginem mais…




8. Ser “dono-de-casa”, o pai que fica em casa fazendo os trabalhos domésticos enquanto a mulher trabalha fora, é uma tendência crescente nos EUA, principalmente quando o homem tem facilidade de manter um home office. O casal normalmente faz as contas para decidir quem é que fica em casa, pensando mais nas finanças familiares do que em questões de gênero. Resultado: o número de stay-at-home-dads dobrou no país dos anos 1970 para cá. Se os homens brasileiros da classe média se recusam até a lavar pratos, quantos deles estariam dispostos a fazer o mesmo?





Postado em Socialista Morena em 13/06/2016



A ruína de uma traição





Esfacela-se, miseravelmente, toda a rede conspiratória que culminou em uma das mais vergonhosas e indecentes traições da nossa breve e frágil história democrática. 

Sob à luz dos fatos, desmantela-se uma quadrilha de hipócritas que utilizou-se da intolerância e do preconceito de uma sociedade branca, elitista e machista para se locupletarem num ciclo de corrupção, impunidade, poder e dinheiro.

A sequência dos fatos é estarrecedora tanto do ponto de vista prático quanto simbólico.

Uma vez afastada a presidenta Dilma, vimos, num misto de espanto e horror, surgir um ministério de velhos burgueses onde a diversidade de gênero, de raça e de idéias se fez tão escasso quanto a dignidade dos que protagonizaram a verdadeira falência desse tão celebrado Estado Democrático de Direito.

A partir desse monstro criado da mentira e da desonra, pôs-se em prática a retomada de um Status Quo que em certo dia um metalúrgico ousou subverter. 

Com o cínico discurso da moralidade, tudo a que se referia [ao] social foi revisto, diminuído ou simplesmente extinto. Assim manda o capital. A questão é que não importa o quão dissimulado esse governo interino possa ser, a marca de sua ilegalidade é gritante. E logo fez suas primeiras vítimas. 

Como num câncer que corrói de dentro pra fora, os primeiros sinais de podridão foram sentidos já nos primeiros dias. Temer se viu obrigado a cortar na carne para salvar as aparências.

Como a metástase de sua delinquência moral é incontornável, assumiu de vez o caráter puramente corruptor e corruptível de sua equipe e já não se constrange em manter ao seu lado a leva de denunciados que se somam a cada dia.

No caminho percorrido que levou à completa desmoralização de todos aqueles que apoiaram o golpe, chegamos ao dia em que é solicitada a prisão da nata dos golpistas. Jucá, Sarney, Renan e Cunha na cadeia criam um retrato fiel do que representa Michel Temer na presidência da República.

Que jamais esqueçam, cada lágrima derramada pela traição regará a força e a razão necessárias para impor a ruína dos traidores.


Max Cavalera – no Facebook




Pois metade de mim é amor e a outra metade também







Amor é fogo que arde sem se ver 

(Luís Vaz de Camões) 


Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; 
É um andar solitário entre a gente; 
É nunca contentar-se e contente; 
É um cuidar que ganha em se perder; 

É querer estar preso por vontade; 
É servir a quem vence, o vencedor; 
É ter com quem nos mata, lealdade. 

Mas como causar pode seu favor 
Nos corações humanos amizade, 
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? 



Amar e ser amado 

(Castro Alves) 


Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo! 
Ser amado por ti, o teu alento 
A bafejar-me a abrasadora frente! 
Em teus olhos mirar meu pensamento, 
Sentir em mim tu’alma, ter só vida 
P’ra tão puro e celeste sentimento: 
Ver nossas vidas quais dois mansos rios, 
Juntos, juntos perderem-se no oceano —, 
Beijar teus dedos em delírio insano 
Nossas almas unidas, nosso alento, 
Confundido também, amante — amado — 
Como um anjo feliz… que pensamento! 




Soneto da fidelidade

(Vinicius de Moraes)


De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



Metade

(Oswaldo Montenegro)


Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
A outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Pois metade de mim é partida
A outra metade é saudade

Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa
Que resta a um homem inundado de sentimentos
Pois metade de mim é o que ouço
A outra metade é o que calo

Que a minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
A outra metade um vulcão

Que o medo da solidão se afaste
E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso
Que me lembro ter dado na infância
Pois metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o seu silêncio me fale cada vez mais
Pois metade de mim é abrigo
A outra metade é cansaço

Que a arte me aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Pois metade de mim é plateia
A outra metade é canção
Que a minha loucura seja perdoada
Pois metade de mim é amor
E a outra metade também

















Vídeo : Meditação com a chama da vela





Stephanie Gomes



Meditar não é fácil, quem já tentou sabe disso. E pode ser muito frustrante nas primeiras tentativas, quando você percebe como é difícil esvaziar a mente e deixar os pensamentos passarem sem se apegar a eles. Você senta, fecha os olhos, respira fundo e a mente começa a falar, gritar, cantar, imaginar…

Por sorte, existem alguns artifícios que podem facilitar o processo de libertar os pensamentos para entrarmos em estado meditativo. A chama de uma vela é um desses artifícios – e é o meu favorito! A meditação com a chama da vela facilita a meditação, e ainda tem como bônus a energia do fogo envolvendo o momento da prática.

Hoje essa é a meditação que pratico quase sempre, porque realmente consigo sentir o efeito após alguns minutos de prática. Como sei que tem muita gente que também tem dificuldade para meditar – mas poderia se beneficiar muito se praticasse – resolvi gravar um vídeo mostrando como é feita e meditação com a chama da vela. É super simples:







Postado em Desassossegada


 

Glenn Greenwald : “ Tudo ficou mais claro : é golpe ”




Jornal GGN - " Qualquer que seja a definição de 'golpe', ela se enquadra no que foi feito no Brasil com relação à presidenta Dilma Rousseff ", disse o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, em entrevista exclusiva à CartaCapital.

O escritor e também advogado, que ficou conhecido mundialmente após revelar a imensa base de dados de Edward Snowden na Agência Nacional de Segurança (NSA), do governo dos Estados Unidos, e ganhador do Prêmio Pulitzer, não teve receio de descrever o processo vivido na política brasileira.

" Entendi que o impeachment foi desfechado para impedir a Lava Jato. Mas, em última instância, ele visa a aniquilar o PT e mudar totalmente os rumos do País, impondo políticas que nunca seriam aceitas pela população, pelo voto ", analisou.

O jornalista contou que a decisão de começar a cobrir a política brasileira ocorreu quando viu " o Jornal Nacional fazendo uma leitura do diálogo entre o ex-presidente e Dilma Rousseff como se fosse de novela ". " Tive uma imensa vergonha e pensei que era o limite do suportável ", disse.

Para ele, " foi patético " a GloboNews e os grandes veículos nacionais tentarem desqualificar a imprensa internacional que já analisou o processo de impeachment aqui como um golpe. " Mas não conseguiram ", respondeu, elogiando a estratégia da presidente Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula e do PT de investir em coletivas de imprensa e contato com os veículos internacionais.

Sobre o uso do termo " golpe ", Greenwald admitiu que não usava antes porque provocava o mesmo efeito do uso da palavra " terrorismo ". " Todo mundo usa essa palavra politicamente, não tem um significado específico ", disse. Mas disse que a sua postura mudou com o vazamento dos diálogos entre o ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, com o senador Romero Jucá (PMDB-RR).

" Para mim, a gravação de Jucá mudou tudo, porque tive todos os ingredientes necessários para definir um golpe ", disse o jornalista, completando: " Houve o envolvimento de políticos, da Justiça e dos militares, entre outros ". 

Segundo Glenn Greenwald, com as gravações, as justificativas para um processo de impeachment ficaram escancaradas: " o motivo não foram as alegadas pedaladas fiscais. No dia da votação na Câmara, ninguém falou desse motivo ", disse.

Leia a entrevista completa do jornalista norte-americano, concedida à CartaCapital:

Por Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meireles


CartaCapital: Através de você, Edward Snowden revelou o escândalo das escutas telefônicas da NSA que mostravam que Dilma Rousseff e Angela Merkel, entre outras personalidades, foram grampeadas pelos americanos. Como você explica que a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula tenham continua­do a usar o telefone para tratar de assuntos tão importantes quanto o da nomeação dele para ministro da Casa Civil ?

Glenn Greenwald: Tive uma grande surpresa e Snowden disse algo no Twitter sobre isso, quando as conversas foram divulgadas. Ele ficou decepcionado, quase ofendido, pois sacrificou muito de sua vida para mostrar ao País como a presidente Dilma estava sendo espionada e monitorada.

E sei que, depois das revelações, o governo brasileiro investiu muito para construir métodos de contraespionagem com fotografia, e fizeram muitas reuniões em Brasília para evitar isso. 

O fato de um ex-presidente e uma presidenta estarem tratando de coisas muito sensíveis dentro desse clima num telefone aberto e não encriptado é, para mim, incompreensível. Fiquei chocado. 

CC: Depois de 11 anos vivendo no Brasil e escrevendo sobre geopolítica e política americana, recentemente, com o agravamento da crise no País, você passou a se interessar mais pela política local?

GG: Eu queria viver num país com tranquilidade, sem problemas, sem precisar lutar ou brigar. Quando decidi morar aqui, há 11 anos, não pensava no Brasil como meu país. Agora que moro há tanto tempo, sou casado com um brasileiro, estamos adotando uma criança que vai ser brasileira, amo este país que me deu muitas coisas, e penso que tenho não somente o direito, mas a obrigação de fazer reportagens sobre o que não está sendo feito mas acho necessário fazer.

Este período que estamos vivendo não é normal. É uma crise que está ameaçando a democracia. Existe um risco de que ela seja extinta de novo e não posso ficar sem fazer nada, quando acho que tenho algum poder de ajudar e defender a democracia.

Não ficaria em paz com minha consciência o resto da vida, se não fizesse coisa alguma. Em relação à mídia dominante, talvez eu não percebesse antes o quão extremista ela é. Ela faz propaganda. Isso me choca como jornalista. Quis usar a minha revista e meus meios para lutar contra isso.

CC: O que desencadeou sua decisão de passar a escrever sobre o Brasil?

GG: Eu vi que a Globo estava incitando os protestos. Mas, por outro lado, eu estava olhando a Lava Jato como algo impressionante, positivo, pois colocava na prisão por corrupção bilionários e políticos poderosos, independentemente do partido ou da ideologia. Isso não acontece nos Estados Unidos, e no Brasil menos ainda.

As pessoas achavam uma coisa fantástica. Comecei a mudar quando o juiz Moro mandou fazer a condução coercitiva de Lula, sem razão, uma vez que o ex-presidente fazia depoimentos voluntários. Ficou claro para mim que o juiz criou uma cena dramática.

Pior ainda, em minha opinião, foi quando Moro divulgou a conversa do ex-presidente com a presidenta. Ele não divulgou apenas grampos de interesse público, mas também conversas para enxovalhar a reputação do ex-presidente.

Mas minha decisão de começar a cobrir a política brasileira foi quando vi o Jornal Nacionalfazendo uma leitura do diálogo entre o ex-presidente e Dilma Rousseff como se fosse de novela. Tive uma imensa vergonha e pensei que era o limite do suportável.

CC: O que é fazer jornalismo honesto?

GG: Numa democracia, o jornalismo tem um propósito: o principal é ser uma força contra facções poderosas, que podem ser os ricos, o governo, a polícia, as grandes empresas. Ser realmente o Quarto Poder. Ele deve ser um poder que vai esclarecer, trazer à luz o que certos grupos estão fazendo às escuras.

Quando o jornalismo está servindo a esta ou aquela facção, para mim é corrupto. Jornalismo que luta contra os poderosos é o jornalismo honesto, fiel a seu propósito de investigar e mostrar a verdade.

CC: O mito da objetividade é que está em xeque? 

GG: Sim, Dilma fala de golpe, a oposição defende que foi impeachment legal. Quando saem esses artigos muito fortes, criamos espaço para os jornalistas estrangeiros irem mais longe.

CC: A GloboNews tentou desqualificar toda a imprensa internacional, dizendo que os jornalistas estrangeiros não entendiam o processo.

GG: Isso foi patético, mas não conseguiram. E também a Dilma e o PT resolveram adotar uma estratégia forte, organizando coletivas da presidenta e de Lula para a imprensa internacional, e quando Lula fez uma entrevista comigo e não com jornalistas brasileiros. Dilma fez três entrevistas, uma com a CNN, uma com a Telesur e outra comigo. Depois ela fez uma entrevista exclusiva com CartaCapital. 

CC: Na matéria de 23 de maio, sobre a gravação de Romero Jucá, o Intercept diz que vai introduzir definitivamente a palavra golpe. Como foi a repercussão dessa matéria?

GG: Eu, pessoalmente, nunca usava a palavra golpe porque, para mim, era como a palavra “terrorismo”. Todo mundo usa essa palavra politicamente. Não tem um significado específico. Para mim, a gravação de Jucá mudou tudo, porque tive todos os ingredientes necessários para definir um golpe.

Qualquer que seja a definição de “golpe”, ela se enquadra no que foi feito no Brasil com relação à presidenta Dilma Rousseff. Houve envolvimento de políticos, da Justiça e dos militares, entre outros. O motivo não foram as alegadas “pedaladas fiscais”. No dia da votação na Câmara, ninguém falou desse motivo. 

CC: Seria possível a Suprema Corte americana agir tão partidariamente como a brasileira?

GG: Nos Estados Unidos, um juiz da Suprema Corte não pode falar publicamente sobre assuntos que estão em julgamento. A autoridade do Judiciário precisa ser e parecer independente da política.

É impensável ver um juiz encontrando-se com políticos, almoçando com políticos. Para mim, como advogado que sou, esse processo é totalmente corrupto. Que confiança você pode ter num juiz que discute com políticos casos que está julgando ?

CC: Ele toma partido...

GG: Sim. Para mim, isso é mais importante do que o envolvimento dos militares. Quando comecei a prestar atenção no debate sobre o impeachment, eu pensava: “ Não pode ser golpe, porque está sendo conduzido sob a autoridade de um tribunal legítimo ”. Para mim era um bom argumento. Perguntei a Dilma e a Lula nas entrevistas que fiz: como pode ser um golpe se é um tribunal legítimo? Mas agora a legitimidade desse tribunal fica totalmente duvidosa.

CC: Como avalia a queda do Brasil no ranking de liberdade de imprensa da respeitada ONG Repórteres Sem Fronteiras? O Brasil ocupava o 58º lugar em 2010 e hoje ocupa o 104º posto? A Reporters Sans Frontières disse literalmente: “O problema dos ‘coronéis midiáticos’, que descrevemos em 2013 no relatório ‘O País dos 30 Berlusconis’, continua intocável”.

GG: O Brasil ficou atrás de El Salvador, Peru e Libéria. Essa organização é muito respeitada no mundo inteiro, porque não se envolve em nenhum debate político nos países, atua apenas como um observador.

A Reporters Sans Frontières disse isso de uma forma clara e absoluta, condenando a mídia brasileira e dizendo que os jornalistas não estão se comportando como profissionais, mas tentando influir na queda da presidenta Dilma.

Outra forma de avaliar a liberdade e o pluralismo da imprensa brasileira foi em relação ao assassinato de jornalistas em cidades pequenas, a concentração de empresas jornalísticas nas mãos de poucas famílias e a conexão com a classe política, tentando forçar a saída de Dilma, o que contradiz a liberdade de imprensa.

A avaliação da RSF foi tão severa com a mídia brasileira que fiquei chocado e surpreso, pois eles em geral não são tão explícitos nos seus julgamentos. Imagino que isso deve ter causado muita vergonha no Estadão, Folha, Globo, Veja e IstoÉ.

CC: Mas eles não deram essa notícia. “O que é ruim, a gente esconde”, foi uma frase dita por um ministro que falava sem saber que o microfone estava aberto. Faz algum tempo, mas nada mudou.

GG: Em todos os lugares onde vou falo disso justamente, porque não vejo ninguém falar.Na gravação de Jucá, ele disse que a imprensa estava insistindo na saí­da de Dilma, nitidamente tomando partido. Ele deixou tudo muito claro.

CC: No Brasil, o povo vê o que a mídia quer que ele veja...

GG: Você viu o que o Jornal Nacional fez para noticiar essas gravações? Eles deram 20 segundos no começo, depois 15 outras reportagens sobre zika, o tempo, a Venezuela. Os últimos dez minutos foram para comentar as gravações, mas sem falar do envolvimento dos militares nem a tentativa de impedir a Lava Jato. Disseram que Temer afirmou que “agora tudo está certo”. 

CC: O que falta ao Brasil para ter maior pluralidade na mídia?

GG: Vi críticas ao PT por não ter feito quase nada nesse sentido. Nos EUA, há leis mais leves, aliás, do que na Inglaterra e na França. Se existem instituições fortes e maduras, não há problemas. Havia a TV Brasil, onde o Temer já mudou as regras. Para mim, muito mais promissora é a internet.

Vai mudar tudo. Jovens de menos de 25 anos não veem tevê, não leem jornal. Estão no Facebook, Twitter e leem os jornais estrangeiros na internet. Acho essa opção melhor que leis para regular e controlar.

CC: Na França, por exemplo, o governo subvenciona os jornais para garantir o pluralismo. O governo não quer nem que o jornal comunista L’Humanité desapareça. O pluralismo na imprensa é importante para a democracia francesa. O leque ideológico da imprensa é enorme.

GG: Mas é preciso que haja maturidade política e democracia. Na Argentina, a primeira coisa que Mauricio Macri fez foi mudar a lei de mídia.

CC: De onde você vem? Qual a sua história familiar a explicar seu interesse por política, seu engajamento?

GG: Meu avô me influenciou muito quando eu era criança. Ele foi vereador na nossa cidade, um político que sempre lutou contra as injustiças. Quando me tornei advogado, me especializei em Direito Constitucional e me distanciei da política. Depois do 11 de Setembro, eu morava em Nova York e via as mudanças nos direitos constitucionais irem no mau sentido.

Comecei a voltar os olhos para a política. Mas era advogado. Comecei a ler blogs porque a mídia não cobria de forma inteligente e contestadora o modo como os Estados Unidos se conduziam. Em 2005, decidi criar um blog para me comunicar com os blogueiros que estava lendo e rapidamente me transformei em jornalista.

CC: Dá para fazer um paralelo entre a falta de crítica da mídia americana no pós 11 de Setembro e a situação dos grandes jornais brasileiros hoje, tão partidarizados?

GG: Sim. Aderiram à invasão do Iraque de forma bastante acrítica. Depois, o New York Times pediu desculpas, mas na época o apoio foi integral, com um discurso muito nacionalista. A imprensa americana sabe que uma grande parte da população presta pouca atenção à política e, por isso, é facilmente manipulável.

Mas mesmo naquela época, quando o jornalismo se tornou horrível e perigoso, havia espaço no New York Times e Washington Post, às vezes na tevê, para argumentações contra a invasão do Iraque, desafiando crenças da maioria dos que apoiavam a guerra. Aqui no Brasil, no Globo, por exemplo, não há quase nada que conteste o impeachment. Esse pensamento único me dá medo, pois é algo muito perigoso. 

CC: Você se considera uma pessoa de esquerda? 

GG: Existe esse debate: ele é de esquerda, libertário, independente, muitas pessoas tentam me colocar numa caixa. Não gosto, porque acho que é uma forma de as pessoas começarem a ignorar seus argumentos. Tenho opiniões, claro, e há assuntos em que acho que estou à esquerda, mas em outros não. Tento evitar pensar me posicionando dessa forma.

CC: Como analisa a entrega do pré-sal brasileiro às multinacionais nesse contexto? 

GG: O representante do governo interino já estava em Nova York na semana passada para encontrar grupos de Wall Street. Já se deixou claro que a intenção é privatizar muitas coisas, inclusive parte da Petrobras. Sempre que vimos acelerar esse tipo de privatização em diversos países, os processos foram recheados pela corrupção.

José Serra, atual ministro das Relações Exteriores, afirmou que a política externa agora pretende dar menos importância aos tratados internacionais e multilaterais e privilegiar relações baratas, além de estreitar relações com os EUA.

Numa entrevista recente, um repórter fez uma pergunta sobre a espionagem dos EUA ao Brasil, citando a NSA, e ele perguntou: “O que é NSA?” Revelou que o objetivo de sua política é reforçar o relacionamento com os EUA.

CC: O golpe de 1964 deu-se com a cumplicidade e a ajuda de Washington. No dia seguinte à votação do impeachment na Câmara, o candidato a vice na chapa de Aécio Neves, senador Aloysio Nunes Ferreira, foi aos EUA, onde se encontrou com autoridades do Departamento de Estado. Qual o papel dos EUA no atual golpe?

GG: Não há evidências de que os EUA estejam envolvidos no processo do impeach­ment. Não que eu saiba. Mas isso não diz muito. Qualquer envolvimento americano seria discreto. Creio que a direita brasileira não conduziria esse processo sem a aprovação dos EUA.

E também está claro que os EUA têm preferência por governos à direita na América Latina, porque são mais abertos ao capital internacional, enquanto a esquerda reforçou iniciativas como o Mercosul e os BRICS. Não sei que tipo de apoio estão dando, se estão planejando e encorajando, mas certamente demonstram aprovação.

CC: O que aconteceria a um juiz americano se tomasse posições claramente partidárias, participasse de eventos de organizações ligadas a partidos ou de órgãos da imprensa, como faz, por exemplo, o juiz Sergio Moro?

GG: Nos EUA, isso seria impensável. O Poder Judiciário aqui é muito forte. Um juiz pode grampear conversas, mandar alguém para a prisão, manter alguém numa cela por 20 anos. É um poder extremo. Para aceitarmos esse poder, é preciso manter muito claros os limites não só das leis, mas das instituições.

O Judiciá­rio precisa estar acima de personalidades, exercer suas funções com objetividade e isenção. Moro virou um herói coberto de elogios. Acho que isso o está afetando muito. Nos EUA, esse protagonismo de um juiz jamais seria permitido.