Lara Brenner
Que coisa esquisita é este hábito de esperar. Espera-se o fim do dia para chegar em casa e descansar. Depois, o fim de semana para que a vida possa ter alguma alegria descompromissada. Aí, o feriado que se aproxima, as férias que se projetam, o ano do casamento, o nascimento dos filhos, a aposentadoria tão sonhada, o aniversário de 80 anos e, por fim, já com a cara desbotada de tanto esperar, espera-se pela chegada morte.
Desde pequenos, somos criados para empurrar a melhor parte mais pra frente, reforçando a nobreza de saber aguardar a hora “certa”: os dias de descanso ficam na ponta da semana, as férias mais longas são só no fim do ano, a mulher valorizada guarda a virgindade pra depois do casamento, o homem inteligente guarda dinheiro para a velhice. Até mesmo a comida mais gostosa costuma ficar renegada ao canto do prato até que já se esteja com o estômago cheio. Aí, sim, ela passa a ser merecida e pode ser deglutida com algum comedimento. “Primeiro a obrigação, depois a diversão”, repetem as mais bem preparadas mães. É como se fazer do presente um ato estoico garantisse um merecimento mais sólido do porvir.
Só que esperar não faz sentido se não houver alguma graça no caminho. É preciso mais! Uma centelha, uma fagulha, um pouquinho de sentido no presente de quem se habituou a acreditar que o melhor sempre está por vir. Não há pote de ouro ao final do arco-íris, nem borboletas coloridas onde o vento faz a curva. A verdade verdadeira é que a vida é isso aí mesmo: rápidos momentos de apoteose de vez em quando, colocados entre longos períodos de um cotidiano sem grandes sobressaltos. Mas, no meio termo, alguns discretos gracejos costumam aparecer para conferir certo charme a esses profissionais da espera.
É preciso ser atento, ter olhos e ouvidos de poeta. Tem que estar vigilante para perceber que a expressão da sobrancelha do filho é idêntica à do pai quando ele está com sono, ou que a roseira do quintal deu flor mais cedo esse ano. Tem que ter sangue pra notar que a mocinha da limpeza cora quando alguém lhe dá bom dia, mas responde com tanta vontade que dá gosto de ver. Há de se ter a alma esperta para notar que o vizinho voltou a assoviar no elevador depois que terminou aquele namoro maluco ou que a padaria trocou o pó de café por um muito mais gostoso.
“Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios”, escreveu Pessoa, com heterônimo Alberto Caeiro. Ver é arte complicada, para poucas almas de contentamento e graça. É preciso ter coragem pra assumir as lágrimas brutas que brotam no canto do olho ao ler um poema, ou o riso que se instala no canto de boca ao ouvir boa música que conduz ao primeiro amor. Haveremos de nos render ao dia a dia, à mágica de simplesmente poder caminhar para onde se quer e fazer o que se quer fazer. À graça de ser quem se quer ser.
Enquanto houver espera pelo instante do estrondo, pelo dia do brado, ou pelo momento de grandeza, não haverá tamanho suficiente para descobrir que gigante mesmo é saber ser pequeno e perceber a vastidão de simplesmente se estar aqui.
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