Salão na Rue des Moulins (1894) de Henri de Toulouse-Lautrec
Washington Luiz de Araújo*
Nestes tempos conturbados, em que golpe é a palavra do momento, muitos comparam os golpistas, os traidores da democracia, os usurpadores com prostitutas. Alto lá! Mais respeito com aquelas que vivem dignamente exercendo seu trabalho e que também são conhecidas como "mulheres de vida fácil", embora saibamos que nada há de fácil na vida dessas mulheres. Ao contrário de políticos como Eduardo Cunha, Michel Temer, Renan Calheiros e seus seguidores, as prostitutas são, na maioria, pessoas honestas.
Não se ouve falar de meretriz que mande dinheiro público para a Suíça, por exemplo. Não se sabe de prostituta que viva de vazar, com a própria voz ou com a própria grafia, os segredos que ouve na cama. Não é rotina as "mulheres de vida fácil" saírem por aí chantageando maridos, ameaçando-os de entregá-los às esposas, mesmo depois de terem recebido pelo exercício de seu ofício.
Além disso, "puta" é adjetivo usado para definir coisas boas: "Caramba, você fez um puta trabalho!"; "Que puta bolo gostoso você fez!"; "Meu amigo, você é um puta cara!". Que coisa boa podemos falar dos políticos corruptos que se acumpliciaram com outros do mesmo tipo para derrubarem uma presidenta honesta? Que um dia estavam do lado da presidenta e no outro a estavam apunhalando pelas costas. Sinceramente, não dá para comparar isso com o trabalho de uma prostituta, que cumpre com o tratado.
Na esteira dessa injustiça, fala-se que o Congresso virou um puteiro. Alto lá, novamente! Um prostíbulo é uma casa organizada, onde a prática do sexo é devidamente regrada. Há respeito entre as prostitutas, a dona ou o dono da casa e os clientes. Já no Congresso...
Jorge Amado, useiro e vezeiro em utilizar prostitutas em seus belos romances, dizia que passou a frequentar o bordel ainda criancinha, quando um tio o levava. Enquanto o tio se divertia, ele ficava sentado no colo de uma das moças e recebia agrados como doces e bolos. Amado sabia das coisas e nunca retratou mal uma prostituta em seus romances. Já os políticos...
Gabriela Leite, que do estudo de Sociologia na USP partiu para a profissão de prostituta e se transformou numa grande ativista, líder, lutadora pelos direitos da prostituição, autora do livro "Filha, mãe, avó e puta", afirmou em sua obra: "O maior preconceito é porque trabalhamos com sexo. Sexo é o grande problema, é o grande interdito das pessoas. E nós trabalhamos, fundamentalmente, com fantasia sexual, esse é o verdadeiro motivo da existência da prostituição. É um campo imenso. É uma babaquice dizer que só puta vende o corpo! E vender sua cabeça, quanto custa? O operário vender seu braço, quanto custa? Todo mundo vende sua força de trabalho, que está com seu corpo".
Gabriela, falecida em 2013, lembrou em entrevista para a revista "TPM": "Certa vez, um deputado chamou o outro de filho da puta, e nos defenderam, falando que a prostituta deve ser tratada com mais respeito." Na mesma entrevista, Gabriela afirmou que existe "filho da puta do bem e do mal", depende da forma com que a expressão é utilizada. Sobre o filho da puta do mal, a ativista não titubeou em exemplificar: "Renan Calheiros". E olha que a entrevista se deu em 2007...
Fico aqui matutando: o que pensaria Gabriela Leite sobre o momento atual de golpe à democracia, de traições, de grave ameaça aos direitos civis? Certamente estaria bradando: "Mais respeito com as putas. Não nos comparem com estes políticos golpistas".
* Jornalista
Postado em Brasil 247 em 11/05/2016