Mídia decreta : " Somos todos idiotas "





Saul Leblon, no site Carta Maior


A ilusão de que a barbárie é um processo incremental que se desenvolve em algum ponto remoto do planeta, ou do calendário, ofusca uma rotina de convívio com a sua plena vigência nos dias que correm.


A matança em Paris na última sexta-feira, o avanço de um mar de lama assassina no interior brasileiro, são ilustrações de uma transição de ciclo histórico, cuja raiz é sonegada ao discernimento social pela semi-informação emitida do aparelho midiático conservador. 


A cada soluço do inaceitável ergue-se, assim, a boa vontade dos que farejam algo estranho arranhando a porta do lado de fora. 

Em janeiro, dizíamos ‘Somos todos Charlie’.

Em setembro dissemos ‘Somos todos Aylan Kurdi’ ( o menino curdo de três anos, morto em uma praia na Turquia).

Em novembro estamos dizendo ‘Somos todos franceses’, pranteando a centena e meia de jovens assassinados em uma única noite em Paris. 

Por que estamos sendo jogados periodicamente a nos identificarmos com vítimas de uma tragédia que se abate sem que se possa detê-la, nem explicar de onde se origina e por que se repete em formas diversas com a mesma gravidade?

A lista é interminável.

Se a mídia desse a ênfase adequada a outros dramas equivalentes, por certo teríamos dito também ‘somos todos gregos’, ‘somos todos sírios’, ‘somos todos africanos’, ’somos todos desempregados europeus’, somos todos despejados espanhóis, somos todos líbios, iraquianos, iranianos, pretos americanos pobres...

Se desse hoje o alarme suficiente à lamacenta catástrofe promovida pela Vale, em Minas Gerais, estaríamos dizendo ‘Somos todos rio Doce’....

A solidariedade exclamativa é importante ao evidenciar a nossa inquietação.

Mas é insuficiente. 

Quando o que está em jogo é a incompatibilidade entre a ganância estrutural dos mercados e a dos impérios, de um lado; e a sobrevivência do interesse público, de outro, a boa intenção exclamativa, a exemplo da caridade cristã, não é capaz de afrontar os perigos que acossam as bases da sociedade e o seu futuro.

A desordem mundial, movida a incertezas, brutalidades psicopatas, insegurança social permanente e colapsos recorrentes movidos a forças intangiveis, não retrocederá se não for afrontada com anteparos do interesse público dotado de ferramentas à altura do desafio: Estados nacionais democraticamente fortalecidos.

A ausência de coordenação global entre economias, a subordinação da democracia a interesses financeiros que se dedicam a esvaziá-la, a incompatibilidade entre a acumulação irracional e a sobrevivência dos recursos que formam as bases da vida na terra, não serão superados com boas intenções de organismos não governamentais.

A crise de 2008 foi o sintoma desse corredor estreito da história para onde estão sendo tangidas referências e conquistas acumuladas pelas lutas democráticas e populares desde os primórdios do século 20 e antes dele.

Ao contrário do que recitam colunistas agendados pelos departamentos de economia dos bancos, ela não acabou.

O cerco em marcha se estreita, como evidenciam os acontecimentos de Paris, ou seus equivalentes na Síria.

A emergência do ciclo neoliberal nos anos 70 deu carta branca à ganância rentista, confiante na expertise do dinheiro para alocar recursos com maior eficiência ao menor custo, tendo o globo como tabuleiro cativo.

Os alicerces da democracia social (o pleno emprego, direitos universais, Estado, partidos e sindicatos forte) foram corroídos.

Sob explosões de bolhas, bombas, desemprego, náufragos, governos e nações acuadas por defenderem a destinação social do desenvolvimento, o século 21 assiste agora aos efeitos colaterais dessa troca.

Um poder de chantagem ímpar, dotado de mobilidade sem igual na história do capitalismo ungiu o bunker financeiro em carrasco das nações.

O preço da mutação é o novo normal sistêmico.

A desigualdade cresce, o emprego definha, o endividamento asfixia famílias e Estados, a política se desmoraliza, fundos e acionistas enriquecem em uma sociedade que vegeta, e sobretudo, quando ela empobrece.

A barragem acumula rejeitos de todas as raças, cores e religiões.

Não há lugar para todos serem a mesma coisa em parte alguma nessa engrenagem seccionada por diques que separam vidas sólidas de massas líquidas lamacentas.

Se o Estado é capturado integralmente pelos mercados, as pontes para a construção de laços de valores compartilhados entre as nações e dentro das nações ficam intransitáveis.

Os terroristas que mataram 127 jovens em uma só noite em Paris diziam exatamente isso enquanto disparavam: 

‘Vamos fazer com vocês o que vocês fazem na Síria’, em alusão ao intervencionismo aberto do governo Hollande que se estende da Síria ao Iraque, do Iraque a nações africanas.

Estamos falando de um governo socialista, ou melhor, de mais um sintoma da doença maligna que faz da política o novo idioma do caos. 

A chave religiosa apenas reforça esse hospício ordenado pela razão financeira, que instala uma guerra social aberta de abrangência global, em nosso tempo.

Frentes conflagradas espalham-se pelos mapas das nações e dentro de cada uma delas, nas periferias urbanas onde os rejeitos humanos dos embates se acumulam. 

Volta e meia ali também as barragens se rompem.

A UE tem hoje 8 milhões de imigrantes sem papéis; 120 milhões de pobres e 27 milhões de desempregados.

Após seis anos de arrocho neoliberal para curar a trombose de 2008, o desemprego, a desigualdade, o futuro obscuro, o esfarelamento do padrão de vida dos trabalhadores e da classe média – condensado em uma geração de jovens que dificilmente repetirá a faixa de renda dos pais -- turbinou a rejeição ao estrangeiro, criou o medo da 'islamização, alimentou a extrema direita e liberou a demência terrorista dos alijados.

Não necessariamente nessa ordem, mas com essa octanagem. 

A consciência dessa longa travessia é um dado fundamental para renovar a ação política num tempo de supremacia das finanças desreguladas, ungidas à condição de um templo sagrado, dotado de leis próprias, revestido de esférica coerência endógena, avesso ao ruído das ruas, das urnas e das aspirações por cidadania plena.

Corta. Feche o foco agora no Brasil dos dias que correm.

É nesse cenário de guerra aberta que o conservadorismo e seu jornalismo de propagação ‘acusam’ o governo de não ter jogado o país ao mar em 2008, como tantos ‘estadistas’ do ajuste fizeram.

O custo de não tê-lo afogado na hora certa –vertem boquirrotos economistas de bancos-- acarretou os custos insustentáveis que ora explodem em desequilíbrios fiscais e orçamentários

O ‘voluntarismo lulopopulista’ terá que ser pago a ferro e fogo, lambuza nossos ouvidos a voz pastosa do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, com seu conhecido domínio da macroeconomia.

Recomenda-se vivamente beber a cota do dilúvio desdenhada em 2008 de uma talagada só, como Joaquim Levy gostaria, encorajado pelo poleiro de tucanos da Casa das Garças.

Só há um jeito de escapar da loucura disfarçada de racionalidade: tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la ao debate democrático do qual participem todas as forças sociais, unidas em uma frente de propósitos específicos.

Novo corte para um close na gosma em movimento no Brasil.

Pode-se identifica-la literalmente na massa de lama derramada de uma barragem da mineradora Vale, que já atingiu nove municípios de Minas e do Espírito Santo e avança para matar 880 kms de rios, riachos, ribeirões e fontes.

Referência de sucesso da privatização tucana, recordista em distribuir dividendos a seus acionistas, a Vale durante anos só deixou 1% do lucro obtido na mineração de Mariana/MG ao município.

Em compensação, despejou agora 60 bilhões de litros de lama tóxica no seu entorno, uma lava que viaja pelo Rio Doce para compartilhar com o Espírito Santo a maior catástrofe ambiental da história brasileira.

A devastação está apenas no começo.

A convalescença pode demorar séculos.

Esse é o tempo - advertem geólogos - para que a lama cuspida pela incúria gananciosa se transforme em solo fértil outra vez.

A Vale não vai cuidar do interesse público nessa longa mutação. 

O governo Dilma já deveria ter montado um gabinete de crise para enfrenta-la e coagi-la a assumir custos, no limite com intervenção na empresa para saber a extensão das ameaças que esconde.

No vácuo, o prefeito Neto Barros (PCdoB-ES), de B.Guandu (ES), fez o que cabe diante das dimensões de um roteiro que começa com o colapso do abastecimento de água, avança para doenças, inclusive câncer, encerra a destruição de cadeias alimentares, representa a falência de agricultores e de cidades, e desemboca em desemprego, revolta e migrações para periferias conflagradas.

Neto Barros fechou a ferrovia da Vale com a patrulha de máquinas da prefeitura até que a presidência da empresa aceite negociar.

Pergunta: isso é terrorismo? É atentado? 

Não. 

Mutatis mutante isso é a reação desesperada à supremacia dos interesses de mercado sobre a segurança da sociedade, o bem-estar das populações, a preservação das fontes da vida e o direito ao futuro sonegados por um bombardeio de lama.

Numa entrevista famosa em 2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce - que tinha em Serra o defensor mais entusiasmado, entregou o ex-presidente - entre outras razões, ao fato de a 2ª maior empresa de minério do mundo ter se reduzido - na sua douta avaliação - a um cabide empregos estatal, 'que não pagava imposto, nem investia'. 

Filho dileto do ciclo tucano das grandes alienações públicas, Roger Agnelli - presidente da Vale do Rio Doce de 2001 a 2011 - foi durante anos reportado ao país como a personificação da eficiência privada reconhecida nessa transação.

Com ele, graças a ele, e em decorrência da privatização-símbolo que ele encarnou, a Vale tornou-se uma campeã na distribuição de lucros a acionistas. 

Vedete das Bolsas, com faturamento turbinado pela demanda chinesa por minério bruto, que o Brasil depois reimportava, na forma de trilhos, por exemplo, - a única laminação para esse fim foi desativada pelo governo FHC - a Vale tornou-se o paradigma de desempenho corporativo aos olhos dos mercados. 

Um banho de loja assegurado pelo colunismo econômico, ocultava a face de um negócio rudimentar, um raspa-tacho do patrimônio mineral alçado à condição de referência exemplar da narrativa privatista. 

Agora se vê o mar de lama acumulado por debaixo do veludo.

A 'eficiência à la Agnelli' lambuzou o noticiário pró-mercadista durante uma década de fastígio. 

Da cobertura econômica à eleitoral, era o argumento vivo a exorcizar ameaças à hegemonia dos 'livres mercados' pelo lulopopulismo. 

Projetos soberanos de desenvolvimento, como o da área de petróleo, eram fuzilados com a munição generosa da menina dos olhos do neoliberalismo: a Vale de balancetes nas nuvens.

A política agressiva de distribuição de lucros aos acionistas -- na verdade um rentismo ostensivo, apoiado na lixiviação de recursos existentes, sem agregar capacidade produtiva ao sistema econômico-- punha na Petrobrás o cabresto do mau exemplo. 

Era a resiliência estatista nacionalisteira, evidenciada em planos de investimento encharcados de preocupação industrializante e 'onerosas' regras de conteúdo local. 

A teia de acionistas da Vale, formada por carteiras gordas de endinheirados, bancos e fundos, com notável capilaridade midiática, nunca sonegou gratidão .

Enquanto o mundo mastigava avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, a Vale era incensada a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros e champanhe. 

No primeiro soluço da crise mundial, em 2008, a empresa administrada pela lógica pró-cíclica dos rentistas reagiu como tal e inverteu o bote: foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro daquele ano, exatamente quando o governo Lula tomava medidas contracíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento. 

A Petrobrás não demitiu; reafirmou seus investimentos no pré-sal, da ordem de US$ 200 bilhões até 2014. 

Se a dirigisse um herói dos acionistas, teria rifado o pré-sal na mesma roleta da Vale: predação imediatista, fastígio dos acionistas e prejuízos para o país. 

Em seu último ano na empresa, Agnelli - -apoiador confesso da candidatura derrotada de Serra contra Dilma, em 2010 - distribuiu US$ 4 bi aos acionistas. 

Saiu carregado nos ombros da república dos dividendos.

Indiferente aos apelos de Lula, manteve-se até o fim fiel à lógica que o ungiu: recusou-se a investir US$ 1,5 bi numa laminadora de trilhos que agregasse valor a um naco das quase 300 milhões de toneladas de minério bruto exportadas anualmente pela empresa. 

Com a derrota de Serra, o conselho da Vale destituiu o camafeu ostensivo da coalizão tucanorentista, em abril de 2011. 

Agora se sabe que o centurião de alardeada proficiência administrativa, além de recolher apenas 2% de royalties ao país, nunca conseguiu reunir recursos para instalar uma simples buzina, que poderia ter salvo vidas levadas pelo mar de lama que legou ao país, enquanto brindava os acionistas com bilhões.

Estamos diante de um exemplo em ponto pequeno da desordem global, que à falta de melhor conceito, pode ser batizada de barbárie de mercado.

É rudimentar conceito. Porém é mais encorajador do que dizer apenas e tristemente ‘somos todos idiotas’.



O que é Mindfulness?





Emanuelle Anddrade

Já li tantas definições sobre “o que é Mindfulness” nos últimos meses que até fica difícil escolher um conceito e simplesmente desconsiderar os outros.

Para muitos essa expressão já foi assimilada, mas para quem acaba de ler essa palavra pela primeira vez, não precisa se assustar! A princípio saiba que “Mindfulness” é mais uma daquelas palavras em inglês que incorporamos em nosso vocabulário e que não temos uma correspondência exata para traduzir em nosso idioma.

Na língua portuguesa, “Mindfulness” pode ser traduzido como “atenção plena”, “consciência”, “consciência plena”, “mente atenta”, “atenção” etc.. 


Esta expressão está bastante associada a um estado mental / emocional específico de estar pleno e presente aos fatos da nossa vida enquanto a experiência acontece de forma simbiótica, ou seja, é um estado de atenção e observação (sem julgamento) sobre tudo o que acontece na realidade objetiva e subjetiva das nossas próprias percepções.


Neste sentido, definir “Mindfulness” é como se tentássemos compreender “tudo” e “nada”. 

Por isso, prefiro e gosto de levar em consideração todos os conceitos existentes, já que todos são igualmente importantes, se complementam em vários aspectos, enriquece a nossa expediência e forma um conjunto de possibilidades criativas que só quem pratica “Mindfulness” conseguirá entender o que isso significa.


Baseado em práticas milenares das tradições orientais, o que hoje conhecemos como “Mindfulness” se fundamenta em mais de 30 anos de estudos científicos em universidades conceituadas como Harvard, MIT, Santford, Yale, Oxford (que inclusive oferece um Mestrado em atenção plena).

Creio que Mindfulness hoje é uma tendência e eu poderia dizer que é uma demanda extremamente necessária nos tempos atuais, já que a produção em massa de informações superficiais, imediatismo, estresse e outros fatores sociais estão nos deixado cada vez mais distraídos, desconectados e doentes em aspectos mentais, emocionais e energéticos.

Há uma transformação mental explicita acontecendo e estar consciente, isso é, estar mindful é uma característica a ser desenvolvida e cultivada para melhorar a saúde, para reconhecer a paz em mundo frenético, para lidar melhor com a vida e com o nosso próprio ser.

Quando falamos sobre “Mindfulness” devemos ter em mente que não se trata apenas de uma técnica meditativa, mas sim de um conjunto de fatores dos quais a pratica de meditação se enquadra. 

Assim, mindfulness é uma característica inata a todos os seres humanos, alguns demonstram mais facilidade em permanecer neste estado mental do que outros. 

Por isso, além de ser uma característica da humanidade, mindfulness também é um estado mental que pode ser adquirido por meio de práticas meditativas.


Quando falamos de Mindfulness como meditação é importante observar que nem todas as meditações são mindfulness, apesar de que a maioria das meditações apresentam traços de mindfulness. 

A meditação Mindfulness foca no momento presente e tem como âncora o próprio corpo, especialmente na conscientização do ritmo, movimento e ciclo da nossa respiração.


Em síntese, o que é mais importante em Mindfulness, na verdade, é prestar atenção em si mesmo, e o único momento em que podemos estar no próprio corpo, podemos ver, ouvir, cheirar, provar, tocar, comunicar é o momento presente !

Aqui e agora. Quando estamos mindful fica mais fácil dar cor e luz às nossas experiências momento a momento.

Como Jon Kabat-Zinn, precursor do método que hoje conhecemos como Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR) diz:

“Mindfulness não é uma técnica, apesar de haver muitas formas de se cultivar. Mindfulness é mais uma forma de SER, é estar no próprio corpo, é estar de certa forma em equilíbrio com as idas e vindas do mundo externo e até mesmo com as idas e vindas, dos altos e baixos de termos um corpo que, é claro, tem suas maravilhas, mas que também é por vezes seriamente problemático quando estamos lidando com problemas de saúde de algum tipo ou com coisas que podem acontecer com o corpo e já que temos essa capacidade para atenção plena, porque não desenvolvê-la?”


Lidar com os movimentos e as ruminações mentais e emocionais nunca foi uma tarefa fácil, mas com as práticas meditativas pude perceber que é perfeitamente possível perceber e abraçar a nossa situação atual, o nosso corpo, todos os nossos relacionamentos com o mundo externo e com a vida, com as pessoas, com nossos desejos e aspirações, com nossos os medos, para ampliar a nossa consciência à um novo grau de liberdade e Vida.

Seja Mindful !


Postado no Somos Todos Um










Cuide de seus achados e aprenda com os perdidos




“Valorizar os ganhos e aprender com as perdas, no sentido de reconstruirmos o nosso caminho, mesmo que às duras penas, eternizará em nossas lembranças tudo aquilo que deverá ser o alicerce de nossos pensamentos e ações enquanto estivermos dispostos a encontrar a felicidade.”

Viver implica inevitáveis perdas e ganhos, tendo ambos uma importância extrema ao nosso amadurecimento pessoal. 

No entanto, é muito difícil aprendermos a lidar com os aspectos negativos e que incomodam o nosso caminho, pois eles parecem se fixar em nossas memórias de forma indelével, perseguindo-nos enquanto vivermos.

E, enquanto não conseguirmos digerir os obstáculos com lucidez e maturidade, não estaremos preparados para sorver todo o prazer inerente aos aspectos positivos que nos circundam diariamente.

Teimamos em nos prender ao que se foi, ao que já não tem mais razão de ser, ao que poderia ter sido e, enquanto isso, a vida passa lá fora, com todas as novas oportunidades que sempre traz consigo, muitas delas nos estendendo as mãos inutilmente.

Sem que nos desapeguemos daquilo que já cheira a mofo, é impossível que abracemos o novinho em folha. Caso fiquemos lamentando aquilo que não deu certo, não teremos forças para fazer algo dar certo. 

Lágrimas excessivas acabam cegando nossos sentidos, enganando nossa percepção de mundo, retirando todo o colorido da vida de nosso olhar.

Existem tragédias cujas consequências são por demais dolorosas e inevitavelmente nos marcarão tão fundo, que jamais seremos os mesmos após o ocorrido, como, por exemplo, a perda de um filho, um acidente que nos limita fisicamente, um fenômeno natural que destrói tudo o que lutamos para obter. 

São os divisores de água que demarcam o antes e o depois em nossas vidas, são os alarmes necessários a que acordemos frente à finitude da vida, à pequenez de cada um de nós diante da força do universo, à insensatez do acúmulo de bens em desfavor do sentir e do compartilhar.

Para que possamos passar por tudo o que a vida nos reserva, no melhor e no pior, sem nos perdermos em meio a uma noite eterna, vale nos prepararmos enquanto há luz do dia.

Nos momentos de calmaria, é preciso aproveitar os momentos, desfrutando-os junto com amigos e familiares, cultivando nossos relacionamentos com as pessoas que serão nosso arrimo, nosso porto-seguro, sempre que precisarmos. 

Vale acolhermos com amabilidade a todos que convivem conosco, pois a ajuda muitas vezes vem exatamente de quem menos esperávamos, de alguém em quem nem prestávamos atenção.

Temos que nos permitir sermos eternos aprendizes, a estarmos inacabados, em formação, abertos à reorganização dos pensamentos, à desestruturação de paradigmas, ao enfrentamento de verdades.

É necessário criar uma consciência elástica, flexível frente às mudanças que abalarão tudo o que pensávamos saber a respeito das coisas, das pessoas, dos sentimentos. Compreender a própria finitude e a certeza de que nada nesta vida é certo nos ajudará a atravessarmos a nossa lida com mais sobriedade, segurança e capacidade de nos reinventarmos a cada abalo sísmico de nossos sentidos.

Valorizar os ganhos e aprender com as perdas, no sentido de reconstruirmos o nosso caminho, mesmo que às duras penas, eternizará em nossas lembranças tudo aquilo que deverá ser o alicerce de nossos pensamentos e ações enquanto estivermos dispostos a encontrar a felicidade.

E sabermos que essa felicidade é um caminho de busca nem sempre prazeroso determinará, enfim, a qualidade de nossa vida junto de quem nos provoca sorrisos sinceros, pois, tendo conhecido a escuridão, os caminhos de luz serão ainda mais mágicos e especiais.


Postado no Sábias Palavras


Saudade não é falta. Saudade é presença imortalizada dentro da gente




Rebeca Bedone


Tem dias que acordamos vazios. Na vida que segue com tantos compromissos e trabalho, a falta de algum lugar ou de alguém nos acompanha. É como o céu nublado onde não há sol. Nessas horas, resta-nos o silêncio frio e o desalento cinza, como se nada mais nos preenchesse além da melancolia que existe — e resiste — dentro da gente.

É que tem dias que surge um buraco enorme aqui dentro. É a dor pelo que já foi e não é mais, e a ausência que se repete em sonhos enquanto dormimos. Como dói a solidão de um velho homem ao relembrar suas histórias.

Porque, outro dia, a morte chegou inesperada. Algumas pessoas partiram para longe. O relacionamento acabou. Os filhos foram estudar fora. Mas toda essa gente também ficou. Suas lembranças ficaram impressas em nossa alma, como um poema decorado. A saudade imortalizou-se no abraço de adeus, no bilhete carinhoso e na espera do reencontro.

Não é à toa que poetas escreveram tantas vezes sobre a “saudade”. Pablo Neruda procurou o sentido “desta doce palavra de perfis ambíguos” e percebeu que o significado dela é senti-la. Basta fechar os olhos e sentir-se a si mesmo e o vazio dentro de si: o sorriso da vovó e os óculos engraçados do vovô, o primeiro dia de aula na escola nova, a sapatilha de balé, o choro do recém-nascido na sala de parto, o cheiro do bolo saindo do forno, a entrada na faculdade, o ipê cor de rosa, a jabuticabeira carregada, a família distante. “É preciso a saudade para eu sentir como sinto — em mim — a presença misteriosa da vida.” (Mario Quintana).

Porque saudade também é inspiração. Elas chegam nas horas mais inesperadas. Num momento de distração, a velha sensação de vazio se transforma em música, dança ou poesia. Você está caminhando no seu dia cinzento e, de repente, uma ideia invade a sua mente: é o esboço de um novo verso, é a cor da esperança que você procurava.

Vinicius de Moraes disse que “a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”. Ter saudade não é fácil, porque ela nos deixa perdidos e abandonados dentro da vida. Por isso, precisamos olhar para o nosso vazio a ponto de compreendê-lo. Assim, compreenderemos a nós mesmos e conseguiremos transformar a ausência em algo bom e bonito.

“Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.” Ao ler Carlos Drummond de Andrade, sinta a saudade nos seus braços. Abrace-a. Aconchegue-a. Então ria e dance com as recordações incríveis que se foram. Percorra o rio da sua mente e mergulhe em sua alma, preencha com sentidos e imaginação o vácuo da saudade.

Sinta. Inspire-se. Vire-se do avesso e encontre sua verdade. Aguente até amanhã. A presença do seu vazio é que vai lhe trazer coragem necessária para ser aquilo que deseja. E amanhã o sol sairá das tuas nuvens sombrias.


Postado no Bula


A França e o sequestro das boas intenções


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Diógenes Júnior, no site dos Jornalistas Livres:

Há uma tentativa da mídia, por sinal bem exitosa, de sequestrar o emocional das pessoas, comparando os atentados ocorridos no último dia 13 em Paris com os atentados de 11 de setembro nos EUA, vitimizando a França e relativizando os ataques que essa mesma França praticou contra a Síria e o Iraque, por exemplo.

Diante de duas tragédias, a proporção da cobertura midiática revela a desproporção de sua comoção.

As lágrimas meticulosamente estudadas e oportunamente derramadas pelo presidente francês François Hollande durante seu pronunciamento oficial fazem parte de uma estratégia.

A campanha que a rede social Facebook disponibilizou para que seus usuários pudessem mesclar as cores da bandeira da França com suas fotos de perfil são de um altruísmo questionável e extremamente seletivo.

A enorme quantidade de pessoas que utilizaram esse recurso, ou mesmo as que trocaram suas fotos de perfil por bandeiras da França são reflexo do sucesso de uma mesma estratégia, também de tentar sequestrar o emocional de sua audiência.

Jogando com o inconsciente coletivo das pessoas, manipulando reportagens e bombardeando-as com informações pinçadas conforme seus interesses, a mídia tradicional tem pautado a agenda de discussões sobre o tema “terrorismo”, definindo conforme suas convicções comerciais a diferença entre “ataque terrorista” e “legítima defesa diante de injustas agressões”.

Pelas regras contidas nessa agenda midiática, fica pré-estabelecida uma dinâmica em que qualquer ofensiva promovida por um país ocidental contra um país de orientação islâmica é legítima, sempre realizada com os heróicos objetivos de “defender a democracia”, “encontrar armas de destruição em massa” e “acabar com regimes totalitários e ditatoriais”.

No documentário Fahrenheit 9/11, o direitor Michael Moore apresentou ao mundo alguns métodos com os quais os governo dos EUA, tendo como principal aliado a mídia, fizeram a população do país não apenas acreditar que havia evidências de existência de armas de destruição em massa no Iraque, mas também apoiar uma invasão àquele país.

O governo americano declarou ter gasto US$ 845 bilhões no conflito no Iraque. O que não é nada, comparado à perda de mais de *500.000 vidas.

(*A estimativa do total de pessoas mortas na guerra do Iraque entre 2003 e 2011 diverge de fonte para fonte, com números que chegam a até mais de 600. 000 mortes.)

Sequestrar o emocional das pessoas com o objetivo de engajá-las em uma luta contra um “inimigo comum” é uma tática bem conhecida, utilizada em larga escala e por diversas vezes durante a história.

“A propaganda para o público em geral funciona a partir do ponto de vista de uma idéia, e o prepara para quando da vitória daquela opinião.”

Essas palavras, encontradas no livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, descrevem o conceito de usar a propaganda para disseminar a idéia de que uma guerra — no caso contra os judeus — se fazia necessária à época e que todos que se engajassem naquela guerra contra o “inimigo comum” sairiam dela como “vitoriosos”.

Voltando para a questão dos ataques ocorridos em Paris, identifico a clara intenção do governo Hollande em criminalizar o Islã, transferindo o cerne da questão, que é política, para abstratas acusações de motivações religiosas.

Para essa empreitada François Hollande conta com um poderosíssimo aliado: a imprensa.

Para antevermos os resultados dessa estratégia podemos usar como parâmetro o que aconteceu nos EUA logo após os atentados de 11 de setembro.

O governo estadunidense recrudesceu em muito a política repressiva que mantinha e o congresso pôs em curso o famigerado “Ato Patriota”, lei que tinha como objetivos reforçar a segurança interna do país e aumentar os poderes das agências de cumprimento das demais leis, além de identificar e deter supostos terroristas. Cerceando e ignorando os direitos civis do povo americano, claro.

Certamente que o parlamento francês reforçará, a exemplo do que fez os EUA, seus dispositivos “antiterrorismo”, o que recrudescerá a repressão contra a população em geral e contra os imigrantes em particular.

A maioria dos muçulmanos não só não aprova como condena a violência e não tem a menor culpa do que aconteceu na França. A despeito disso, suponho que serão ainda mais perseguidos, ainda mais criminalizados e que certamente pagarão pelo que outros fizeram.

Assim como seu aliado EUA, o governo da França comunga, entre outras idéias, da idéia central de que apenas o uso da força bruta pode resolver seus problemas, muitas vezes problemas de ordem social.

(Bem parecido com a política promovida pelo governador de São Paulo, diga-se de passagem)

Marine Le Pen, representante da extrema-direita francesa que já foi candidata à Presidência da República declarou, quando aconteceu o ataque ao jornal Charlie Hebdo, que “o islamismo havia declarado guerra ao seu país” e que o povo “deveria responder sem fraquejar”.

Diante dos fatos apresentados, ouso dizer que a direita francesa está comemorando muito tudo isso, de braços dados com o governo Hollande e grande parcela da mídia mundial.

O restante do mundo, atônito, aguarda desdobramentos tão ou mais trágicos do que a tragédia que se abateu sobre Paris e que ceifou a vida de pelo menos 129 vidas.

A leitura da primeira estrofe de “A Marselhesa” reforça os temores de não apenas muçulmanos, mas de todos os imigrantes em solo francês nesse momento:

“Esses ferozes soldados?
Vêm eles até nós
Degolar nossos filhos, nossas mulheres. Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Nossa terra do sangue impuro se saciará!”
(Hino Nacional da França — A Marselhesa).



Postado no Blog do Miro em 16/11/2015


Colheita macabra


O primeiro ataque ocorreu
por volta das 21h20. Dois atiradores abriram fogo contra os restaurantes Petit
Cambodge e Le Carrillion, no 10º arrondissement, região nordeste da capital


Fernando Brito

Não conheço a Paris de hoje, nunca pus os pés por lá. Mas, pela dor, acabamos todos, neste instante ali bem perto, diante de tamanho morticínio.

Mais ainda porque, se não pus os pés, levou-se à velha Paris a minha cabeça, conduzida pela mão apaixonada de Victor Hugo, por tudo o que a cidade significou na história humana, e a quem ele declarava seu amor incondicional:

“Pode-se dizer que Paris tem as virtudes do cavalheiro: é sem medo e sem censura. Sem medo, ele o prova diante do inimigo.Sem mancha, prova-o diante da história. Teve, por vezes, a cólera: será que o céu não tem vento? Como os grandes ventos, as cóleras de Paris são saneadoras. Depois do 14 de julho, não há mais Bastilha; depois do 10 de agosto (de 1972, a tomada popular do palácio real), não há mais realeza. Tempestades justificadas pela amplificação do azul.”

Não há um que não chore aqueles jovens, que não fizeram nada para ofender ninguém. Mas já são tantos mortos, os das torres gêmeas, os do avião russo, agora os franceses, e os milhares e milhares em Cabul, Damasco, Bagdá e por tantos lugares que já não nos é permitido só chorar: é preciso falar e agir.

O presidente François Hollande acaba de responsabilizar o “Estado Islâmico” – repito, não é Estado, nem Islâmico – pelo ato de barbárie. Não basta prometer resposta implacável, porque, para ser implacável mesmo, há de ser lúcida e não uma primária “vingança”.

Pois é preciso entender o que cria esta monstruosidade.

E me socorro de novo do grande herói francês, sobre o que ele dizia do fundamentalismo religioso, para pensar:

Aqui, uma pergunta. Será que estes homens são maus? Não. Que é que eles são, pois? Imbecis. Ser feroz não é difícil, para isto basta a imbecilidade. Então, será que nasceram imbecis? De forma alguma. Algo os tornou assim. Acabamos de dizê-lo. Embrutecer é uma arte.

A segunda metade do século 20 foi a do fim completo do colonialismo, na Ásia, na Arábia, na África, até nos pequenos protetorados da América Central e do Caribe. Em alguns poucos, a guerra os libertou, como no Vietnã, mas na maioria das vezes a luta pela independência não virou confronto total: ficara evidente que o tempo da dominação colonial passara.

Daquilo sobrou pouco: uma chaga remanescente, dolorosa, a dos palestinos, a quem nunca se permitiu deixar rebrotar na terra as raízes.

Aqueles povos foram aprendendo, com seus erros, acertos e distrofias, a viver sendo de novo seus próprios senhores. Fizeram ditadores? Sim, os fizeram, como aqui os tivemos e nunca nos enviaram tropas para libertar-nos e dar-nos a democracia. Ao contrário, deram alfanges aos que quiseram desabrochar as primaveras que começamos a descobrir.

A primeira década e meia do século 21, ao contrário, tem sido a da intervenção, a da ocupação, o das bombas e mísseis “inteligentes” que iam exterminar as imaginárias “armas de destruição em massa”, mas que atingiram em cheio as estruturas de poder e de convívio – torto, defeituoso, autoritário – que tinham minimamente organizado.

Nunca hesitaram, para isso, em valer-se da fé obscura e fanática. Criaram os Bin Laden e os grupos que virariam o Isis. Não raro, até, lhes enviaram dinheiro, armas e até mesmo alguns de seus cidadãos mais tresloucados, ávidos por viver uma espécie de sacerdócio bélico.

A colheita macabra disso é a noite de ontem em Paris, como outras safras já se colheram em Nova York e nos céus do Sinai.

Pagaram-na com a vida os jovens de Paris. Paga-la-ão em vida os milhões de refugiados com que a guerra que o Ocidente moveu em seus países fez abarrotar a Europa, contra os quais vão se elevar os níveis de xenofobia, discriminação e maus tratos.

Para ficarem em paz talvez nem lhes adiante fazer como seus antepassados tiveram de fazer na Idade Média, tornando-se cristão novos: abjurar da fé, da cultura, da língua, como fizeram os meus Nogueira, os seus Pereira, Carneiro, Lobo, Moreira.

Porque no Ocidente “civilizado” também espalharam-se os esporos do fundamentalismo, que é o fascismo, o ódio ao diferente, o direito auto-concedido de achar-se o puro e aos demais impuros, infiéis.

Semeou-se o ódio, revolveu-se o chão com guerras, brotou o ressentimento, floresceu a insânia e e nos nauseia o cheiro fétido da flor do terror.

Não há caminho para a paz que não seja o do respeito à autodeterminação dos povos.

Todos os outros levam à violência e a violência é uma arma que acaba por ferir a mão de quem a brande.


Postado no Tijolaço em 14/11/2015