Fernando Brito
Outro dia escrevi aqui sobre o que é, para mim, a maior ameaça à democracia no Brasil: a distorção do papel do Judiciário (e dos organismos que a ele se vinculam), que hoje, sensivelmente, vai assumindo o papel tutelar que, até bem próximo ao final do século passado, os militares tiveram sobre o Estado democrático e que, seja pelo exercício direto do poder, seja pela situação de temor criado sobre governos eleitos, circunscrevia a autonomia dos governantes.
Disse que os juízes, excitados pelo Ministério Público, como os generais empolgados pelo oficialato jovem e ansioso, vão se dando a arreganhos de poder.
E tal como dos fardados, não raramente nem se pode discordar dos togados nas boas intenções, aquelas que lotam o Inferno, como dizia minha avó.
Mas, igualmente, jamais se pode deixar de ver que isso altera o fundamento da autoridade popular, que se exerce pelos eleitos ao Executivo e ao Legislativo, entregando-a corporações nas quais, ao contrário das outras, não há confronto de ideias, mas a obediência hierárquica como dever.
Óbvio que governantes e parlamentares não devem estar fora do controle do Judiciário – estamos em uma república – mas é essencial que este controle seja previsível, aberto, prudente; jamais surpreendente e ousado. Ousadia, aliás, é a negação da harmonia que prescreve os poderes na Constituição.
Juízes não são, nem podem ser – como não podem ser os militares ativos – protagonistas do processo político.
E, como há décadas ocorria com os dólmãs, agora a toga projeta sua sombra incontestável sobre os legitimados pelo voto, o qual mídia – com apoio na mediocridade que construiu na política – encarrega-se de desmoralizar e o dinheiro de comprar.
Ontem, no Facebook, o professor Nílson Lage indica a leitura de um ótimo artigo que, à noite, André Araújo publica no GGN.
Reproduzo-o, com a mesma introdução do velho mestre, que já observou todos estes movimentos da História, desde a segunda metade do século passado:
(O poder) cabe, agora, ao Judiciário.
No momento, é Moro, o Príncipe das Araucárias, Visconde do Lava-jato, que dá uma de Simão Bacamarte e se dispõe a corrigir os pecados do sistema, irracional e corrupto.
Sem quem o dose, remédio perigoso.
Pode resultar numa ditadura um milhão de vezes pior do que a mais assustadora ditadura militar: ditadores de língua empolada, que se auto-avalizam, auto-remuneram lautamente sem sentimentos de culpa, leem as leis de frente para trás e de trás para a frente, inventam princípios jurídicos convenientes com base em ciência esotérica e, sobretudo, protegem uns aos outros.
Para avaliar até onde podem chegar, podem-se lembrar figuras emblemáticas, de Joaquim Barbosa a Gilmar Mendes.
A mudança do eixo de poder
André Araújo, no GGN
Pela primeira vez na República, o eixo determinante do Poder, aquele que rege o Estado, sai do Executivo-Legislativo e passa para o aparelho Judiciário, ai incluída a Polícia Federal, hoje parte desse aparelho e a ele completamente agregado.
A mudança foi pouco percebida pela classe politica, entretida em suas brigas internas de baixa altitude.
Quem manda é quem pode prender qualquer membro dos poderes Executivo e Legislativo a qualquer momento, através de narrativas arbitradas pelo aparelho Judiciário, sem contraste e sem possibilidade de defesa prévia para evitar a prisão, a devassa, o bloqueio de bens, a humilhação, o escracho, a liquidação de empresas tradicionais.
Quem pode prender pode ameaçar de prender e essa ameaça é o Poder de Fato.
Qualquer político hoje pode ser preso a qualquer momento pelo aparelho Judiciário conhecido como “força-tarefa”, que inclui, na prática, não só o juiz federal de Curitiba mas também os Tribunais Superiores que lhe dão aval.
No desenho do Estado Democrático que vem dos clássicos pensadores e operadores, como Charles Louis de Secondat (barão de Montesquieu), Alexis de Tocqueville, Thomas Jefferson e Alexander Hamilton, esse tipo de Estado que se contrapõe ao Estado Autoritário exige o mecanismo conhecido como checks and balances – que seria “controles e contrapontos” – cada Poder deve ser controlado pelos outros dois, de modo a um fiscalizar o outro.
No momento atual, o governo da força tarefa não se submete ao controle dos outros dois Poderes, é absolutamente autônomo em relação a eles, é o verdadeiro poder de fato e o Estado deixa de ser democrático para ser autoritário.