Renato Dalto
Repassei hoje, pausadamente, 51 fotos de protesto do dia 16 de agosto em Porto Alegre na edição digital de Zero Hora.
Procurei ali algum negro e não encontrei. Procurei então o que poderiam dizer aqueles rostos. Uma loira fazia um selfie ao celular e um rapaz de músculos rijos, provavelmente forjados numa boa academia, portava um cartaz que dizia: “Se querem o comunismo, vão pra Cuba”.
Mas há um detalhe de semântica que talvez explique mais. Nas imagens, o que mais se viu foram adesivos com duas palavras: “Fora, PT”.
Como corrupção e outros males levam o nome de vários partidos, desconfia-se que esse povo branco, bem vestido, bem nascido e bem nutrido lute contra um outro inimigo que está invisível em sua manifestação.
Corrupção eles aguentam sim, desde que seja do lado deles. Há mega-empresas e empresários envolvidos em fraudes bilionárias na Zelotes, mas não é contra esses que esse povo luta. Esse povo luta basicamente contra dois ícones: o PT e os pobres.
Há um ódio represado naqueles rostos. Um ódio de escolher heróis de ocasião, de criminalizar a política e os políticos, de ter um entendimento seletivo e preconceituoso de tudo o que acontece.
Faço algumas perguntas: no Rio Grande do Sul, o partido com maior envolvimento nos escândalos se chama Partido Progressista (PP), onde toda a bancada gaúcha está sendo investigada.
Pergunto: quantos eleitores do PP haverá nessas manifestações contra a corrupção.
Pergunto se essas pessoas sabem que a Odebrecht, Camargo Correa e outras do gênero operam há mais de três décadas em grandes obras.
Mas eles devem imaginar que empresas idôneas, de uma hora pra outra, viram operadores de propinodutos.
Se a Odebrecht tem 30 anos de obras públicas, é de supor que são 18 da mais pura honestidade e 12 da mais abjeta falcatrua. Deve ser a mágica do PT que transforma anjos em demônios com uma varinha de condão.
Esse povo não luta por um país melhor. Luta pela extirpação de um partido, de uma ideia, de uma visão de mundo.
Como no auge do fascismo, escolhe alguém ( uma raça, uma religião, um partido) para criminalizar e faz disso a maior causa: extirpar um partido e uma ideia é pregar a treva política, a morte da história, a vitória da truculência que não permite o contraditório.
O PT, é claro, contribuiu com a treva. Quando aceitou que o pragmatismo do poder substituísse a militância social de base, aquela que politiza relações, forja cidadania, cria consciência no tecido social.
O PT se inebriou com o palácio, com as benesses, com o ar condicionado, os vinhos finos e as bajulações do mundo burguês. Pobre PT que não entendeu que o banquete não era para ele. O banquete era uma armadilha.
Esse povo que agora quer aniquilar o PT integra o mundo dos bem nascidos, dos que tem consciência de classe, de privilégio, de dinheiro, de poder. Podem entregar meia dúzia de mega-empresários e individualizar a culpa.
Todos sabem que a burguesia nacional é ilibadamente ética, democrática e ciosa da coisa pública. Ave, Zelotes e seu muro de silencio.
O grito é pra outro lado. Negros não gritam. Pobres também não. Já estão excluídos da passeata.
A passeata que quer eliminar, trucidar e aniquilar. Nela também há crianças com cartazes e cães com bandeiras no pescoço. No ódio não há inocência. Só há ranger de dentes e olhares faiscantes. E que ninguém ouse falar de flores.