O título ainda poderia conter um terceiro elemento: entre essa direita e essa esquerda, jaz, inerte, um zumbi político.
Há quase dois anos que o Brasil começou a “endireitar” a passos largos. Ao fim de junho de 2013, toda sorte de psicopatas de extrema direita infestava as ruas.
Neonazistas e fascistoides prontos e acabados caçavam qualquer desavisado que vestisse peça de roupa vermelha. Cânticos contra homossexuais ou “comunistas” se faziam ouvir nas vozes esganiçadas de milhares.
Pouco mais de um ano depois, o Congresso Nacional, que nunca foi um exemplo de progressismo, converteu-se no paraíso dos fundamentalistas cristãos e dos reacionários de todas as cepas.
Para combinar com o novo perfil, a Casa do Povo e a Casa revisora da representação popular guindaram aos seus respectivos comandos dois renomados picaretas afinados com as taras dessa maioria parlamentar.
Aí começam os desatinos.
Só para ficar nos exemplos mais recentes, o Congresso está para aprovar a precarização extrema do trabalho, com a cada vez mais provável terceirização; o superlotado sistema carcerário está ameaçado de receber adolescentes ainda sem formação biológica completa; os brasileiros estão ameaçados de ver as taxas de juros explodirem com a proposta tucana de Banco Central independente, sob ameaça de Renan Calheiros e da maioria que a ultradireita se construiu no Congresso.
Em meio a esse avanço assustador da direita que promete, ainda, muito, muito, mas muito mais em prejuízo de mulheres, homossexuais, sem-terra, negros e indigentes, entre outros, esperava-se a formação de uma frente de esquerda para barrar esse avanço fascista. Vã esperança.
Na semana passada, artigo da suposta líder da esquerda que se diz “autêntica” se espalha pela internet com a “boa nova”: está tudo bem, tudo “tranquilex”. Não apenas não há avanço da direita como a esquerda estaria “crescendo”.
A candidata do PSOL à Presidência no ano passado, Luciana Genro, escreve um artigo autista, absolutamente descolado da realidade, no qual comemora um punhado de votos a mais que seu partido obteve na disputa presidencial e o “descomunal” aumento da bancada psolista na Câmara dos Deputados, um aumento de 70% – ou seja, de 3 para 5 deputados.
A liderança psolista se gaba de ter previsto, na campanha eleitoral, que qualquer um que se elegesse presidente teria que fazer o ajuste fiscal, como se fosse necessária clarividência para prever que não haveria como deixar de ajustar as contas públicas.
Assisto a vídeo de uma “cientista política de esquerda” que nega todos os avanços obtidos pelo povo brasileiro ao longo dos últimos 12 anos. O PT nunca foi de esquerda, diz. E a ascensão social que pôs filhos de pobres e negros nas universidades, que deu casa própria a milhões, que elevou a massa salarial a níveis nunca vistos, que praticamente zerou o desemprego, foi tudo “esmola”.
Não é miopia política, é cegueira.
Não vão derrubar Dilma, diz a esquerda desmiolada. E ela (Dilma) é igual a eles, o PT é igual ao PP de Bolsonaro ou aos fundamentalistas tucanos que se apavoram vendo uma netinha de cinco anos desenhar uma estrela vermelha, com medo de ela estar sendo seduzida pela propaganda “comunista”.
Não vão derrubar Dilma, afirma Luciana. Mas, se derrubarem, paciência. Faz parte da vida derrubar governos legítimos, condenar sem provas, subverter a normalidade democrática, estraçalhar o Estado de Direito, moldar uma legislação penal fascista, jogar crianças em masmorras, entregar o Banco Central ao mercado financeiro internacional.
Nesse último quesito, diz a psolista, o BC já foi entregue aos banqueiros. É mesmo, Lu? Por que, então, eles votaram contra Dilma, ano passado?
Porque ela se recusou e se recusa a dar independência ao BC, entre outros motivos. Porque, no primeiro mandato, ela pôs os bancos públicos para liderarem queda nas taxas de juros; porque ela reduziu o preço da energia; porque ela usou dinheiro público para impedir o desemprego e o arrocho salarial, o que acabou desregulando as contas públicas devido à perenidade da crise internacional. Só por isso.
Mas Dilma e o PT não são de esquerda, não é, Lu?
No meio disso tudo, um governo e um partido em transe. Dilma Rousseff e o PT passaram quatro anos alheios aos avisos de que não podiam ficar inertes enquanto se construía o espetáculo reacionário ora em cartaz.
Agora sem Lula para dizer o que era preciso quase todo dia – como ele fazia quando governava –, o governo ficou sem voz e sem se contrapor aos ataques.
Isolados em seus gabinetes, presidente e seu partido deixaram os adversários dizerem o que queriam sem fazerem uma mísera contestação. E, assim, deixaram aliados e militantes favoráveis sem argumentos.
Cansados, militantes que poderiam dar combate ao avanço reacionário dizem hoje que se o governo e seu partido não se defendem, que se danem.
O que, aliás, é outro equívoco.
Pode ter certeza, leitor, de que se Dilma sair agora ou em 2019 ela será uma entre os que menos pagarão pelos desatinos legais que estão sendo perpetrados, com uma legislação fascista que promete, por exemplo, agravar o problema da violência e da criminalidade recrutando adolescentes para serem doutrinados pelo crime organizado dentro de nossas masmorras medievais ditas “prisões”.
O que posso recomendar a você que, atônito, vier a ler estas linhas é que, se pretende continuar no Brasil, se não tiver meios e/ou planos de escapulir daqui, que comece a se perguntar não o que o seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer por seu país.
Não me leve a mal, leitor. Sei que você é um dos que menos têm culpa. Mas ficar inerte não vai adiantar. Sabe por que lhe faço tal recomendação? Porque a bomba que estão armando não vai estourar na mão de Dilma ou do PT, vai estourar na sua.