Caso Tim Maia não é o primeiro em que a Globo reescreve a História em seu benefício ou no de parceiros







Luiz Carlos Azenha 


Vi muita gente escandalizada com o fato de a Globo ter cortado, na minissérie que pretendia ser um resumo do filme sobre Tim Maia, os trechos em que Roberto Carlos desprezava o ex-colega de banda. 

O filme — e, portanto, a minissérie — foram baseados no livro Vale Tudo, de Nelson Motta.

Talvez por não envolver um ídolo tão popular, outros casos muitos parecidos e recentes de tentativas da emissora de reescrever a História não mereceram a mesma atenção. 

Quando o Jornal Nacional completou 34 anos, por exemplo, exibiu um clipe registrando a presença do repórter Ernesto Paglia no comício das diretas, em 16 de abril de 1984, em São Paulo. 


Foi o suficiente para que Ali Kamel, que ainda estava em ascensão na emissora — hoje dirige o Jornalismo — fosse ao Observatório da Imprensa dizer que
“uma pequena imagem do repórter Ernesto Paglia pode ter contribuído para rechaçar de vez uma das mais graves acusações que o JN já sofreu: a de que não cobriu o comício das diretas, na Praça da Sé, em São Paulo”.

Mais adiante, depois de contestar versões de outros autores sobre a cobertura da Globo naquele dia e de transcrever o texto da reportagem de Paglia, Kamel tenta justificar — como se a Globo estivesse no campo dos cerceados pela ditadura: 

Esquecem-se de que a ditadura ainda estava forte, tão forte que as diretas foram votadas sob a vigência das medidas de emergência, um dispositivo constitucional, decretado nas vésperas da votação, que proibiu manifestações populares em Brasília (lembram-se do general Newton Cardoso, em seu cavalo, dando chicotadas em carros presos num engarrafamento?) e proibiu a transmissão por emissoras de rádio e televisão da sessão do Congresso Nacional que acabaria rejeitando as diretas-já. Não, a Globo não fez uma campanha, mas não deixou de fazer bom jornalismo.

Kamel provavelmente escreveu de ouvir dizer, após consultar arquivos. Eu, não. 

Eu trabalhei na Globo naquela época. Era da TV Bauru, mas cobria férias dos repórteres em São Paulo. Passava meses e meses hospedado num hotel e trabalhando na redação da Marechal Deodoro. Testemunhei pessoalmente ou ouvi relatos de colegas.

A tática de quem pretende recontar a História com outro viés quase sempre envolve focar no ponto mais positivo para sua narrativa e desconhecer o contexto. 

O fato é que naquele período da História aconteceram as grandes greves do ABC, que a Globo praticamente desconhecia, quando não levava ao ar versões que o movimento operário considerava descabidas. 

Foi então que surgiu o “Fora Rede Globo, o povo não é bobo”, cantado por milhares de pessoas nas assembleias. Carros da emissora foram apedrejados. Lula costumava dizer aos companheiros para não confundir os jornalistas com os patrões e, portanto, aqueles deveriam ser poupados.

Na campanha das diretas, que surgiu antes do comício da Praça da Sé, a Globo simplesmente desconheceu as primeiras manifestações populares, algumas envolvendo milhares de pessoas. 

Era uma não notícia. A internet ainda não existia. Mesmo assim, era chocante ver as capas de jornais com fotos de manifestações e informações sobre a campanha e o Jornal Nacional absolutamente calado sobre o assunto.

Além disso, foi escancarado o apoio das Organizações Globo à ditadura militar, como porta-voz do regime. Os exemplos abundam. Um editorial escrito por Roberto Marinho em 7 de outubro de 1984, DEPOIS do comício das diretas, em que ele diz que a Revolução — isso mesmo, Revolução, não golpe — foi bem sucedida, é um deles. 

É neste contexto que deve ser analisada a “reportagem” da emissora no comício de São Paulo. 

A equipe da Globo, sim, esteve lá. Porém, a ênfase da reportagem foi no aniversário de São Paulo. 

Basta ler a própria transcrição do Ali Kamel. É o equivalente a noticiar primeiro que dois automóveis foram destruídos no centro de São Paulo e em seguida informar que caiu um Boeing sobre eles, matando os 200 ocupantes. Um absurdo que qualquer estudante de jornalismo é ensinado a nunca cometer é definido como “bom jornalismo”. 

Para um exemplo mais recente, basta relembrar o Jornal Nacional de 12 de março de 2012, dia em que Ricardo Teixeira renunciou à presidência da CBF. 

Patrícia Poeta, num texto que obviamente não foi escrito por ela, na transcrição da Carta Capital

“Ao longo de uma gestão de mais de duas décadas, a seleção tricampeã se tornou penta. Teixeira colecionou vitórias, mas também desafetos. E enfrentou denúncias”.

Uma forma nada sutil de tentar atribuir as acusações a Teixeira a rusgas pessoais.
No corpo da reportagem, narrada por um repórter que obviamente não tinha poder de decisão sobre o texto final, 22 segundos foram dedicados às denúncias num tempo total de 3 minutos e 39 segundos:
Ao longo da carreira, Ricardo Teixeira foi alvo de denúncias. Diante de todas elas, Teixeira sempre disse que as acusações eram falsas e tinham caráter político. A denúncia mais contundente foi a de que ele e um grupo ligado à Fifa teriam recebido dinheiro de forma irregular nas negociações de uma empresa de marketing esportivo, em 1999. Viu os processos serem arquivados pela Justiça.
Na Globonews, Merval Pereira foi além:
Esses problemas de denúncias contra o Ricardo Teixeira vêm de longe e ele enfrentou com tranquilidade e sempre conseguiu superar essas denúncias. [...] Então resolveu tirar o time porque viu que não tinha condições de recuperar, como várias vezes se recuperou, o prestígio político.
De novo, a sutileza: os problemas de Ricardo Teixeira foram com adversários pessoais e políticos, nenhuma relação com a corrupção que a Globo tanto gosta de denunciar na Petrobras.

Em primeiro lugar, não é verdade que todos os processos contra Ricardo Teixeira foram “arquivados pela Justiça”. 

Em O Lado Sujo do Futebol, descrevemos as manobras jurídicas utilizadas por ele para se desfazer de processos no Brasil. Descrevemos detalhadamente a relação histórica e incestuosa da Globo com João Havelange e seu sucessor, Ricardo Teixeira. 

Era apoio político em troca do monopólio nas transmissões da Copa e do futebol brasileiro. Ponto. O próprio Ricardo Teixeira, em entrevista à revista Piauí, disse que só ficaria preocupado quando as denúncias contra ele saíssem no Jornal Nacional.

Nunca de fato saíram. Naquela noite de 12 de março de 2012 a principal omissão do JN foi sobre o fato de que a Justiça da Suiça decidiria em breve se seriam divulgadas ou não as provas obtidas na investigação de João Havelange e Ricardo Teixeira, provas definitivas de que ambos receberam milhões de dólares em propina da empresa de marketing ISL em contas no Exterior. 

Este, sim, o verdadeiro motivo da renúncia de Teixeira, que a Globo vergonhosamente escondeu.

A Globo pagava à ISL, que pagava escondido a Havelange/Teixeira, que protegiam e eram protegidos da Globo. É o círculo perfeito! 

No livro também tratamos das relações da própria Globo com a ISL, empresa da qual a emissora brasileira comprou os direitos de transmissão das Copas de 2002 e 2006 depois de montar uma subsidiária, a Empire, nas ilhas Virgens Britânicas, com isso sonegando milhões de reais de imposto no Brasil, segundo a Receita Federal. 

A mesma Receita diz que a Empire serviu apenas de fachada, para justificar o falso investimento no Exterior do dinheiro usado para quitar os direitos. Como se vê, não foram apenas a ISL, João Havelange e Ricardo Teixeira que tiraram proveito de negócios obscuros em refúgios fiscais.

Como vimos no caso do comício das Diretas, também no caso Teixeira a Globo tirou proveito da descontextualização: focou nas “vitórias” em campo do cartola. 

O que nos leva ao episódio Tim Maia. 

Não só o filme sobre o cantor mostra Roberto Carlos numa luz não muito agradável. O livro em que o filme foi baseado também o faz, com menos dramaticidade. 

Sim, registra que Roberto Carlos, a pedido da mulher Nice, levou Tim Maia para fazer um disco na gravadora CBS. Mas também conta que Tim Maia ofereceu a Roberto Carlos a música Não Vou Ficar, que se tornou o primeiro sucesso de Tim, com proveito para ambos.

O livro, pelo menos, deixa claro que houve rusgas e ciumeira entre os dois: 
“Ô mermão, o Roberto aprendeu tudo comigo, mas o Roberto é branco, mermão, branco não dá, o que ele tem é que me botar na Jovem Guarda, mas ele tem medo porque sabe que eu entro e acabo logo com a banca dele”. 
Se era difícil encontrar Roberto, era impossível falar com ele, sempre cercado por um monte de gente, secretários, seguranças e puxa-sacos. Tim achava que Roberto não queria chamá-lo porque a Jovem Guarda era um programa de bons moços e ele era o Tim que puxava cadeia e fumava maconha.

O primeiro problema entre eles, ainda segundo o livro, foi quando Roberto Carlos, integrante da banda Sputniks, de Tim Maia, decidiu cantar sozinho, “por fora”, sem consultar antes os parceiros. Deu briga.

Na minissérie da Globo, além de cortar o trecho do filme em que Roberto Carlos humilha Tim Maia, a emissora deu a seu contratado, segundo a Folha, a oportunidade de dizer que ajudou Tim. 

Mais que isso, numa cena inédita colocou o ator que encarna Tim Maia no cinema para dizer na minissérie:
E foi assim, rapaziada, que Roberto Carlos lançou o gordo mais querido do Brasil”.
Assim, a Globo transformou uma relação complexa de amor e ódio, ajuda e competição — pelo menos é assim que aparece no livro — numa simplificação que beneficia HOJE a imagem de seu parceiro de negócios. Como aconteceu com Ricardo Teixeira.


   Luis Carlos Azenha


Postado no blog Contraponto em 06/01/2015


Street art, arte urbana ou arte de rua em 3D ou não










































































Que idade você tem?




Flávia Côrtes

Já me disseram muitas vezes que eu não aparento a idade que tenho. Normalmente, respondo só com um sorriso.

Mas, às vezes, o interlocutor insiste e o jeito é dar crédito à genética, que me deu uma pele boa, ao riso que me acompanha ou ao pouco sol que tomei nessa vida.

É a face mais fácil da resposta e eu a uso sem pudor, por preguiça de explicar. A verdade inteira fica guardada com as mesmas convicções que me fazem não desistir de escolher sorvetes pela cor, de gostar de ler poesia em voz alta e só escrever quando as palavras começam a rodar em volta de mim.

Tem dia que acordo neném e nem ligo… me enrolo em feto e deixo a manhã me ninar. Tem hora que me permito velha e vejo cética…. Aí, antes que doa, rodo o olho no azul e deixo a luz entrar pela retina, direto, até a alma.

Suspiro e solto a menina. Criança, sorrio confiante e crio. Em um minuto, mulher, resolvo, faço, organizo, desorganizo, desfaço, sinto… 

Dispersa, intercalo a menina com a mulher, sem precisar, sem querer, sem poder… sem saber ou simplesmente por ser.

Sou eu que tenho a idade. Não é a idade que me tem.



Postado no site Conti Outra em 05/01/2014

 

O tempo e o vento




Você já parou para pensar sobre a função desses dois elementos para as nossas vidas? 

Texto: Eduardo Moreira 





Depois de criar o homem, Deus pôs-se a pensar
O que eles farão da vida, sem o medo dela passar
Criou então algo novo que consumisse a vida aos poucos
E como moeda de troca fosse gasto a cada evento
Usaríamos a todo instante sem ter direito a troco
E a ele deu um nome, batizou-o então de TEMPO


Mas logo após criá-lo, notou que não o sabiam usar
Viviam de forma tola, como se nunca fosse acabar
Mas como exigir que o homem pudesse saber gerir
Algo que não podia tocar, nem mesmo ver ou sentir
Então o grande Arquiteto criou um irmão pro tempo
Possível de ser sentido, lhe deu o nome de VENTO


Esqueçam portanto o tempo 
Difícil de compreender
Aprendam mirando o vento
Que em poesia ensina a viver


O vento quando se apressa, e sopra o seu vigor
Destrói o que lhe atravessa, causando pânico e dor
Já sua brisa leve, constante e cadenciada
Transporta pequenos grãos, e parece não dar em nada
Mas muitos pequenos grãos, de forma coordenada
Constroem dunas enormes, semeiam a terra arada


O vento só anda pra frente
Não lembra por onde passou
Por saber viver o presente
É jovem e nunca cansou


Às vezes, sopra tão leve a ponto de silenciar
Assim como fazemos com o tempo, 
Passamos a questionar
Estaria ele ainda aqui? Difícil imaginar
Mas bastam alguns segundos, para termos de respirar
Então nos parece claro, que Deus com seu dedo em riste
Nos fala de forma firme: "Não é só o que tu vês que existe"


Juntos, o tempo e vento, nos passam a grande lição
Vivam daqui pra frente
Saibam pedir perdão


Construam sem ansiedade, não deixem de acreditar
Devagar se chega longe, o que nos atrasa é parar
Creiam no que não veem, saibam agradecer
Busquem menos posses, preocupem-se mais em ser
Bailem por onde passam, espalhem a esperança
Ajudem o que é mais velho, encantem uma criança
Partam sem deixar mágoas, demonstrem o seu apreço
Onde veem um fim é sempre um novo começo 


Meu tempo ainda é mistério, de tudo já ouvi falar
Uns dizem que um dia acaba, que tenho de aproveitar
Mas de outros ouvi também, com muita convicção
Que a vida é só passagem e a morte, conexão
Mas Deus me deu o vento, para o tempo melhor entender
Lhe deixo a face aberta, e peço pra responder


Uivando em meus ouvidos, sussurra então pra mim:
"Meu jovem, não se preocupe, seu tempo não terá fim
Por mais que seu corpo acabe, e pó você venha a virar
Lhe carregarei no colo, e seu pó irei semear
Te transformarás em flores e vidas irás enfeitar
Ou mesmo talvez em frutos, pra outros alimentar


Estarás então em tudo, assim como eu estou
Serás como tempo e vento, irás para onde vou
Não espere esse dia chegar, já podes compreender
Onde avistam seus olhos, em tudo que pode ver
Existe a unidade, são todos pedaços seus
Por isso és dito homem, mas revelo-te: também és Deus!"


Eduardo Moreira (autor de "Encantadores de Vidas")




Uma nova civilização ou o fim do mundo?





Leonardo Boff

Há vozes de personalidades de grande respeito que advertem que estamos já dentro de uma Terceira Guerra Mundial. 

A mais autorizada é a do Papa Francisco. No dia 13 de setembro deste ano, ao visitar um cemitério de soldados italianos mortos em Radipuglia perto da Eslovênia disse: ”a Terceira Guerra Mundial pode ter começado, lutada aos poucos com crimes, massacres e destruições”.

O ex-chanceler alemão Helmut Schmidt em 19/12/2014, com 93 anos, adverte acerca de uma possível Terceira Guerra Mundial, por causa da Ucrânia. Culpa a arrogância e os militares burocratas da União Europeia, submetidos às políticas belicosas dos USA. 

George W. Bush chamou a guerra ao terror, depois dos atentados contra as Torres Gêmea, de “World War III”. 

Eliot Cohen, conhecido diretor de Estudos Estratégicos da Johns Hopkins University, confirma Bush bem como Michael Leeden, historiador, filósofo neoconservador e antigo consultor do Conselho de Segurança dos USA que prefere falar na Quarta Guerra Mundial, entendendo a Guerra Fria com suas guerras regionais como já a Terceira Guerra Mundial. 

Recentemente (22/12/2014), conhecido sociólogo e analista da situação do mundo Boaventura de Souza Santos escreveu um documentado artigo sobre a Terceira Guerra Mundial (Boletim Carta Maior de 22/12/2014). E outras vozes autorizadas se fazem ouvir aqui e acolá.

A mim me convence mais a análise, diria profética, pois está se realizando como previu, Jacques Attali em seu conhecido livro Uma breve história do futuro (Novo Século, SP 2008). 

Foi assessor de François Mitterand e atualmente preside a Comissão dos “freios ao crescimento”. Trabalha com uma equipe multidisciplinar de grande qualidade. 

Ele prevê três cenários: 

(1) O super-império composto pelos USA e seus aliados. Sua força reside em poder destruir toda a humanidade. Mas está em decadência devido à crise sistêmica da ordem capitalista. Rege-se pela ideologia do Pentago do ”full spectrum dominance” (dominação do espectro total) em todo os campos, militar, ideológico, político, econômico e cultural. Mas foi ultrapassado economicamente pela China e tem dificuldades de submeter todos à lógica imperial. 

(2) O superconflito: com a decadência lenta do império, dá-se uma balcanização do mundo, como se constata atualmente com conflitos regionais no norte da Africa, no Oriente Médio, na Africa e na Ucrânia. Esses conflitos podem conhecer um crescendo com a utilização de armas de destruição em massa (vide Síria, Iraque), depois de pequenas armas nucleares (existem hoje milhares no formato de uma mala de executivo) que destroem pouco mas deixam regiões inteiras por muitos anos inabitáveis devido à alta radioatividade. Pode-se chegar a um ponto com a utilização generalizada de armas nucleares, químicas e biológica em que a humanidade se dá conta de que pode se autodestruir. 

E então surge (3) o cenário final: a superdemocracia. Para não se destruir a si mesma e grande parte da biosfera, a humanidade elabora um contrato social mundial, com instâncias plurais de governabilidade planetária. Com os bens e serviços naturais escassos devemos garantir a sobrevivência da espécie humana e de toda a comunidade de vida que também é criada e mantida pela Terra -Gaia.

Se essa fase não surgir, poderá ocorrer o fim da espécie humana e grande parte da biosfera. Por culpa de nosso paradigma civilizatório racionalista.

Expressou-o bem o economista e humanista Luiz Gonzaga Belluzzo, recentemente: “O sonho ocidental de construir o habitat humano somente à base da razão, repudiando a tradição e rejeitando toda a transcendência, chegou a um impasse. 

A razão ocidental não consegue realizar concomitantemente os valores dos direitos humanos universais, as ambições do progresso da técnica e as promessas do bem-estar para todos e para cada um” (Carta Capital 21/12/2014).

Em sua irracionalidade, este tipo de razão, constrói os meios de dar-se um fim a si mesma.

O processo de evolução deverá possivelmente esperar alguns milhares ou milhões de anos até que surja um ser suficientemente complexo, capaz de suportar o espírito que, primeiro, está no universo e somente depois em nós.

Mas pode também irromper uma nova era que conjuga a razão sensível (do amor e do cuidado) com a razão instrumental-analítica (a tecnociência). 

Emergirá, enfim, o que Teilhard de Chardin chamava ainda em 1933 na China a noosfera: as mentes e os corações unidos na solidariedade, no amor e no cuidado com a Casa Comum, a Terra. 

Escreveu Attali: ”quero acreditar, enfim, que o horror do futuro predito acima, contribuirá para torná-lo impossível; então se desenhará a promessa de uma Terra hospitaleira para todos os viajantes da vida (op.cit. p. 219).


Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor


Postado no site Pragmatismo Político em 02/01/2015


Nota

O termo Terra-Gaia vem da Mitologia grega, de Gaia, Géia, Gea ou Gê era a deusa da Terra, a Mãe Terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora quase absurda.









Globo desrespeita memória de Mário Lago






Léa Maria Aarão Reis no site Carta Maior:

"Acredito que as palavras dela jogam luz onde queriam sombras," diz Mario Lago Filho, irmão da jornalista Graça Lago. 

Ela é a filha do ator Mário Lago cuja indignação, em nota redigida há cerca de dez dias, mobilizou e continua repercutindo em todo o Brasil, nas redes sociais e na mídia digital. 

Ela denuncia a manipulação política da TV Globo mudando “o perfil do premio” que leva, há 13 anos, o nome de seu pai, tradicionalmente uma homenagem a profissionais - atores, atrizes, compositores, cantores - do mundo da dramaturgia e do entretenimento.

Este ano, de repente, o premio foi conferido a um jornalista - da Globo, é claro ... -, o editor chefe do principal telejornal da emissora que vem perdendo audiência de modo significativo. 


Um profissional duramente criticado, durante 2014, pela crescente manipulação do noticiário de modo geral e pela chocante agressividade ao entrevistar a Presidente Dilma Roussef, então em campanha eleitoral, com uma abordagem grosseira à candidata e definitivamente reveladora das suas ideologias particulares permeando o jornalismo envenenado que pratica.


Um exemplo acabado do tipo de jornalismo dos chiens de garde; os cães de guarda* das redações, como se referem os franceses àquele profissional que, em outra oportuna expressão, essa cunhada pelo jornalista Mino Carta, consegue ser pior do que os seus patrões. 

“A questão é a mudança do chamado “perfil” do prêmio. Agora, teve uma conotação nitidamente política,” escreve Graça, ao nos responder à entrevista. 

“Ele sempre foi dedicado a artistas, especialmente atores, com três exceções: Gilberto Gil, Roberto Carlos e Hebe Camargo. Foi uma decisão política da globo, com certeza. Uma tentativa de fazer um desagravo ao Bonner. Mas, pela péssima repercussão que teve essa decisão, parece que foi um tiro no pé. Eles ainda não entenderam que o povo não é bobo.”

“Neste ano,” observa Graça Lago à Carta Maior, ”foi tudo diferente, desde o formato. 

A Globo transformou a premiação (que sempre foi despretensiosa) em um grande ato político. É importante frisar isso. Em um ato sem comparação na própria história da emissora, dedicou quase mais de uma hora do faustão ao prêmio, com inesgotáveis elogios ao Bonner e ao jornal nacional. 

Foi quase um longa-metragem, um ato político com o objetivo de desagravar o jornalista e o decadente jornalismo global que vem sendo duramente criticado pelo facciosismo, partidarismo e reacionarismo. 

A globo não faz jornal; faz panfleto. E o Bonner é um dos alicerces dessa postura.”

O que mais indignou a família do ator falecido em 2002 e conhecido pela sua integridade e posições políticas à esquerda foi o fato da Globo relacionar, no troféu, o nome de Mário Lago, militante notório e permanente das causas sociais e do Partido dos Trabalhadores à atuação de um mau jornalista que se arvora, com hipocrisia, imparcial, neutro e isento no exercício da profissão; mas que na verdade defende suas convicções reacionárias envenenando a informação cotidiana. 

“Um posicionamento que é, em tudo, o oposto do que o meu pai sempre defendeu e pelo que lutou a vida toda, o que rendeu a ele sete prisões políticas,” lembra a filha de Mário Lago. 

“ Além disso, desde 1989 papai estava alinhado com o PT, participou de campanhas do PT, militou no partido (embora não fosse filiado, porque também nunca se filiou a qualquer partido, nem ao PCB).

Foi uma ofensa à memória dele, à sua história, a tentativa de associar o seu nome a algo e a uma pessoa que ele, se estivesse vivo, certamente condenaria e combateria. 

Papai não emprestaria o nome dele a esse papel. A mim, causou tanta indignação quanto como se tivessem entregado o Troféu Mário Lago diretamente ao retroaecio - (desculpem, eu não nomeio a pessoa.) ”

“E, como se não bastasse, o Bonner, na sua fúria antidemocrática, ainda lançou críticas às redes sociais especialmente àqueles que o criticam e ao jornalismo da globo; portanto, nós. 

Nos chamou de robôs, de instrumentalizados, de estar a serviço de partidos (como se o JN não estivesse!). Foi demais.”

A família soube da premiação, na sua primeira versão, quando ela foi ao ar. “Foi uma surpresa. Fiquei profundamente emocionada quando, passados apenas sete meses da morte de papai, foi anunciado o prêmio, com um belo clipping sobre a trajetória dele e dedicado à grande atriz e pessoa de Laura Cardoso.” 

Pergunto à Graça: Alguma vez a Globo procurou vocês pedindo autorização, até por uma questão de delicadeza, de consideração, de polidez, para usar o nome de Mário Lago neste troféu? 


“Não. Mas nós procuramos não submeter a herança e a memória de papai a barreiras que tornem inaccessível o acesso a ele. Nesse aspecto, somos bastante liberais. O que impedimos é o uso indevido, é a distorção, é o uso comercial descontrolado, é o desrespeito. Então, o prêmio nos pareceu uma maneira de manter viva a memória dele junto àquele público. Uma coisa boa. 

Só neste ano, quando a globo imprime um caráter essencialmente político ao prêmio e usa o nome de papai para beneficiar uma pessoa contrária a ele é que isso pesou. Mas parece que foi o último ano do prêmio. Depois desta vez, espero sinceramente que sim.”

Vocês consultaram advogado, ou pretendem fazê-lo, para desautorizar a Globo de instituir, no futuro, esse premio com o nome do seu pai? Vocês vão à justiça? 

“Depois de 13 anos, fica difícil, do ponto de vista jurídico, questionar a existência do Troféu Mário Lago. Mas não acredito que será necessário. Duvido que a globo repita a premiação.” 

E vocês, filhos de Mário Lago, vão levar adiante o projeto de instituírem o verdadeiro Prêmio Mário Lago em 2015? 

“Alguns amigos, como o produtor cultural Paulinho Figueiredo e o Márcio Brant, deram essa ideia, do Troféu Verdadeiro Mário Lago. A cerimônia seria no BIP-BIP, em Copacabana, único bar que tem projeto social e compromisso político. 

É um reduto democrático e cultural do Rio. Pode ser que role. Será uma votação democrática. Mas eu já tenho algumas indicações: se for artista, a cantora Beth Carvalho, guerreira de 2014, e o ator e eterno grande aprendiz Tonico Pereira. Se for jornalista, todos os profissionais dos blogs de resistência ao monopólio da mídia. Sempre recomendo: quem quiser se informar vá aos blogs.”

A repercussão do fato continua. Como ela está sendo agora? 

“A repercussão é muito além do que eu pensava. O assunto esteve no topo dos assuntos mais populares em blogs como o Viomundo, Diário do Centro do Mundo, BR 24/7... é espantoso. 

Em um único dia, recebi mais de mil pedidos de amizade no facebook. Não estou dando conta de responder todas as mensagens. Só recebi três mensagens negativas, me condenando. O que mais vem é apoio. Há pessoas que até me chamam de corajosa, exemplar, guerreira. Isso tem muito a ver com a força que se acredita que a globo tenha. 

Muitos temem a globo, inclusive pessoas cujas carreiras nem passam perto do mercado da globo. Por isso, acho que acabou sendo um tiro no pé que colocou sob os holofotes o que estava se aquietando. 

Foi um erro enorme de marketing, falando a linguagem deles. Não sei quem aconselhou ou exigiu, mas esse alguém errou porque voltou a chamar enormemente a atenção para os desmandos da emissora.”

Nem todos percebem que em 50 anos, o mundo mudou e cada vez há menos Homers Simpsons na audiência do JN - aqueles mesmos robôs assim batizados pelo próprio editor chefe do noticiário. 


Abaixo, a Nota de Graça Lago 

Primeiro, me apresento – sou Graça Lago, filha de Mário Lago, tenho 63 anos, 50 de militância política e 46 de jornalismo. 

O prêmio com o nome de papai foi instituído em 2002, ano da morte dele, e parecia uma homenagem bacana à memória dele. Nada grandioso, nem um pouco espetacular, apenas um prêmio corriqueiro de uma emissora de TV (onde ele trabalhou muitos anos) e destinado a homenagear artistas, principalmente atores. Nada especial, mas que poderia manter a sua lembrança viva. Bacana. 

Nunca nos consultaram sobre isso, mas confesso que fiquei profundamente emocionada quando, passados sete meses da morte de papai, foi anunciado o prêmio, com um belo clipping sobre a trajetória dele e dedicado à grande atriz e pessoa de Laura Cardoso. 

Durante todos esses anos, o prêmio se manteve em um patamar honesto, com homenagens a diferentes artistas. Ainda que não concordasse com um ou outro, nenhum ofendia a memória de papai; nem na escolha e nem na cerimônia, é importantíssimo registrar. 

Mas, desta vez, foi tudo diferente, foi tudo armado e instrumentalizado (como quer o Bonner) para fazer da premiação um ato político, de defesa das orientações facciosas da globo e de seu principal (embora decadente) telejornal.  

Foi uma pretensa maneira de usar o prêmio para abafar as críticas que a partidarização do JN e de seu editor/apresentador vêm recebendo. 

Em tudo o prêmio fugiu aos seus propósitos originais. Bonner não é um artista, a não ser na arte de manipular e omitir os fatos. 


O evento virou um circo de elogios instrumentalizados. Enaltecer a “imparcialidade” com que ele e sua parceira conduziram as entrevistas com os presidenciáveis é esquecer que ele não deu espaço para uma só resposta de Dilma Rousseff; é esquecer que ele e sua parceira ocuparam mais da metade do tempo estipulado para a entrevista com a presidenta.


É esquecer que esse tratamento não foi dedicado a qualquer outro entrevistado. 

É esquecer que, mesmo no auge das denúncias sobre os escândalos dos aeroportos de Cláudio e Montezuma, o sr. Aécio não foi pressionado nem um terço do que foi Dilma Rousseff para explicar os flagrantes delitos dos empreendimentos. 

É esquecer que, mesmo frente às denúncias da ilegalidade do jato de Eduardo Campos, a sra. Marina não teve qualquer questionamento contundente (e viajava, sim, no jato). 

Isso para não falar de mil e outros atos de atentado à informação, praticados no JN, como bem foi demonstrado pelo laboratório da UERJ.

Mas não parou aí. Ouvir o Bonner criticar as redes sociais revirou o meu estômago. 

Ouvir o Bonner chamar os que o criticam, e à Globo, de robôs instrumentalizados é inqualificável. É um atentado à democracia. 

Tudo demonstra que o prêmio, criado talvez até por força de uma admiração por meu pai, foi usado este ano politicamente, para proteger, com a respeitabilidade e memória de Mário Lago, o que não tem respeito, nem nunca terá. 

Se a intenção foi política, politicamente me manifestei. 

Não poderia ouvir calada todas essas imensas ofensas à memória de meu pai. 

Meu pai era um homem político, e assim se manifestava e comportava cotidianamente. 

Não aceitaria, jamais, ser manipulado por excrescências como essa. Vi meu pai recusar propagandas bem remuneradas por discordar politicamente delas. Sempre trabalhou e ganhou o seu salário com a maior decência.
...

A Globo tentou jogar no lixo a biografia do meu pai. A isso digo não e me manifesto publicamente sobre a imensa farsa montada nesta premiação do jornalismo mais instrumentalizado e faccioso deste país.