Jesus de Nazaré : pacifista moderado ou revolucionário fervoroso ?


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Jesus expulsando os vendilhões (cambistas), episódio conhecido também como limpeza do Templo



Introdução da premiada obra Zelota: A Vida e a Época de Jesus de Nazaré, escrito pelo iraniano-americano Reza Aslan, procura recuperar os feitos políticos e religiosos do Jesus histórico na Palestina de 2.000 anos atrás. Aslan questiona a imagem de Jesus como um mestre espiritual pacífico, promovida pela Igreja, revelando seu lado militante radical.

É um milagre que saibamos alguma coisa sobre o homem chamado Jesus de Nazaré


O pregador itinerante, vagando de cidade em cidade clamando sobre o fim do mundo e sendo seguido por um bando de maltrapilhos, era uma visão comum no tempo de Jesus – tão comum, de fato, que havia se tornado uma espécie de caricatura entre a elite romana. 

Em uma passagem burlesca sobre uma dessas figuras, o filósofo grego Celso imagina um homem santo judeu perambulando pelos campos da Galileia, gritando para ninguém em particular: “Eu sou Deus, ou o servo de Deus, ou um espírito divino. Mas eu estou chegando, pois o mundo já está em vias de destruição. E em breve tu me verás chegando com o poder dos céus.”


O século I foi uma era de expectativa apocalíptica entre os judeus da Palestina, a designação romana para a vasta extensão de terra que abrange os atuais Estados de Israel/Palestina, bem como grande parte da Jordânia, Síria e Líbano. 

Inúmeros profetas, pregadores e messias caminhavam pela Terra Santa proclamando mensagens do iminente julgamento de Deus. Conhecemos pelo nome muitos desses chamados “falsos messias”. Alguns são até mesmo mencionados no Novo Testamento. O profeta Teudas, segundo o Livro de Atos, tinha quatrocentos discípulos antes de Roma o capturar e lhe cortar a cabeça. Uma figura carismática e misteriosa conhecida apenas como “o Egípcio” levantou um exército de seguidores no deserto, e quase todos foram massacrados pelas tropas romanas. 

Em IV a.C., ano em que a maioria dos estudiosos acredita que Jesus de Nazaré nasceu, um pobre pastor chamado Atronges colocou um diadema na cabeça e coroou-se “rei dos judeus”; ele e seus seguidores foram brutalmente mortos por uma legião de soldados. Outro aspirante messiânico, chamado simplesmente de “o Samaritano”, foi crucificado por Pôncio Pilatos, embora não tivesse levantado nenhum exército e de maneira alguma tivesse desafiado Roma – uma indicação de que as autoridades, sentindo a febre apocalíptica no ar, tinham se tornado extremamente sensíveis a qualquer sinal de sedição. 

Houve Ezequias, chefe dos bandidos, Simão da Pereia, Judas, o Galileu, seu neto Menahem, Simão, filho de Giora, e Simão, filho de Kochba – todos postulantes de ambições messiânicas e todos executados por Roma por isso. 

Acrescente-se a essa lista a seita dos essênios, da qual alguns membros viveram em reclusão no alto do planalto seco de Qumran, na costa noroeste do mar Morto; o partido revolucionário judeu do século I, conhecido como partido zelota, ou zelote*, que ajudou a lançar uma guerra sangrenta contra Roma; e os temíveis bandidos-assassinos a quem os romanos apelidaram de sicários (“homens dos punhais”), e a imagem que emerge da Palestina no século I é a de uma era imersa em energia messiânica.

É difícil enquadrar Jesus de Nazaré em qualquer um dos movimentos político-religiosos conhecidos de seu tempo. Ele era um homem de contradições profundas, um dia pregando uma mensagem de exclusão racial (“Eu fui enviado apenas às ovelhas perdidas de Israel”, Mateus 15:24), no outro, de benevolente universalismo (“Ide e fazei discípulos de todas as nações”, Mateus 28:19); às vezes clamando por paz incondicional (“Bem - aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”, Mateus 5:9), às vezes promovendo violência e conflitos (“Se tu não tens uma espada, vai vender teu manto e compra uma”, Lucas 22:36).


O problema de situar o Jesus histórico é que, fora do Novo Testamento, não há quase nenhum vestígio do homem que iria alterar de modo permanente o curso da história humana. 

A referência não bíblica mais antiga e mais confiável de Jesus é do historiador judeu Flávio Josefo, do século I (morto em 100 d.C.). Em uma breve passagem na sua obra Antiguidades, Josefo escreve sobre um diabólico sumo sacerdote judeu chamado Ananus que, após a morte do governador romano Festo, condenou ilegalmente um certo “Tiago, irmão de Jesus, o que eles chamam de messias” a apedrejamento por transgressão da lei. A passagem continua relatando o que aconteceu com Ananus após o novo governador, Albino, finalmente chegar a Jerusalém.


Fugaz e indiferente como esta alusão pode ser (a frase “o que eles chamam de messias” é claramente destinada a expressar escárnio), ela, no entanto, contém um enorme significado para todos aqueles que procuram qualquer sinal do Jesus histórico. 

Em uma sociedade sem sobrenomes, um nome comum como Tiago exigia um apelativo específico – lugar de nascimento ou o nome do pai – para distingui-lo de todos os outros homens chamados Tiago perambulando pela Palestina (daí Jesus de Nazaré). Nesse caso, o apelativo de Tiago foi fornecido pela sua ligação fraternal com alguém que Josefo assume ser familiar à sua audiência. A passagem prova não apenas que “Jesus, o que eles chamam de messias” provavelmente existiu, mas que pelo ano de 94 d.C., quando a obra Antiguidades foi escrita, era amplamente reconhecido como o fundador de um movimento novo e duradouro.


É esse movimento, não o seu fundador, que recebe a atenção de historiadores do século II, como Tácito (morto em 118) e Plínio, o Jovem (morto em 113), que mencionam Jesus de Nazaré mas revelam pouco sobre ele além de sua prisão e execução – uma importante nota histórica, como veremos, mas que lança pouca luz sobre os detalhes da vida de Jesus. Somos, portanto, restritos às informações que possam ser obtidas a partir do Novo Testamento.

O primeiro testemunho escrito que temos sobre Jesus de Nazaré vem das epístolas de Paulo, um dos primeiros seguidores de Jesus, que morreu por volta de 66 d.C. (a primeira epístola de Paulo, 1 Tessalônicos, pode ser datada entre 48 e 50 d.C., cerca de duas décadas depois da morte de Jesus).

O problema com Paulo, no entanto, é que ele exibe uma extraordinária falta de interesse pelo Jesus histórico. Apenas três cenas da vida de Jesus são mencionadas em suas epístolas: a Última Ceia (1 Coríntios 11:23-26), a crucificação (1 Coríntios 2:2), e, mais importante para Paulo, a ressurreição, sem a qual, segundo ele, “a nossa pregação é vazia e sua fé é em vão” (1 Coríntios 15:14). Paulo pode ser uma excelente fonte para os interessados na formação inicial do cristianismo, mas é um guia pobre para se descobrir o Jesus histórico.


Isso nos deixa com os evangelhos, que apresentam seu próprio conjunto de problemas. 

Primeiro de tudo, é preciso reconhecer que, com a possível exceção do evangelho de Lucas, nenhum dos evangelhos que temos foi escrito pela pessoa que o nomeia. Isso é verdade para a maioria dos livros do Novo Testamento. 

Tais obras, chamadas pseudoepigráficas – obras atribuídas a um autor específico, mas não escritas por ele -, eram extremamente comuns no mundo antigo e não devem ser, de forma alguma, consideradas falsificações. Nomear um livro em homenagem a alguém era uma forma padrão de refletir as crenças daquela pessoa ou representar sua escola de pensamento. 

Independentemente disso, os evangelhos não são, nem foram, jamais pensados para ser uma documentação histórica da vida de Jesus. Eles não são relatos de testemunhas oculares das palavras e atos de Jesus. Eles são testemunhos de fé compostos por comunidades de fé e escritos muitos anos depois dos acontecimentos que descrevem.

Simplificando, os evangelhos nos dizem sobre Jesus, o Cristo, e não sobre Jesus, o homem.


A teoria mais aceita sobre a formação dos evangelhos, “A teoria das duas fontes”, sustenta que o testemunho de Marcos foi escrito algum tempo depois de 70 d.C., cerca de quatro décadas depois da morte de Jesus. Marcos tinha à disposição um conjunto de tradições orais e talvez um punhado de tradições escritas que haviam sido repassadas pelos primeiros seguidores de Jesus durante anos. 

Ao adicionar uma narrativa cronológica a este amontoado de tradições, Marcos criou um gênero literário totalmente novo chamado evangelho, palavra grega (evangelion) para “boa notícia”. 

Contudo, o evangelho de Marcos é, para muitos cristãos, curto e um tanto insatisfatório. Não há nenhuma narrativa da infância; Jesus simplesmente chega, um dia, às margens do rio Jordão para ser batizado por João Batista. Não há aparições da ressurreição. Jesus é crucificado. Seu corpo é colocado em um sepulcro. Poucos dias depois, o túmulo está vazio. Mesmo os primeiros cristãos ansiavam por mais informações em função da brusca narrativa de Marcos sobre a vida e o ministério de Jesus, por isso coube aos sucessores de Marcos – Mateus e Lucas – aperfeiçoar o texto original.


Duas décadas depois de Marcos, entre 90 e 100 d.C., os autores de Mateus e Lucas, trabalhando de forma independente um do outro e tomando o manuscrito de Marcos por modelo, atualizaram a história do evangelho, adicionando suas próprias e exclusivas tradições, incluindo duas narrativas da infância diferentes e conflitantes e uma série de histórias de ressurreição elaboradas para satisfazer seus leitores cristãos. 

Mateus e Lucas também se basearam no que deve ter sido uma coleção antiga e bastante difundida de ditos de Jesus que os estudiosos têm denominado Q (do alemão Quelle, ou “fonte”). Embora já não tenhamos nenhuma cópia física desse documento, podemos inferir seu conteúdo compilando versos que Mateus e Lucas têm em comum, mas que não aparecem em Marcos.


Juntos, esses três evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, tornaram-se conhecidos como os sinópticos (grego para “vistos juntos”), porque eles mais ou menos apresentam uma narrativa e uma cronologia iguais sobre a vida e o ministério de Jesus, que é muito em desacordo com o quarto evangelho, o de João, que foi provavelmente escrito logo após o fim do século I, entre 100 e 120 d.C.

Estes são, assim, os evangelhos canônicos. Mas eles não são os únicos evangelhos. Temos hoje acesso a uma biblioteca inteira de escrituras não canônicas, escritas principalmente nos séculos II e III, que fornecem uma perspectiva muito diferente sobre a vida de Jesus de Nazaré.

Estas incluem o evangelho de Tomé, o evangelho de Filipe, o Livro Secreto de João, o evangelho de Maria Madalena e uma série de outros chamados “evangelhos gnósticos”, descobertos no alto Egito, perto da cidade de Nag Hammadi, em 945.

Embora eles tenham sido deixados de fora do que se tornaria o Novo Testamento, esses livros são importantes na medida em que demonstram a dramática divergência de opinião que existia sobre quem era Jesus e o que Jesus significava, mesmo entre aqueles que andaram com ele, que compartilharam seu pão e comeram com ele, que ouviram suas palavras e oraram com ele.


No final, há apenas dois fatos históricos efetivos sobre Jesus de Nazaré nos quais podemos realmente confiar: o primeiro é que Jesus foi um judeu que liderou um movimento popular judaico na Palestina no início do século I d.C.; o segundo é que Roma o crucificou por isso.

Por si sós, esses dois fatos não podem fornecer um retrato completo da vida de um homem que viveu há 2 mil anos. Mas quando combinados com tudo o que sabemos sobre a época tumultuada em que Jesus viveu – e graças aos romanos sabemos bastante -, esses dois fatos ajudam a pintar um retrato de Jesus de Nazaré que pode ter mais precisão histórica do que o pintado pelos evangelhos. 

Na verdade, o Jesus que emerge desse exercício histórico – um revolucionário fervoroso arrebatado, como todos os judeus da época o foram, pela agitação política e religiosa da Palestina do século I – tem pouca semelhança com a imagem do manso pastor cultivado pela comunidade cristã primitiva.


Considere o seguinte: a crucificação era uma punição que Roma reservava quase exclusivamente para o crime de sedição. A placa que os romanos colocaram acima da cabeça de Jesus enquanto ele se contorcia de dor – “Rei dos Judeus” – era chamada de titulus, e, apesar da percepção comum, não era para ser sarcástica. 

Todo criminoso que era pendurado em uma cruz recebia uma placa declarando o crime específico pelo qual estava sendo executado. O crime de Jesus, aos olhos de Roma, foi o de buscar o poder político de um rei (ou seja, traição), o mesmo crime pelo qual foram mortos quase todos os outros aspirantes messiânicos da época. 

E Jesus também não morreu sozinho. Os evangelhos afirmam que em ambos os lados de Jesus estavam pendurados homens que, em grego, eram chamados lestai, uma palavra muitas vezes traduzida como “ladrões”, mas que, na verdade, significa “bandidos” e era a designação romana mais comum para um insurreto ou rebelde.


Três rebeldes em uma colina coberta de cruzes, cada cruz com o corpo torturado e ensanguentado de um homem que ousou desafiar a vontade de Roma. Essa imagem por si só deveria lançar dúvidas sobre a interpretação dos evangelhos de Jesus como um homem de paz incondicional quase totalmente isolado das convulsões políticas de seu tempo.

A ideia de que o líder de um movimento messiânico popular pedindo a imposição do “Reino de Deus” – um termo que teria sido entendido, tanto por judeus quanto por gentios, como implicando revolta contra Roma – pudesse ter permanecido sem envolvimento com o fervor revolucionário que atingiu quase todos os judeus na Judeia é simplesmente ridícula.


Por que os escritores dos evangelhos iriam tão longe para amainar o caráter revolucionário da mensagem e do movimento de Jesus

Para responder a essa pergunta, devemos primeiro reconhecer que quase toda história dos evangelhos escrita sobre a vida e a missão de Jesus de Nazaré foi composta após a rebelião judaica contra Roma, em 66 d.C.

Naquele ano, um grupo de rebeldes judeus, estimulado por seu fervor por Deus, levou seus companheiros judeus à rebelião. Milagrosamente, os rebeldes conseguiram libertar a Terra Santa da ocupação romana. Durante quatro anos gloriosos, a cidade de Deus esteve de novo sob controle judaico. 

Então, em 70 d.C., os romanos voltaram. Depois de um breve cerco a Jerusalém, os soldados violaram as muralhas da cidade e desencadearam uma orgia de violência contra seus residentes. Eles massacraram todos em seu caminho, acumulando cadáveres sobre o Monte do Templo. Um rio de sangue corria pelas ruas de paralelepípedos. Quando o massacre foi completado, os soldados atearam fogo ao Templo de Deus. Os incêndios se espalharam para além do Monte do Templo, envolvendo os prados de Jerusalém, as terras cultivadas, as oliveiras. Tudo queimado. 

Tão completa foi a devastação praticada sobre a Cidade Santa que Josefo escreve que nada fora deixado que provasse que Jerusalém já tinha sido habitada. Dezenas de milhares de judeus foram massacrados. O resto foi levado acorrentado para fora da cidade.


O trauma espiritual enfrentado pelos judeus após esse evento catastrófico é difícil de imaginar. Exilados da terra a eles prometida por Deus, forçados a viver como párias entre os pagãos do Império Romano, os rabinos do século II gradual e deliberadamente divorciaram o judaísmo do nacionalismo messiânico radical que tinha iniciado a guerra malfadada com Roma. A Torá substituiu o Templo no centro da vida judaica, e surgiu o judaísmo rabínico.

Os cristãos também sentiram necessidade de se distanciarem do fervor revolucionário que levara ao saque de Jerusalém, não só porque isso permitia à Igreja primitiva afastar a ira de uma Roma profundamente vingativa, mas também porque, tendo a religião judaica se tornado pária, os romanos tinham se transformado no principal alvo de evangelismo da Igreja.

Assim começou o longo processo de transformar Jesus de um nacionalista judeu revolucionário em um líder espiritual pacífico, sem nenhum interesse em qualquer assunto terreno. Esse era um Jesus que os romanos podiam aceitar, e de fato aceitaram três séculos mais tarde, quando o imperador romano Flávio Teodósio (morto em 395) fez do movimento do pregador judeu itinerante a religião oficial do Estado, e nascia o que hoje reconhecemos como o cristianismo ortodoxo.


Este livro é uma tentativa de recuperar, tanto quanto possível, o Jesus da história, o Jesus antes do cristianismo: o revolucionário judeu politicamente consciente que, há 2 mil anos, atravessou o campo galileu reunindo seguidores para um movimento messiânico com o objetivo de estabelecer o Reino de Deus, mas cuja missão fracassou quando – depois de uma entrada provocadora em Jerusalém e um audacioso ataque ao Templo – ele foi preso e executado por Roma pelo crime de sedição.

É também sobre como, após Jesus ter fracassado em estabelecer o Reino de Deus na terra, seus seguidores reinterpretaram não só a missão e a identidade de Jesus, mas também a própria natureza e definição do messias judeu.


Há aqueles que consideram essa tentativa perda de tempo, acreditando que o Jesus da história está irremediavelmente perdido e é impossível de ser recuperado. Longe vão os dias de glória da “busca pelo Jesus histórico”, quando os estudiosos proclamavam confiantes que as ferramentas científicas modernas e a pesquisa histórica nos permitiriam descobrir a verdadeira identidade de Jesus. O verdadeiro Jesus já não importa, argumentam esses estudiosos. Devemos concentrar-nos no único Jesus que é acessível para nós: Jesus, o Cristo.

De fato, escrever uma biografia de Jesus de Nazaré não é como escrever uma biografia de Napoleão Bonaparte. 

A tarefa é um pouco parecida com a montagem de um quebra-cabeça enorme, com apenas algumas das peças na mão; não se tem escolha senão a de preencher o resto do quebra-cabeça baseado na melhor das hipóteses, na mais bem-informada suposição de como a imagem completa deveria ser.

O grande teólogo cristão Rudolf Bultmann gostava de dizer que a busca pelo Jesus histórico é, no fim das contas, uma busca interna. Os estudiosos tendem a ver o Jesus que eles querem ver. Muitas vezes eles veem a si próprios, seu próprio reflexo na imagem que construíram de Jesus.


Mesmo assim, essa melhor e mais bem-informada hipótese pode ser suficiente para, no mínimo, questionar nossas suposições mais básicas a respeito de Jesus de Nazaré

Se expusermos as reivindicações dos evangelhos ao calor de análise histórica, podemos limpar as escrituras de seus floreios literários e teológicos e forjar uma imagem muito mais precisa do Jesus histórico.

De fato, se nos comprometermos a colocar Jesus firmemente dentro do contexto social, religioso e político da época em que ele viveu – uma época marcada por uma persistente revolta contra Roma que iria transformar para sempre a fé e a prática do judaísmo -, então, de certa forma, sua biografia se escreve por si própria.


O Jesus que é revelado nesse processo pode não ser o Jesus que esperamos, e ele certamente não será o Jesus que os cristãos mais modernos reconheceriam. Mas, no final, ele é o único Jesus que podemos acessar por meios históricos.

Todo o resto é uma questão de fé.


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* Termo decorrente do grego Zelotes e cristalizado na maior parte das línguas neolatinas como zelota, ainda que seja comum a forma francesa zelote em português. Aqui, optamos por zelota, mais corrente e consolidado no ambiente religioso judaico- cristão e no mundo acadêmico. (N.T.)


Postado no site Outras Palavras em 18/12/2014


“Déficit de Atenção” : por que deixei a Ritalina




Marcela Picanço, no Obvius

Alguns dados apontam que nos últimos anos os casos de Déficit de Atenção triplicaram entre nossas crianças. Eu estou entre essas crianças. Com uns treze anos comecei a tomar um remédio com tarja preta chamado Ritalina, que pra mim, de fato fazia uma diferença enorme.

Quando eu era criança fui chamada várias vezes de hiperativa, desconcentrada. Meus professores adoravam falar como eu me dispersava rápido. Engraçado, continuo assim, mas hoje tento usar isso ao meu favor. 

O remédio vai soltando doses ao longo do dia e pode durar até 8 horas. Tomava antes de ir para escola e ficar ligada na aula. Nunca fui boa em matemática, física, química, mas me esforçava o bastante pra não ficar de recuperação. Lembro que eu achava que o remédio fazia uma diferença significativa na hora de fazer uma prova. Eu realmente me transformava, durante 8 horas, em uma pessoa mais focada. O déficit de atenção é mais comum do que se imagina.

Assim que entrei na faculdade resolvi largar o remédio. Fui percebendo, ao longo dos anos, que eu não precisava dele para escrever uma boa redação, ou pra ler um livro que eu gostava, nem pra fazer prova de história. Não precisei do remédio para decorar um dos meus primeiros textos de teatro. Eu nem tomava o remédio pra ir pra aula de teatro e eu era uma pessoa igualmente focada nessas aulas. 

Foi aí que minha mãe resolveu perguntar à minha médica por que eu ficava concentrada nas coisas que eu gostava de fazer. Ela disse que isso era normal. Nas áreas que eu tinha mais habilidade, os sintomas não apareciam de modo que me atrapalhassem. Que doença engraçada, né? Mal do século, eu diria. 

A nossa sociedade está criando doenças para quem estiver fora do padrão de comportamento esperado.

Então, vi que o problema não estava em mim e nem na maioria das crianças que precisa tomar um remédio para entrar num padrão social. 

O problema está no nosso ensino totalmente precário, que se preocupa mais se o aluno vai passar em medicina do que se ele será um bom cidadão.

É claro que em alguns casos específicos, o uso da Ritalina é de extrema importância e eficácia, mas acredito que, na maioria das vezes, o Déficit de Atenção poderia ser tratado de outras formas.

Estudei minha vida toda numa escola diferente, que se importava com a cabeça dos seus alunos e valorizava o que eles tinham de melhor, incentivando a arte, o esporte e a ciência. Lembro que as notas eram dividias em 40% de provas e os outros 60% eram de comportamento. Se você soubesse lidar bem com um grupo, participasse da aula, fosse educado e responsável, já era o suficiente pra passar de ano. E ninguém deixava de estudar, afinal queríamos ter notas boas. 

Depois fui pra uma escola que tinha tantos alunos que os professores não conseguiam gravar o nome nem da metade deles. Nunca mais falamos em preconceito ou direitos humanos. Nunca mais falamos sobre ler livros sem ser por obrigação. Depois, mais tarde, os professores reclamavam que líamos pouco — mas como, se tínhamos tão pouco incentivo? Lembro que na minha outra escola ganhei gosto pela leitura quando eu ainda era bem pequena. Devorava livros e mais livros, afinal a gente tinha uma aula só de leitura.

Me mudei para essa nova escola porque precisava passar no vestibular, mas não via sentido nenhum em nada daquilo. Fui me sentindo cada vez mais idiota porque eu não conseguia ir bem em nenhuma matéria de exatas, mas falaram que pra passar no vestibular era preciso saber mais exatas do que humanas. 

Aumentei a dose de Ritalina pra poder ficar pelo menos na média. Fico pensando quantas crianças vão ter que se sentir burras e diferentes e tomar um remédio tarja preta pra ficar na média na escola, pra ficar na média na vida, pra ser sempre medíocre porque a educação não nos dá a oportunidade de sermos brilhantes.

No ensino médio, os adolescentes são constantemente comparados, como em uma empresa, para que haja desde cedo um espirito de competição. Infelizmente essa competição é completamente injusta, pois as pessoas têm habilidades diferentes. Como já disse Albert Einstein “Todo mundo é um gênio, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará sua vida inteira acreditando ser estúpido” e é exatamente isso que nosso ensino faz.

A qualidade de uma escola é medida pelo número de aprovações que seus alunos têm no vestibular e não pela pessoa que ela está formando para o mundo. 

Como queremos ter profissionais mais dedicados se, desde pequenos, somos ensinados que se importar com o outro não é o que importa, mas sim ser sempre melhor que todo mundo? 

Infelizmente, nossa educação forma pessoas cada vez mais quadradas, que pensam dentro de uma caixinha. Não se permitem ir atrás das informações e nem na melhor forma de resolver problemas. As aulas de artes são totalmente técnicas e insuportáveis. 

Não nos dão oportunidade de sermos realmente quem queremos ser e crescemos adultos chatos, controladores e depressivos.

Infelizmente nosso comportamento é resultado da educação que tivemos e isso só vai mudar quando todas as áreas foram igualmente valorizadas nas escolas e entre os alunos. Cada vez teremos mais crianças com déficit de atenção. 

Principalmente agora com a tecnologia, que todas elas podem ter acesso rápido a tudo. Por que elas ficariam prestando atenção em uma aula chata? Por que elas ficariam prestando atenção em algo que podem aprender em um segundo procurando no Google? 

O nosso sistema educacional precisa mudar rapidamente, pois não podemos achar que o ensino pode continuar o mesmo de vinte anos atrás, quando não existia tanta informação com facilidade. 

As crianças estão perdendo o interesse na escola. Elas estão vendo o mundo de possibilidades que existe ao redor delas, vendo tudo que elas podem criar e transformar e os colégios continuam insistindo naquele velho formato.

Todas as pessoas têm uma genialidade, mas o mundo insiste, por algum motivo, que sejamos medíocres, dentro de um padrão. Não valorizam o aluno bagunceiro, nem o que vive no mundo da lua. Esses mesmos que, no futuro, provavelmente serão os adultos mais criativos.

Nossa educação mata nossa criatividade. Na escola não temos nenhuma oportunidade de nos mostrar e nem de crescer intelectualmente, pois quanto mais velhos ficamos, taxam de ridículo aquilo que fazemos de diferente, mas que se for estimulado, poderia ser genial. 

É triste a situação em que vivemos, mas já foram inauguradas escolas com uma proposta totalmente diferente de ensino, onde as matérias não são separadas, mas são aprendidas juntas, como se fosse uma só. Os alunos também não são separados por turmas de acordo com a idade, mas sim pelas habilidades que apresentam.

Espero que esse realmente seja o futuro do nosso ensino e que não criemos mais doenças para fazer as crianças se sentirem anormais. “Somos todos folhas da mesma árvore”, esse era o lema da minha primeira escola. Ainda bem que aprendi assim.


Postado no site Outras Palavras em 18/12/2014



Reação de um consumidor ao saber que ganhou um modem “de graça” da Claro








Conheça os maiores venenos para a sua felicidade … e livre-se deles!




Kara Espanha

Tendemos todos, em um ponto ou outro, a envenenar a nossa própria felicidade, seja através de preocupação, medo, ou da tomada de decisões erradas. A nossa vida, de uma hora para outra, pode ser virada de ponta cabeça, mas o verdadeiro culpado de como nos sentimos não é a adversidade e sim o modo como percebemos e respondemos aos problemas.

Observe alguns comportamentos que promovem a infelicidade:

1. Excesso de ciúme

Há pessoas que exalam ciúme a ponto de sua eterna desconfiança arruinar seus relacionamentos. O ciúme geralmente é proveniente de sentimentos de inadequação pessoal. Uma pessoa equilibrada é aquela que não alimenta sentimentos como o ciúme em seus relacionamentos pois consegue diferenciar suas próprias inseguranças e fantasmas da realidade do relacionamento.

2. Perder-se em superficialidades

Costuma-se dizer que as pessoas mais felizes são aquelas que fazem mais para os outros do que para si mesmas. Prender-se à riqueza, carros, roupas de marca, etc., é um dos grandes venenos da felicidade pois o excesso de aparências não costuma caminhar ao lado de pessoas que vivem bem consigo mesmas.

3. Semear o rancor durante a vida

Certa vez conheci um homem que guardava rancor contra seu pai por ele ter deixado a família. Seu rancor era como um câncer que destruiu qualquer esperança que ele pudesse ter de desfrutar sua vida ao máximo. Os filósofos estoicos acreditavam que algumas coisas devem ser deixadas para trás simplesmente porque mudá-las está fora de nosso controle. A felicidade vem a medida que avançamos em nossas vida deixando no passado os ressentimentos e outro rancores.


4. Viver em função de arrependimentos

Em alguns momentos a sua vida certamente será invadida por arrependimentos. Eu os chamo de erros. Os erros estão presentes apenas para ensinar que um determinado caminho acabou e que é hora de tentar outro. Não há nenhuma utilidade em olhar para trás e remoer arrependimentos: você não pode mudar o passado. Basta seguir em frente e tentar outro caminho.

5. Ser muito dependente

Se você é uma pessoa muito dependente a tendência é que espere que outra pessoa seja a responsável por sua própria felicidade. A felicidade nunca virá a você a partir de outra pessoa além de você mesmo.

6. Cultivar o hábito de corrigir outras pessoas

Se você sente uma necessidade compulsiva de “corrigir” os outros, então você nunca vai estar focado em seu próprio bem-estar e felicidade. Quando o foco se desloca para longe do eu, a pessoa sempre vai encontrar algo que precisa ser corrigido em outras pessoas. Quem controla a si mesmo já está prestando um grande serviço à humanidade.


7. Deixar que o medo impeça novas realizações

Ralph Waldo Emerson disse: “O medo derrota mais pessoas do que qualquer outra coisa no mundo.” Esteja atento!

8. Viver em um estado egoísta

Se você é uma pessoa egoísta, isso significa que você sempre quer as coisas à sua maneira e que as necessidades e opiniões de outras pessoas costumam ser descartadas no processo. A maioria das pessoas não quer um relacionamento com uma pessoa egoísta e, se isso descreve você, dê uma boa olhada em si mesmo e examine as áreas de sua vida onde seu egoísmo prevalece e faça as mudanças necessárias. Os melhores relacionamentos são construídos a partir de relações onde os dois lados ganham.

9. Cultivar expectativas exageradas com relação aos outros

Sua necessidade para que todos possam atender às suas normas na vida é uma expectativa razoável de que a maioria das pessoas nunca vai ser capaz de atingir; portanto, você vai ser sempre mais decepcionado com as pessoas e, portanto, infeliz na vida. Todas as pessoas têm o seu próprio tipo de personalidade que irá impedi-los de nunca ser capaz de viver de acordo com o que você espera deles. Eles não podem fazer isso. Quando você deixar de ir a expectativa de outros para realizar a seus padrões, você será muito mais feliz. Uma pessoa livre é uma pessoa feliz.


10. Manter atitudes hipócritas

Se você está sempre certo e os outros é que estão errados, preste atenção, você corre um sério risco de ser um hipócrita. Eu costumava ir à igreja e lá sempre sentia este tipo de atitude entre as pessoas. É impossível ser perfeito o tempo todo, não cobre isso dos outros, não venda essa imagem.

11. Viver o presente com a cabeça no passado

Se você vive em seu passado isso significa que você está insatisfeito com o presente. A felicidade é um estado de espírito atual e se sua vida não te faz feliz, então talvez seja a hora de examinar a sua situação e promover algumas mudanças para melhor. Talvez você precise de um novo objetivo na carreira? Talvez seja a hora de terminar um projeto que você vem adiando? Seja qual for o caso, avançar com a vida ajudará você a se sentir vivendo no “agora”.

12. Manter comportamentos desonestos

As pessoas que mantém comportamentos desonesto são vistas como “alguém em quem não se pode confiar”; portanto, elas são vistas como amigos e parceiros infiéis e são mantidas sempre a uma distância “segura”.


13. Abuso de substâncias para alterar estados de felicidade

Mesmo para aqueles que usam o chocolate e cafeína como meio de fuga, devo admitir que a euforia é de curta duração. 

14. Relacionar-se com a vida de maneira pessimista

Suas palavras e pensamentos têm o poder de influenciar tanto em suas ações quanto na maneira como os outros reagem a você. Assim, a infelicidade pode perseguir pessoas pessimistas como um vírus. O medicamento para o pessimismo é tornar-se consciente de sua negatividade e trabalhar para mudar seus pensamentos e palavras para melhor. Leia, faça exercícios, tenha um hobby. Faça o que for preciso para se sentir melhor sobre si mesmo.


15. Manter comportamentos preconceituosos

Uma pessoa preconceituosa é muitas vezes uma pessoa infeliz que “vomita” sua infelicidade em um grupo que julga diferente e inferior ao seu. Pessoas preconceituosos procuram situações onde poderão libertar a sua fúria. Elas acham que agredir aos outros as fará se sentir melhor, mas isso não acontece. Assim também agem os “brigões”.

16. Não confiar em si mesmo

Se você duvida de si mesmo, constantemente, saiba que uma estima baixa alimenta pensamentos negativos e levam a sentimentos de profunda infelicidade. É um ciclo vicioso que precisa ser tratado.

17. Estar mentalmente doente e não se tratar

Se você sofre de ansiedade ou depressão não é difícil imaginar como é estar infeliz. O que causa estes transtornos mentais? Muitas vezes o próprio ritmo e demandas sociais podem levar a um desequilíbrio que precisará de cuidados. Outras vezes a própria genética é responsável por maiores tendências ao adoecimento ao longo do tempo.Tire um tempo para conversar com alguém em quem você confia e que poderá ajudá-lo a raciocinar sobre os melhores caminhos a tomar. Em caso de dúvida procure ajuda profissional.


18. Manter-se afastado da natureza e dos animais

Animais de estimação, por exemplo, são ótimos no que se refere a aumentar a felicidade. Se você é alguém que não gosta ou não quer um animal de estimação não tem problema, conecte-se mais com a natureza, frequente mais lugares abertos. Um não excluí o outro, mas nenhum contato com a natureza é algo que pode deixar uma pessoa muito triste.

19. Falta de esperança

A esperança é um sentimento que motiva, que dá sentido e continuidade à vida. Ela é alimentada por sonhos, projetos e até mesmo pela fé. Nunca se permita perdê-la.

20. Manter uma vida sob constante estresse

Se você é do tipo de pessoa que se mantém estressada ao longo de todo dia, 7 dias por semana, talvez seja a hora de fazer mudanças drásticas. Faça um inventário de sua vida e se livre do desnecessário. Viver uma vida de simplicidade é a melhor receita para diminuir o estresse.

Talvez você tenha encontrado nos itens acima algumas palavras que tenham algum sentido em sua vida. Se foi o caso, que tal tirar uns minutos e refletir sobre tudo isso?


Traduzido e adaptado por Josie Conti




Postado no blog Conti Outra em 18/12/2014







O golpe de Veja na eleição de 2014





Emiliano José, na revista Teoria e Debate:



“Nos últimos anos, a maioria dos brasileiros, sem desertar de suas convicções democráticas, mas, mesmo em razão delas, já construiu amplamente um diagnóstico crítico do modo de funcionamento do atual sistema político no Brasil e anseia por reformas políticas.Há muitas evidências de que já se está firmando em um número cada vez maior de brasileiros a consciência de que também o sistema de comunicações de massas, privatizado, altamente concentrado e oligopolizado, não serve à democracia do país e precisa ser regulado a partir de princípios republicanos e pluralistas.” 


Em Defesa de uma Opinião Pública Democrática – Conceitos, Entraves e Desafios. Venício A. de Lima, Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim (orgs.). 
São Paulo: Paulus, 2014. p. 9.) 


Golpes midiáticos na América Latina não constituem novidade, especialmente depois que golpes militares entraram em desuso. 

O mais espetacular deles ocorreu na Venezuela em 11 de abril de 2002, encabeçado pela RCTV. Durou poucas horas, devido à impressionante revolta popular contra a deposição do presidente Hugo Chávez

Este, desde sua chegada ao poder, em 1998, enfrentou sempre a ferocidade dos principais meios de comunicação do país, entre os quais as outras emissoras privadas de televisão – Venevisión, Globovisión, Televen e CMT – e nove dos dez maiores jornais impressos do país, como El Universal, El Nacional, Tal Cual, El Impulso, El Nuevo País e El Mundo. 

Os monopólios privados venezuelanos contrários ao presidente Chávez detinham 95% da audiência.

Esses monopólios midiáticos substituíam, na prática, os partidos políticos de oposição tradicionais, cuja força era pequena, e qualquer semelhança com o Brasil não será mera coincidência.

Foi com base nesse poderio, e na liberdade de imprensa existente, que a RCTV sentiu-se à vontade para dar o golpe.

Só não mediu a monumental reação popular, que frustrou a tentativa. Dia 13 de abril, Chávez estava de volta ao poder. 

A partir desse retorno no dia 13, cunhou-se uma expressão agora usual na Venezuela: “Cada 11 tem seu 13”. 

Os monopólios analisaram mal a correlação de forças, não mediram a popularidade, o carisma de Chávez, o enraizamento que seu programa político tinha entre as camadas exploradas da sociedade venezuelana. Golpes midiáticos, assim, não são inéditos na América Latina. 

O “odiojornalismo” de Veja

Veja sempre foi adversária do projeto político vitorioso em 2002 no Brasil. Nunca escondeu isso.

E seu jornalismo, vá lá, sempre se viu contaminado por essa visão. Sempre combateu ferozmente o PT, Lula, agora Dilma. 

Em todas as quatro eleições vencidas pelo PT e pelos partidos que apoiam o projeto político em curso, não poupou esforços para derrotar primeiro Lula, depois Dilma. 

O fato é que Veja tem um programa político, defende o projeto neoliberal, encampa as posições mais conservadoras do país. Faz um jornalismo obscenamente partidário, nunca teve o mínimo da isenção pensada pelo jornalismo liberal, distorce os fatos, inventa-os, se considerar necessário.

Na eleição de 2014, no entanto, se superou. Tentou, sem meios-termos, um golpe midiático, que fracassou.

Não se desconheça, no entanto: a iniciativa de Veja retirou alguns milhões de votos da presidenta Dilma. Se vitoriosa, teria fraudado uma eleição.

O que fez está a anos-luz do jornalismo, ao menos de um jornalismo que se paute na boa apuração, na credibilidade e diversidade das fontes, no respeito aos fatos. 

Não estamos nos referindo ao conjunto da cobertura de Veja durante as eleições de 2014, toda ela voltada ao combate sistemático e feroz à presidenta Dilma e a sua reeleição.

Feroz, tão feroz, a ponto de levar a professora Ivana Bentes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a classificar o jornalismo de Veja como “odiojornalismo”, próprio também da “tropa de choque” conservadora da imprensa brasileira, da qual fazem parte, entre outros, Arnaldo Jabor, Diogo Mainardi, Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo Azevedo e Demétrio Magnoli.

É uma coisa só, expressão exacerbada da demonização da política, prática cotidiana, persistente, recorrente de toda a mídia hegemônica. Vale a pena citar Ivana Bentes:


“Essa demonização da política tornada cultura do ódio se expressa por clichês e por uma retórica de anunciação de uma catástrofe iminente a cada semana nas colunas dos jornais e que retroalimentam, com medo, insegurança, ressentimento, uma subjetividade francamente conservadora de leitores e telespectadores”.



Tais opiniões foram expostas pela professora em entrevista à revista IHU On-Line, postada em 5 de novembro. Para Ivana Bentes, “essa pedagogia para os microfascismos e a educação para a intolerância podem ser resumidos na retórica que desqualifica e aniquila o outro como sujeito de pensamento e sujeito político, o que fica explícito na fala de alguns colunistas”.

Um exemplo muito claro, inclusive no seu cinismo”, detalha a professora, “é este trecho de uma coluna do Arnaldo Jabor de 28/10/2014, pós-eleições. Com uma argumentação pueril e assujeitante que coloca eleitores, nordestinos e nortistas, pobres como ‘absolutamente ignorantes sobre os reais problemas brasileiros’ em um cenário pós-eleições em que ‘nosso futuro será pautado pelos burros espertos, manipulando os pobres ignorantes. Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos’.” Paremos aqui nossa breve e necessária digressão.

Cabeça de ponte do golpe 
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Para além, no entanto, da cobertura semanal de Veja absolutamente coerente no combate ao projeto político em curso desde 2003, quero aqui concentrar esforços na análise da cabeça de ponte do golpe midiático tentado pelo Grupo Abril contra a reeleição de Dilma Rousseff, a edição 2397 da revista Veja, datada de 29 de outubro de 2014, cuja capa e trecho inicial da reportagem “Eles sabiam de tudo” – eles são Dilma e Lula – foram postados no site da revista no dia 23 de outubro, quinta-feira, às 20h19. Às 21 horas, a coluna de Ricardo Setti, Política & Cia, do site de Veja, também reproduz capa e texto que abre a reportagem, mesmo procedimento adotado pelo blog de Reinaldo Azevedo, às 21h10, e pelo programa Aqui entre Nós, da TVeja, às 22h19. 



Não há equívoco em afirmar que o golpe iniciou-se na noite de quinta-feira, presumivelmente com a ideia de que, antecipando o lançamento da revista já na quinta, ao menos on-line, haveria tempo para reverter a vantagem de Dilma Rousseff, localizada pelas pesquisas daqueles últimos dias, e quem sabe possibilitar a vitória de Aécio Neves. 



Veja iria disparar a bala de prata da direita brasileira, e seria secundada pelo restante da mídia hegemônica, que ninguém se iluda quanto a isso nem queira tergiversar.

Esse mapeamento de postagens foi feito de modo meticuloso pela campanha da presidenta Dilma, logo que foram percebidos os primeiros movimentos da tentativa golpista. 

O levantamento foi denominado “Operação Abril”, e permitiu um monitoramento passo a passo. Esse passo a passo, devidamente sistematizado, serviu para os advogados da campanha pedirem providências à Procuradoria-Geral da República, de modo a que esta, considerando a propriedade das informações, pudesse produzir provas para a instauração de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). Isso ainda está em curso.

Na mesma quinta, às 21h49, a coligação da candidatura Dilma entra com ação no TSE contra a divulgação da capa de Veja no Facebook. O Ministério Público dá parecer favorável, mas o ministro-relator, Admar Gonzaga, não concede a liminar, e o processo é arquivado.

Imediatamente é apresentada uma segunda ação “inibitória de publicidade”. O Ministério Público de novo se manifesta favoravelmente e o ministro-relator, então, concede a liminar, como concedeu liminarmente direito de resposta à coligação liderada por Dilma. Veja, por decisão do TSE, teria de suspender qualquer tipo de publicidade em torno da capa em outdoors, cartazes, banners e na internet, certamente uma das armas do golpe midiático.

A revista não cumpriu a decisão e, além disso, a campanha de Aécio, nos momentos seguintes, distribuiu milhares de reproduções da capa em manifestações, nas ruas, distribuição que o TSE não vetou. 

Os efeitos que o Grupo Abril pretendia estavam se fazendo sentir. O tanque midiático se colocou nas ruas, com toda a força que podia.

O intenso esforço jurídico da campanha de Dilma resultou em algum constrangimento para a revista, mas obviamente teve poucos efeitos práticos, seja pelo desrespeito de Veja, seja porque a eleição se daria dali a poucas horas. 

Luis Nassif mostra como os sucessivos pedidos de direito de resposta da coligação liderada pela presidenta foi “arquivado pelas Cortes” (“Como o direito de resposta de Dilma na Veja foi esvaziado”, Luis Nassif Online). Um golpe deflagrado pela internet na quinta-feira, a revista posta nas ruas na sexta, a eleição marcada para domingo. A ofensiva era poderosa demais, e a guerrilha jurídica podia pouco naquelas circunstâncias, embora necessária.

Há quem afirme ter havido alguma relutância de parte da mídia hegemônica em entrar imediatamente na “Operação Abril”, por sua natureza fantasiosa, sem a devida comprovação, sem base em fatos. Faltava-lhe um pretexto sólido que fizesse com que toda ela embarcasse na canoa golpista, com gosto, na primeira hora. E o pretexto apareceu. Divulgada como articulação de jovens da União da Juventude Socialista (UJS), vinculada ao PCdoB, a manifestação defronte da sede da Editora Abril, em São Paulo, na sexta, forneceu o argumento para que toda a mídia hegemônica fizesse coro com Veja. Se é que de fato ela necessitava disso.

Entre os que conhecem bem as famílias dominantes da mídia, há os que asseguram que elas não ficariam de fora dessa ofensiva de modo nenhum – se relutaram na sexta, embarcariam no sábado de todo jeito, com ou sem pretexto. 

A relutância não decorreria, portanto, da busca de pretexto algum. As famílias teriam resolvido esperar o sábado apenas porque isso não daria tempo à campanha da presidenta para qualquer medida jurídica.

Ao entrar o faziam como jogo da casadinha – fazer de conta que estavam simplesmente “repercutindo”. O argumento foi o ataque a um órgão de imprensa, que não podia deixar de ser noticiado, e, de complemento, vinha o mais importante, que era a repercussão da capa-matéria de Veja – “Eles sabiam de tudo”. 

Se houve acordo entre as famílias da mídia hegemônica, foi cumprido. Se não houve, a inegável convergência política garantiu a unidade, para além de quaisquer acordos prévios.

A Folha de S.Paulo, no sábado 25, estampa o título “Doleiro acusa Lula e Dilma, que fala em terror eleitoral”. Na linha de apoio, escreve “Ambos sabiam de desvios na Petrobras, diz delator; para Aécio, caso é ‘extremamente grave’”. 

Ou seja, assume o que Veja noticiara. Laconicamente, diz que “a afirmação foi publicada pela revista Veja e confirmada pela Folha”. Não oferece maiores explicações sobre como confirmou, com quem, nada. E cumpriu bem seu papel de se colocar sob a direção de Veja.

O jornalista Rodrigo Vianna (“O golpismo midiático segue em marcha: Veja e o JN”, postado em 25 de outubro) afirma que a Folha de S.Paulo, com tal matéria de endosso à Veja, deu base para que a Rede Globo entrasse de peito aberto no assunto: “virou fato jornalístico”.

No mesmo sábado, às 13 horas, a emissora abre o Jornal Hoje com o episódio da manifestação contra a Veja do dia anterior. Depois, segue a matéria na linha sempre do “segundo a Veja” para também acusar Lula e Dilma de saberem de tudo o que ocorria na Petrobras. 

À noite, o Jornal Nacional praticamente repete a matéria. A casadinha cumpria sua trajetória rotineira. Na opinião do jornalista, a Rede Globo não entrou pra valer na sexta por uma razão simples: havia o debate à noite nos estúdios da emissora, e Dilma poderia denunciá-la no ar, acusá-la de golpista, como fez com Veja

Melhor esperar que alguém a ajudasse, e a Folha apressou-se em fazê-lo. Vianna, que trabalhou na Globo, diz ter recebido a informação segura de um jornalista amigo, com mais de trinta anos de experiência: o roteiro está pronto, jogo combinado, da Veja para a Globo, com endosso da Folha. Tudo acertado, tudo feito de acordo com o script traçado. Veja nunca ficou solitária no esforço golpista. Casadinha combinada, casadinha cumprida.


Os 10 melhores momentos da direita brasileira em 2014






Remessas de dinheiro para a União Soviética, falta de liberdade de expressão, “Raio privatizador” e, claro, Lobão

Por Redação


Foi uma tarefa difícil. Não pela escassez de material, mas por ter que eleger apenas dez momentos em que um setor indignado da população demonstrou todo seu conhecimento histórico (como reclamar do Brasil enviando dinheiro para a União Soviética em pleno século 21) ou toda sua coerência (como gritar a plenos pulmões, no Largo da Batata, em São Paulo, que não tinha liberdade de expressão). Confira abaixo nossa seleção:

1. Remessas de dinheiro do Brasil para a União Soviética


Para um eleitor de Aécio Neves, o PT deveria parar de enviar dinheiro para a União Soviética,”Países unidos da Cuba” e toda a turma do “Xê” Guevara.





2. Grifes de direita


Eles podem não ter muito conhecimento sobre ditadura militar, nem ter estudado história (leia aqui), mas definitivamente sabem se vestir direito. Entre os adeptos da grife “Vista Direita”, estão dois Bolsonaros, um Ultraje a Rigor, um colunista da revista Veja e moças não-identificadas.


O modelo do estilista Sérgio Ka – aquele que criticou o Bolsa Família – também entrou para a lista.




3. Lobão diz que vai embora do Brasil se Dilma vencer eleições. Até uma festa foi marcada para celebrar o fato.



4. Depois da vitória, Lobão diz que fica





5. Lobão diz que está pagando de otário


Ao perceber que o tucano não compareceu à manifestação que ele mesmo convocou, Lobão se mostra decepcionado. “Cadê o Aécio, o Caiado?”, questionou. E reconheceu: “Estou pagando de otário”.