Crack : tudo o que sabíamos sobre ele estava errado




Denis Russo Burgierman e Cristine Kist, publicado originalmente na Super Interessante

“Por que eu estou aqui de jaleco branco, enquanto esse sujeito está fumando crack?”

Foi essa a pergunta que surgiu na cabeça do neurocientista Carl Hart, em 1998, enquanto ele tomava notas de suas observações para a pesquisa sobre efeitos do crack que estava realizando no Hospital da Universidade Columbia, em Nova York.

Hart era um cientista respeitável de Columbia, com três pós-doutorados, o primeiro negro a ser contratado como professor titular na área de ciências desta que é uma das melhores e mais tradicionais universidades americanas.

O homem à sua frente era negro também, também na quarta década de vida, embora sua expressão indicasse muito mais idade. Era um vendedor ambulante, que tinha o hábito frequente de fumar crack nas ruas de Nova York, e que tinha concordado em participar da pesquisa em troca de droga grátis e algum dinheiro.

Os dois não poderiam estar em situação mais diferente. Mas Hart sabia bem que, por pouco, ele próprio tinha escapado do destino do outro. É essa a história que ele conta no livro Um Preço Muito Alto, que demole vários mitos sobre o crack.

Como ele escapou

Nos anos 80, quando estava no ensino médio, num bairro pobre de Miami, o pai alcoólatra, a mãe desequilibrada, cada um numa casa, a vida sem perspectivas, Hart traficava maconha. Ele circulava com um fuzil no porta-malas, ameaçava brancos que se aventurassem pelo bairro, roubava baterias de lojas de autopeças e televisores da casa dos vizinhos.

Por sorte (e por ser jogador de basquete e futebol americano e, portanto, correr bem), nunca foi pego. Se fosse, a ficha suja acabaria com suas chances de sucesso. A maioria das pessoas à sua volta – amigos e família – saiu-se pior. Uns se afundaram no crack, outros mofaram na cadeia. Um morreu com um buraco de bala numa execução na rua.

Hart usou drogas e tomou todas as decisões erradas possíveis. Mas encontrou um caminho para uma vida produtiva, de pagador de impostos e educador da juventude. “Foi sorte”, admite. Mas não só sorte. Hart se salvou agarrando-se a oportunidades que apareceram.

Primeiro: ele tinha jeito com matemática – e descobriu ainda adolescente o prazer de ser bom em algo.

Segundo: teve na família algumas referências sólidas de valores. Uma avó ensinou-lhe a ética do trabalho duro, outra transmitiu-lhe a importância de obter uma educação. Graças a isso, quando terminou o ensino médio e se deu conta de que o sonho de ser atleta profissional não passava de ilusão, ele teve forças para entrar na Força Aérea. No quartel, pôde começar uma faculdade, viajar o mundo e conhecer algumas referências de negros de sucesso, algo que não existia em seu bairro.

Terceiro: ele teve chances. Havia vagas em universidades de primeiro time para gente talentosa que viesse de uma vida miserável. Hart foi estudar na prestigiosa (e caríssima) Yale, com bolsa. Encontrou mentores que o guiaram e descobriu que, além do talento matemático, ele tinha capacidade de observação e habilidade para fazer cirurgia cerebral em ratos de laboratório. E aí uma carreira acadêmica se abriu para ele.

Ele decidiu tornar-se especialista nos efeitos do crack, para entender como a droga tinha destruído sua comunidade. E virou um neurocientista improvável, com seus dreadlocks e os três dentes de ouro, lembranças dos tempos de pobreza.

Enquanto Hart avançava na carreira, um incômodo crescia. Ao mesmo tempo em que se aprofundava nos dados científicos, ele acompanhava o debate público sobre a droga. 

Todo mundo dizia que o crack transformava pessoas em zumbis. Que era uma epidemia se alastrando. Que viciava logo na primeira vez que alguém experimentasse. Que matava em poucos anos e que transformava gente comum em criminosos.

O problema é que nenhuma dessas certezas tão repetidas estava de acordo com o que ele observava no laboratório.

“Procuram-se crackeiros”

“Procuram-se usuários de crack que não estejam dispostos a parar de fumar.” Era esse o texto do anúncio que Hart publicou num jornal gratuito de Nova York, em setembro de 1998.

Sua ideia era ousada: dar crack a pessoas que já eram usuárias e pretendiam continuar (não seria ético fornecer droga a um não-usuário ou a alguém que estivesse tentando parar). 

Dessa forma, ele poderia observar os efeitos de maneira científica, controlada, objetiva. Não foi fácil aprovar o estudo, dadas as complicações éticas e a dificuldade de financiamento para um projeto tão polêmico. Mas Hart conseguiu porque já tinha uma reputação na área e o apoio de uma universidade respeitada.

Foi assim que começou seu projeto de registrar cientificamente os efeitos do crack, em vez de acreditar no que se dizia na TV. Por meses, ele deu doses de crack ou placebo (para comparação) a vários sujeitos. Eles então eram convidados a escolher entre mais crack ou outra coisa (dinheiro, por exemplo). 

Hart percebeu que os usuários são sim capazes de tomar decisões. Se a alternativa era boa, eles abriam mão do crack.

“Como qualquer um de nós, dependentes não são sensíveis a só um tipo de prazer”, escreveu. O vício realmente “estreita o foco” – um “crackeiro” tem mais dificuldade de achar graça em outras coisas, assim como um faminto prioriza comida. “Mas o vício grave não transforma a pessoa num ser incapaz de reagir a outro tipo de incentivo”, diz. 

Mesmo na fissura, um dependente é capaz de tomar decisões racionais, quando a alternativa compensa. Ele não se transforma num zumbi criminoso.

Essa descoberta está de acordo com pesquisas feitas com ratos pelo canadense Bruce Alexander. Ratos mantidos sozinhos em gaiolas apertadas, quando recebem crack, drogam-se tanto que às vezes se esquecem de comer e morrem. Mas, se a gaiola tiver diversão, interação social e um cantinho para ficar a sós com as ratinhas, eles acabam escolhendo os prazeres alternativos e deixam a droga de lado.

O problema é que, em muitos lugares, como no bairro onde Hart cresceu, não há muitas alternativas que compensem. Dependentes de crack não são irracionais: são pessoas que não enxergam saída na vida e que optam por fugir do estado consciente, ainda que isso lhes faça muito mal e possa matá-los.

O próprio Hart escapou das drogas não porque ficou longe delas, mas porque encontrou outros interesses, que o motivaram a trabalhar duro.

“Crack não vicia muito”

Em maio último, Hart veio ao Brasil para lançar o livro. Uma noite ele participou de um debate com o médico Drauzio Varella, numa livraria de São Paulo. 

Drauzio, que passou décadas trabalhando em cadeias, deu um depoimento que chocou o público: “uma coisa que eu percebi olhando os presos é que o crack na realidade não vicia muito”.

Mas como? Não se diz que o crack vicia automaticamente, logo na primeira vez? 

Pois, segundo os dados, isso é outro mito: simplesmente não é verdade. “Oitenta por cento dos que experimentam não se viciam”, diz Hart. “Largar o cigarro é mais difícil que largar o crack”, concordou Drauzio.

Mas, para conseguir largar, é preciso ter o que Hart chama de “reforço alternativo” – uma outra opção, que seja atraente o suficiente. Por exemplo: família, uma carreira interessante, uma paixão, algo que motive a largar a fumaça inebriante.

Para as pessoas que estão na rua, sem perspectiva, não há reforço alternativo. Ficar sem crack, para eles, é pior, porque obriga-os a conviver de cara limpa com a sujeira, a desesperança, a violência.

Por isso que, embora crack seja usado por gente de todas as classes e etnias, os brancos e os de classe média geralmente não se viciam, porque têm algo a mais a esperar da vida. Quase sempre quem se dá mal são os mais pobres, os que vêm de famílias desestruturadas e os membros de minorias raciais.

Hart sabe disso não só pelas suas pesquisas, mas por sua história. “É impossível crescer num mundo que despreza pessoas que têm a sua aparência e não sucumbir secretamente à insegurança”, escreveu. 

Ele próprio acreditou que, por ser negro num bairro pobre, jamais poderia aspirar muito. Mas, à medida que portas foram se abrindo e ele foi entrando, Hart recebeu “reforços positivos”, que foram condicionando-o a continuar tentando. É psicologia básica.

Os dados ajudam a enxergar a desigualdade racial dos danos ligados ao crack. Nos EUA, 52% dos usuários são brancos, enquanto só 15% são negros. Mas, entre os que acabam sendo presos, 79% são negros e só 10% são brancos.

No Brasil também, a imensa maioria de quem chega ao fundo do poço é negra ou mestiça. Segundo uma pesquisa recente da Fiocruz, 80% da população das chamadas cracolândias tem pele escura.

“Acho ofensivo vocês brasileiros chamarem as cenas de uso de cracolândia”, disse Hart na livraria. “Passa a ideia de que tudo o que acontece lá é por culpa do crack. E não é. O que está acontecendo lá é desespero, é racismo, é pobreza. O crack não cria a pobreza.” Na realidade, o uso excessivo é consequência, não causa, das cenas degradantes.

Outra ideia disseminada é a de que há uma “epidemia” de crack. Segundo Hart, trata-se de outro mito. 

Os números da Fiocruz mostram que há 370 mil usuários de crack nas capitais do País. Se extrapolarmos esse número para todas as cidades do Brasil, chegaríamos a 700 mil usuários – número provavelmente exagerado porque o crack ataca mais as cidades grandes. É muito, mas longe de ser uma epidemia – não chega a 0,4% da população. E não está crescendo de maneira explosiva.

Há sim um alastramento do vício em crack entre os mais pobres, desestruturados e desesperados. Mas isso não vira epidemia porque o vício não se alastra para fora desses grupos.

Como vencer?

O Brasil tentou vencer o crack com repressão. A polícia prendia os usuários que viviam na rua, queimava seus barracos improvisados, levava-os algemados a um tratamento compulsório. O resultado foi que as cenas de uso, antes concentradas, se espalharam por toda parte. As pessoas que eram forçadas a se tratar podiam até parar por algum tempo, mas, sem “reforço alternativo”, acabavam voltando para a rua. 

Afinal, sempre haverá um beco escuro para se drogar. E sempre haverá uma pedra de crack para comprar, já que é impossível vigiar toda a imensa fronteira entre a Amazônia brasileira e os países produtores de cocaína – Bolívia, Colômbia e Peru.

Como todo mundo diz que crackeiros são “zumbis”, eles próprios acabam muitas vezes acreditando nessa visão, e se julgando incapazes de escapar- aí não têm motivação nem para tentar. Assim, as cracolândias vão ficando maiores e mais comuns. Foi o que aconteceu nos últimos 15 anos no Brasil.

Ultimamente, algumas cidades começam a se dar conta disso, inspiradas por experiências de outros países.

Em São Paulo, 2014 começou com uma nova estratégia na região da Luz, a primeira cracolândia brasileira. A ideia central do programa Braços Abertos é tratar as pessoas vivendo na rua como gente. A prefeitura disponibilizou chuveiros, passou a oferecer atendimento médico, cedeu quartos em pequenos hotéis da região a 400 dependentes que queriam melhorar de vida, e agora está ajudando-os a regularizar seus documentos.

Vários dos ex-moradores da rua passaram a trabalhar na varrição das vias, com remuneração. O resultado é um ambiente um pouco menos degradante. Cento e vinte dos usuários já têm carteira de trabalho. Quarenta deles estão prestes a conquistar um emprego, fora dali. Reforço positivo.

Numa segunda de manhã, vou passear pela região. Entro em alguns dos hotéis: simples, mas dignos. Ando pelas ruas e vejo, aqui e ali, alguma beleza. Converso com as pessoas. Há muitos problemas ainda – desconfiança mútua entre usuários e governo, rivalidade entre a prefeitura (do PT) e o Estado (do PSDB), dúvidas quanto à qualificação de quem trabalha no programa. Mas o número de usuários na rua diminuiu, a sensação de segurança aumentou. Há alguma esperança no ar.

Mundo real

Quando chegou ao Brasil, Hart avisou que não veio para cá apenas para conversar com médicos. Queria ver o mundo real. Foi visitar uma das cenas de uso de crack mais terríveis do Brasil: a cracolândia da favela de Manguinhos, no Rio, um canto que a própria favela segrega.

No última dia dele em São Paulo, ofereço uma carona até o aeroporto. Foi o único horário que consegui em sua agenda, em meio a reuniões, debates em livrarias e visitas a cracolândias. Pergunto se ele se chocou com o que viu. Ele não parecia surpreso. “É a mesma cena de pobreza no mundo todo”, diz.

Pergunto se ele não tem medo de que a exposição de sua vida pessoal prejudique a carreira que ele construiu com tanto esforço. “Eu costumava ter esse medo, sim”, ele responde. “Mas já tenho 47 anos e é minha obrigação contar o que eu sei. Se eu não fizesse isso, minha consciência não me deixaria olhar no espelho.” Ele acha que boa parte de seus colegas é omissa. “A ciência já compreende há 20 anos a farmacologia do crack, mas as pessoas que sabem permanecem em silêncio.”

Hart chama a ciência de “clube de elite”, sem muito interesse pelos problemas dos negros e dos mais pobres. “Além disso, muitos cientistas se beneficiam dessa perspectiva errada, porque o governo gasta uma fortuna combatendo as drogas e esse dinheiro acaba financiando suas pesquisas.”

Assim, gasta-se muito, não resolve-se nada. Afinal, não é o exército, nem o governo, nem a polícia que vão vencer o crack. É cada usuário, cada dependente, tendo como arma apenas a vontade que encontrar dentro de si. Só o que o resto da sociedade pode fazer é oferecer incentivos que sirvam de reforço, e informação confiável que aumente sua capacidade racional de decidir melhor.

***

Mito número 1 – Há uma epidemia de crack, que transforma uma multidão de pessoas em zumbis sem vontade própria.

A verdade – Não é uma epidemia, já que ela não se alastra. E usuários não são zumbis – se têm oportunidades, são capazes de largar a droga.

Mito número 2 – O crack transforma as pessoas em criminosas, incapazes de refletir sobre a consequência de seus atos.

A verdade - O vício aumenta sim a taxa de roubos, mas metade dos dependentes tem emprego fixo e não comete crimes.

Mito número 3 - Crackeiros tornam-se incapazes de encontrar prazer fora do crack. Escravos da droga, não têm motivação para mais nada.

A verdade – Pesquisas mostram que dependentes de crack são capazes de responder a outros estímulos, se houver uma alternativa atraente.




Postado no site Outras Palavras 





Conselho Tutelar : Record se destaca com um dos mais belos trabalhos já exibidos na história da TV brasileira




Conselho Tutelar capta o espírito do tempo e ganha 2ª temporada

Bruno Viterbo

Foram cinco episódios para mostrar, mais uma vez, que a Record larga na frente na produção seriada na TV aberta. 

A Record se aproveita daquilo que sua maior concorrente não conseguiu captar: o espírito do tempo e, com isso, garantindo muito mais qualidade do que quantidade.








Com Conselho Tutelar, a Record lançou luz a um tema que é jogado para escanteio no noticiário. 


Em cinco episódios, o drama de crianças que sofrem maus tratos foram desmembrados de maneira tocante, sem ser piegas, além de expandir o tema para outros males da sociedade. 

Assim como Plano Alto, que não foi uma só uma série sobre política (leia aqui), Conselho Tutelar não foi uma série somente sobre os dramas vividos pelas crianças.


Os casos envolveram todas as camadas da sociedade: pobres, brancos, ricos, pretos, médicos, viciados, mostrando que não importa a origem social.

O drama dos viciados em crack e a falta de condições para criar os pequenos em um ambiente insalubre, a mulher que vende a própria filha, a mãe que cria a filha como um animal… 

Casos inspirados na vida real, que acontecem cotidianamente. Para ir às lágrimas foi um pulo.

Dentre todas as qualidades de Conselho Tutelar, a maior delas é, sem dúvida, o trabalho dramatúrgico realizado com aquelas crianças. Foi de uma realidade pouco vista em trabalhos desse tipo no Brasil, seja no cinema ou na TV.





A série teve fluidez e manteve a atenção até o fim. Seus episódios, densos, poderiam afugentar o telespectador. Porém, a estrutura dos episódios não davam brechas para fuga. 

Escolher dois casos por episódio deu uma outra cara a esse tipo de série (procedural). Ligadas ao gênero policial/investigativo, essas séries geralmente tratam um caso por episódio, e seus desdobramentos (a investigação, suspeitos, conclusão). 

Em Conselho Tutelar, os dois casos por dia eram intercalados com os dramas pessoais dos conselheiros Sereno (Roberto Bomtempo) e César (Paulo Vilela). O primeiro, o dilema entre proteger crianças e se dedicar à família e ao filho. O segundo, impulsivo, quer solucionar os casos para por uma pedra no passado, quando sofreu abuso sexual na infância. 

O arco dramático da série foi exposto de maneira como poucos na TV brasileira.
Não gosto muito de falar sobre a história: ela tem que ser vista em sua íntegra.

É um trabalho dos mais importantes na história da TV brasileira.

O último episódio e suas cenas finais me deixaram apreensivo. Sereno na sala do juiz Brito (Paulo Gorgulho) e César prestes a por uma pedra (literalmente) no seu passado. A tela fica preta e, aí, é anunciada a segunda temporada da melhor série já exibida na TV.




Com isso, é provável que Plano Alto não tenha uma segunda temporada, pelo menos no primeiro semestre. Gorgulho, do jeito que Plano Alto acabou, teria grande destaque. Em Conselho Tutelar, também tem um papel importante.

A série merece todos os elogios e prêmios não somente por sua qualidade de produção, mas por prestar um relevante serviço para a sociedade brasileira ao abordar um tema tão delicado e que deve ser posto em debate. Considerando que a audiência correspondeu — a série deu mais de 7 pontos —, um detalhe mais importante que isso: a #ConselhoTutelar esteve, sempre, entre os assuntos mais comentados do twitter. Uma surpresa. Uma grata e bem vinda surpresa.

No mais, fica a já aguardadíssima segunda temporada de Conselho Tutelar, e espero também que a Record olhe com carinho para uma próxima de Plano Alto. 

A emissora merece todo o reconhecimento pelo esforço em entregar produtos de qualidade e muito mais próximos de nossa realidade, e o público merece se ver na tela.


Postado no site Medium em 06/12/2014












A Conspiração dos Injustos




Walquiria Domingues Leão Rego

O título deste artigo foi emprestado do quadro do pintor argentino Antonio Berni, em exposição no Malba, o Museu de Arte Latino Americana de Buenos Aires

A força dessa pintura inspira pensar o Brasil dos dias que correm. 

Em qualquer país considerado democrático, em que as instituições de controle do Estado de Direito Democrático funcionam, o respeito às regras eleitorais é um fator constitutivo e rotineiro da vida política e social. 

Por suposto, resultados eleitorais assim escrutinados são democraticamente entendidos como manifestação da soberania popular.

As expectativas consensuais em torno desse axioma alicerçam um dos pilares fundamentais da democracia. À negação desse princípio dá-se o nome de fraude, prática típica de toda a sorte de regime arbitrário, autocrático. 

Se a diferença numérica dos votos entre eleitos e derrotados for grande ou pequena servirá apenas à reflexão da sociedade na tentativa - sempre necessária - de compreender seus sentimentos mais profundos, que interessam a todos os protagonistas de um certame político.

Não consta na prática de nenhuma democracia conferir aos vencidos, porque foram vencidos, o direito de insultar e agredir a cidadania que neles não votou, ou insistir, de forma recorrente, na desqualificação da escolha majoritária da sociedade.

Por que razão isto se impõe em uma democracia? 

Por uma razão muito forte. 

Porque a forma democrática e republicana sustenta a sua configuração fundamental em uma exigência mínima que pode ser assim resumida: o voto de todos os cidadãos tem peso igual na urna; nela, nenhum eleitor é superior ao outro. 

A igualdade política básica, que afronta a desigualdade muitas vezes extremada na esfera econômica, sempre incomodou aos privilegiados. Os injustos, para recorrer a Berni, aqueles acostumados a não ter limites na presunção arrogante de sua superioridade, os mais informados, os mais dinâmicos, avocam-se os donos naturais da nação. 

Essa suposta supremacia sente-se agredida diante da urna isonômica e, não raro, adversa.

O que temos assistido nos dias subsequentes às eleições presidenciais de outubro é a reiteração dessa anomalia. Repete-se o velho hábito em que as elites e a sua poderosa aliada, a mídia, repetem mais uma vez o velho hábito de agredir o voto que não lhes foi conferido. 

São os “votos dos marmiteiros” , disse, sem peias, certa vez, um candidato a presidente da república. 

Na urna presidencial de 2014, a parte majoritária do eleitorado, aquela formada por 54,5 milhões de brasileiros e brasileiras (51,64% do eleitorado) reelegeu Dilma Rousseff, contra os 48,36% que optaram por Aécio Neves. A escolha majoritária tem sido alvo da desqualificação ressentida dos derrotados e de seus fiéis emissários em tela e papel.

O conjunto dispensa ao voto da maioria a desconcertante sentença de um sub voto, o voto dos desinformados, dos menos ‘dinâmicos e, para que não haja dúvida de sua má procedência, o voto dos corruptos!

Uma presidenta recém eleita por esse colégio carece de legitimidade, insinua-se ardilosamente. 

Esse é o ponto a que chegamos. Ele convoca a sociedade a discernir o que é, afinal, a legitimidade em uma democracia, sob risco de se consumar a regressão da gramática política à algaravia esgrimida ad nauseam pelos golpistas grotescos e sombrios de 1948, por exemplo.

A exemplo do que se insinua hoje, eles conseguiram cassar o direito de pertencer ao sistema democrático ao então muito popular partido comunista brasileiro, bem como ao partido socialista. ‘Ilegítimos.’

Florestan Fernandes em um dos textos mais agudos da sociologia política brasileira, de 1954, demonstrou o resultado dramático da operação levada a efeito então. 

As forças conservadoras irmanadas no seu tradicional consórcio de privilégios, sendo o econômico o mais evidente, magnificado porém pelo controle de todos os recursos de poder, em especial o comando da mídia e de parcelas do judiciário, usurparam à soberania popular a prerrogativa de modelar o acesso à vida política, reduzindo-o a mais um de seus privilégios. 

O texto de Florestan Fernandes ressoa angustiante atualidade: foram cevados nesta operação, alerta, e vicejaram por anos a fio na vida brasileira, o descrédito na política e nos partidos e seu correspondente corrosivo, a indiferença e a apatia cívica. 

O que quer a engrenagem em curso nos dias que correm? Mais uma vez retirar da cena pública partidos e eleitores inconvenientes? Desvertebrar a sociedade democrática em nome da democracia?

Constitutiva e emblemática dessa atmosfera carregada, a acusação recente do candidato derrotado, em entrevista à não menos funcional TV Globo, explicita aquilo que até então vinha dissimulado.

A linguagem, mais uma vez, é a do insulto, debocha-se dos eleitores. O sotaque é o descompromisso com as regras da política democrática. Sem nenhum pejo, o candidato assegura que não perdeu a eleição para um partido, ou um projeto, mas, sim, para uma associação criminosa! Portanto, não houve derrota legítima. E se não houve, a vitória foi usurpada!

Onde estamos? Na fronteira do vale tudo.

Com que base de Direito um homem público se pronuncia nestes termos a respeito de um partido político que possui milhões de eleitores, tendo sido por quatro vezes sucessivas alçado democraticamente ao comanda da Nação? 

Na linguagem virulenta, preconcebida para o espaço reservado à manchete garrafal, está a resposta. 

O jogral afinado reflete uma concepção autocrática da política, a certeza do poder agir sem limites, do fazer e falar o que bem entende, protegido por fortes poderes que modulam e credenciam esse lançar mão impunemente do idioma do golpismo cínico e vulgar. 

Criminaliza-se sem nenhum pudor. Sem a observância mínima da prudência e da cautela que qualquer homem público deve ter diante de processos em estágio de apuração, como o da Petrobrás.

O atropelo de uma cautela básica do pacto fundador de Estado de Direito emite uma advertência à sociedade. 

Norberto Bobbio alertava que os violadores da justiça e da democracia gostam de falar em nome delas. São suas deusas preferidas, sua principal referência retórica. Assim o fazem, dizia o filosofo italiano, para melhor golpeá-las. 

A presunção é a mesma que motiva a escalada em curso no país. Os derrotados arvoram-se em detentores de uma delegação transcendente que os autorizaria a expropriar a prerrogativa da urna, monopolizando a atividade política para torna-la mais uma exclusividade da elite. 

A roleta russa contra o coração do Estado de Direito precisa ser desarmada. 

Nunca o será pela última vez. Recordemos a potente lucidez de Raymundo Faoro, que vaticinou ser o Brasil um país, cujo processo histórico estaria destinado a repetir uma sucessão de tempos e formas que não passam de recondicionamentos de outros tempos. 

Ontem como hoje a interdição da vida democrática sempre foi o repto do conservadorismo derrotado nas urnas. Ontem como hoje é preciso desautoriza-lo. Essa é uma tarefa intransferível dos partidos políticos comprometidos com a justiça social e a democracia. 

Cabe-lhes ampliar e reforçar a barragem contra a maleita golpista, avivando o discernimento histórico e a organização política indispensáveis a uma sociedade que reconhece no escrutínio democrático a bússola do seu destino. 


Conspiração dos Injustos


Postado no site Carta Maior em 07/12/2014

Depressão ou tristeza do final de ano ?





Márcia Homem de Mello

Chegou mais um final de ano. Avaliações, cobranças, arrependimentos, conquistas, perdas, ganhos, enfim, fase de avaliar o que se fez ou deixou de se fazer.

Uns comemoram, outros são mais pacíficos, mais há o grupo dos entristecidos. Um grupo que nessa época se fecha, se retrai, fica muito pensativo, irritado, mais agressivo.

Ficar triste nessa época é natural, devido ás avaliações e reflexões que são feitas, e se existe ainda a lembrança da morte de um ente querido, que não foi elaborada, ou uma perda significativa (separação, emprego, reprovação escolar...), haverá o sentimento de luto pela perda.

Estamos falando da tristeza, pois é natural ficar triste durante um período. Não é normal, se existe o desejo da morte, se o indivíduo ficou triste um ano inteiro, ou deixou de fazer as atividades que fazem parte de sua rotina. Se esses sinais aparecem é indicio de que o corpo não está suportando mais, está ficando doente, é hora de se pensar em depressão.

É normal a pessoa confundir ainda hoje, depressão com tristeza, “baixo astral”, fossa, ou atribuírem os sentimentos à “fase ruim”. A tristeza é um sentimento que acontece com qualquer pessoa, mas é passageiro, não altera o funcionamento do indivíduo.

Entristecer não é deprimir. É uma conscientização da situação ou condição que não é aquela que o indivíduo desejaria que fosse, independente de ser ou não fantasiosa. Todo ser humano tem momentos de tristeza, faz parte da vida.

O dia de Natal, por ser um dia considerado cultural e socialmente familiar de união, de troca, de religiosidade, é um dia em que muitas pessoas se entristecem, pois as lembranças podem ser dolorosas, alguma feridas ainda não cicatrizadas podem voltar a sangrar, a percepção da realidade pode não agradar.

A passagem de ano, por representar o recomeço, uma nova oportunidade, o deixar para trás o que não foi bom, é um dia de festa e geralmente é mais alegre que o Natal.

Vale ressaltar que ambos os momentos tem seus simbolismos e ajudam a reflexão e amadurecimento.

Comemore a chegada do ano, mesmo que esteja só, faça um jantar diferente, coloque uma roupa que goste, se dê um presente, e quando chegar a meia noite, estoure a sua champagne ou abre uma garrafa de alguma coisa que você goste muito de tomar.

No mínimo, você terá um bom motivo para comemorar, a sua oportunidade de poder estar com vida, diante de um mundo de tanta violência. E por que não, desejar paz ao resto do mundo?

Boas Festas!





Radialista avisa fascistas : "Saiam da frente que o Brasil quer seguir em frente!"







A relação entre ativismo de extrema direita na Internet e psicopatia, segundo um novo estudo


Marcello Reis, do Revoltados Online
Marcelo Reis do Revoltados Online


Kiko Nogueira

Numa entrevista à Deutsche Welle, o diretor do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, Timothy Power, chama a atenção para os arrulhos direitistas na Internet.

“Os manifestantes que pedem o impeachment de Dilma se aproveitam da atenção midiática no período de ressaca pós-eleições”, afirma. “Hoje, a direita acha que uma conta no Twitter vale mais do que uma CUT, por exemplo, mas não é exatamente assim”.

O que se viu na Paulista nas últimas semanas é um exemplo claro dessa tendência. As dezenas de manifestantes não têm o mesmo tamanho do barulho virtual. 


Grupos como Revoltados Online, Movimento Brasil Livre e outros dão visibilidade a reacionários de todo o território nacional e ocupam espaço como pernilongos, mas quando se chega à vida real o que se vê são os gatos pingados arruaceiros de sempre.

Por que eles são tão histéricos? Por que essa vocação para a trolagem? A ciência explica.

Um estudo da revista americana Neuroethics afirma que as opiniões socialmente conservadoras têm entre 5 a 30 vezes mais chances de ser relacionadas a três transtornos de personalidade: maquiavelismo, narcisismo e psicopatia (ausência de culpa ou remorso), a chamada “tríade sombria”.

O levantamento da Universidade de Tampa, na Flórida, examinou 1200 pessoas, que se submeteram a um teste e a uma pesquisa sobre seu comportamento na rede. 

Os pesquisadores procuravam por uma ligação entre a tal tríade e gente que era a favor da pena de morte, do casamento gay, dos mercados livres, da tortura etc. Encontraram.

Veja o caso de Marcello Reis, por exemplo, do Revoltados Online. Ou do professor Alexandre Seltz, que levou um disparo de arma de taser na arruaça no Congresso e passou a se autodenominar “Choquinho”. Ou de Matheus Sathler, candidato a deputado estadual pelo PSDB do DF, que chamou homossexuais de pedófilos. Ou mesmo daquele velho cantor barbado.

Todos eles são trolls que gastam seu tempo espalhando um ódio patológico em suas contas nas redes, repercutindo a si mesmos. 

Como diz o relatório, numa “manifestação de sadismo cotidiano”. O resultado? Vergonha alheia. Mas com o zumbido de uma furadeira.


Postado no site Diário do Centro do Mundo em 07/12/2014