Em casa, Dona Emília recebe a visita mensal da agente de saúde Altiva: “Os médicos do Mais Médicos dão mais atenção ao que gente sente do que os outros”
DR. ANTONIO: “A GENTE TEM DE LEMBRAR QUE O PACIENTE NÃO É UMA DOENÇA”
Entrevistando o doutor Antonio, fica claro por que tanto as usuárias quanto a agente de saúde derramam-se em elogios à sua atuação.
Principais observações do médico cubano às minhas perguntas:
– Eu fico muito contente com a reação dos pacientes. O acolhimento foi muito bom.
– No início, por causa da língua diferente, tivemos algumas incongruências, mas agora a comunicação está muito boa. Além disso, a relação médico-paciente é muito, muito, muito legal!
– Eu falo devagar para eles. Ao final da consulta, pergunto se entenderam tudo. E, ainda, peço para eles repetirem pra mim.
– Nós estamos trabalhando com uma população muito pobre. Eles precisam de mais atenção e amor, nós estamos fazendo o possível para dar isso.
– A reação dos médicos brasileiros contra nós, cubanos, foi também político-ideológica e não apenas corporativa.
– Logo que cheguei, fui trabalhar com uma médica brasileira totalmente contrária ao Mais Médicos. Ela não queria saber da gente. Mas, depois de algum tempo, mudou de opinião e me disse: “Eu gosto de trabalhar com os médicos cubanos. Vocês dão mais atenção aos pacientes e nós temos de aprender como vocês fazem isso”. Hoje somos muito bons colegas. Eu acho que com o tempo a opinião dos médicos brasileiros em relação a nós vai mudar.
– Qual a principal diferença entre a nossa escola de medicina e a brasileira?
- Pelo que eu detectei até agora, a nossa preconiza fazer muita clínica médica. Ensina-nos a conversar bastante com o paciente, o que é muito importante. É, para mim, a principal diferença.
– A gente tem que lembrar que o paciente não é uma doença. Às vezes só de conversar com conosco, ele melhora. O entorno dele é quase sempre complicado e nós não podemos ignorar isso.
– Em minha modesta opinião, no Brasil, é preciso fortalecer a atenção básica à saúde. E o primeiro contato com a população tem de ser o melhor possível. Estamos aqui para ajudar como irmãos, para que o primeiro contato da população com o sistema de saúde seja o melhor possível.
Em Novo Hamburgo, experiência inédita no Brasil: os profissionais dos Mais Médicos usam tablet para acessar o prontuário dos pacientes e acrescentar novas informações. Doutor Antonio foi o primeiro a aprender. Na foto, durante uma capacitação, ele faz demonstração às colegas cubanas Susete Villarreal (de blusa azul) e Ilena Isabel Cabrales (de laranja) e à uruguaia Gabriela Varini
FIM DA CONSULTA DE TRÊS MINUTOS E ASSISTÊNCIA MAIS HUMANA
Pesquisa realizada de janeiro a julho de 2014 pela Secretaria de Saúde de Novo Hamburgo com 564 usuários do programa revela o êxito do Mais Médicos junto à população: 98,6% estão satisfeitos, sendo que 90% deram-lhe notas 9 e 10.
“É o serviço público mais bem avaliado pelos usuários, supera o Samu, os correios e os bombeiros”, observa Luiz Carlos Bolzan, Secretário de Saúde do município e presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Consems/ RS).
Os gestores também estão satisfeitos:
* Os médicos do programa estão oito horas por dia na comunidade.
* Têm o perfil para trabalhar com saúde da família e atenção básica.
* Se propõem a atuar em equipe e fazer visitas domiciliares.
Resultado: em Novo Hamburgo, a cobertura da assistência à população saltou de 30% para 76% .
Além disso, a pesquisa feita em Novo Hamburgo já permite detectar alguns resultados positivos Mais Médicos.
O secretário Luiz Carlos Bolzan destaca três:
1. Resgate da prática clínica e da assistência mais humana nos serviços públicos de saúde
Antes a consulta durava três a cinco minutos e se resumia à prescrição de medicamentos a partir de uma queixa, sem fazer qualquer exame clínico. Os pacientes diziam que às vezes o médico nem olhava no rosto deles.
Essa prática está sendo deixada de lado.
Agora, a consulta demora de 20, 30, 40 minutos, permitindo ao médico fazer realmente uma avaliação clínica do pacientes, discutir e prescrever o tratamento.
É justamente a clínica que permite a criação do vínculo médico-paciente.
E se isso acontece, é maior a possibilidade de o paciente seguir as recomendações e retornar à reconsulta. Consequentemente, maior possibilidade de sucesso do tratamento em relação à queixa apresentada.
2. Prescrição mais criteriosa de medicamentos
A pesquisa realizada em Novo Hamburgo revela que os profissionais do Mais Médicos dão menos remédios por receita do que fora do programa.
E quanto menos medicamentos, menor o risco de danos colaterais e maior a possibilidade de o paciente seguir o tratamento recomendado.
3. Aumento das imunizações que não fazem parte das campanhas de vacinação
Por exemplo, a vacina contra a febre amarela, recomendada para quem mora ou vai viajar para áreas de risco da infecção.
Em Novo Hamburgo, o pico coincidiu com a chegada do Mais Médicos.
Isso tem muito a ver com a maior atenção na consulta e no enfoque da prevenção de doenças. Afinal, faz parte uma consulta bem feita, o médico perguntar a todo paciente se está em dia com as vacinas.
SE AÉCIO TIVESSE SIDO ELEITO, MAIS MÉDICOS ACABARIA; IMPOSSÍVEL SEM OS CUBANOS
Não é à toa que, quando questionadas por mim, Conceição Lemes, sobre a hipótese do fim do Mais Médicos e os cubanos irem embora, Jaci, Emília e Rosilene foram taxativas: “De jeito, nenhum!”
Rosilene, mãe de quatro filhos, argumenta: “Todos nós só ganhamos com a vinda deles. Eu acho que eles deveriam ficar aqui para sempre”.
Não é o que aconteceria se Aécio Neves, candidato do PSDB à presidência, tivesse ganhado as eleições.
Explico.
O número de médicos existentes hoje no Brasil é insuficiente para atender às necessidades do país.
Novos cursos de Medicina estão sendo abertos. Porém, como a formação é demorada – 6 anos de graduação, mais 2 ou 3 de Residência Médica – esses novos médicos só estarão disponíveis no mercado por volta de 2022.
Cuba é o único país do mundo que forma grande número de médicos. Os cubanos estão sendo fundamentais na epidemia de ebola, na África.
Consequentemente, sem os cubanos é impossível manter o Mais Médicos. Haveria um hiato entre os médicos que estão se formando aqui e as necessidades da população brasileira.
Novo Hamburgo é a prova. Sem o programa, no mínimo 12 mil consultas por mês deixariam de ser feitas, retardando a sequência de atendimento.
Repercutiria, aliás, em todo o Rio Grande do Sul, onde 76% dos municípios aderiram aos Mais Médicos, que hoje chega a pessoas que antes não tinham acesso à assistência médica: populações rurais, indígenas, de assentamentos dos trabalhadores sem terra, quilombolas, periferias das grandes cidades, pessoas atingidas por barragens.
“O Mais Médicos está democratizando o acesso à assistência médica como nunca se viu antes no país”, avalia Bolzan. “Contudo, por má-fé ou motivos político-ideológicos, dirigentes de entidades médicas continuam difundindo informações equivocadas. Pena que eles tenham uma visão corporativa tão limitada, a ponto de relegar a saúde da população a segundo plano.”
Em tempo 1: Convictamente. durante anos e anos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira (AMB) bateram na mesma tecla: no Brasil não havia falta de médicos, mas má distribuição deles pelo país.
O Mais Médicos provou que essa afirmação era corporativista e não baseada em evidências científicas: no Brasil, os médicos estão mal distribuídos, sim, mas também faltam muitos profissionais.
O primeiro especialista a mostrar a realidade foi o professor Mílton de Arruda Martins, titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina (FMUSP), em entrevista, aqui no Viomundo.
Em tempo 2: Como repórter especializada na área de saúde há 34 anos e usuária do SUS, observo que, no Brasil, a prática da clínica médica é cada vez menos valorizada, prejudicando os pacientes. Muitos médicos sequer ouvem direito as queixas dos doentes. Nesse particular,acredito eu, profissionais brasileiros têm a aprender com os cubanos.
Em tempo 3: Se a presidenta Dilma Rousseff teve a ousadia de bancar o Mais Médicos – afinal, quem precisa de assistência médica, não pode esperar a solução ideal, que é a criação da carreira de Estado – Novo Hamburgo tem a sorte de contar com um secretário da Saúde exemplar.
Luiz Carlos Bolzan é competente, ótimo gestor, humano e ético. Além disso tudo, 100% comprometido com o SUS, ao contrário de uns e outros que se fantasiam de “susetes” para ficar bem na fita com o pessoal da saúde pública.