Agora não é mais só uma eleição. Agora é a História.
Fernando Brito
Não é difícil perceber que se formou, nestes dias finais da campanha eleitoral do primeiro turno (e talvez da própria campanha eleitoral), uma imensa e tresloucada aliança do conservadorismo brasileiro.
Um clima histérico que capturou, admita-se, parte da classe média e da mediocridade fútil que foi entronizada pela mídia como sendo a “inteligência” brasileira.
Chegamos aos píncaros de uma onda de pessimismo que não encontra base nos fatos profundos da economia – não há desemprego, não há queda violenta do poder de compra da população, não há uma crise social como tantas que vimos em nossa história – e muito menos nos da política, porque jamais vivemos numa democracia formal tão completa como hoje, embora os imbecis chamem a tudo de “perigo vermelho”, 50 anos atrasados em sua guerra-fria neurótica.
Mas os jornais publicam um país que arde: as bolsas despencam, o “mercado” incorpóreo prevê o desastre e embolsa lucros milionários.
Mas o outro mercado, o da esquina, faz tempo que não tira a plaquinha do “estamos contratando”.
O debate nacional se reduz à pobreza mental do aparelho excretor de Levy Fidélix, como se Levy Fidélix e e a polivalência de aparelhos excretores fossem as causas nacionais e este não fosse um país que tenta se livrar de sua condição histórica de colônia.
Um Brasil que pode e vai assumir seu papel de um dos gigantes do mundo, já não só pela sua “própria natureza”, e não mais ser, me perdoem, o cu da Terra.
Mas é assim a alienação de nossas classes médias transformadas em diletantes do voto: o ator americano que faz o papel de Hulk ou a neurose fanática do pecuniário pastor Malafaia contam mais que o aumento do salário mínimo que alimenta melhor 40% dos 200 milhões de brasileiros.
Ou que os espelhinhos energéticos da Siemens (caríssimos, aliás) fossem nos prover da gigantesca energia de que precisamos e nos fizessem guardar para os espertos o petróleo do pré-sal. Ou se um país pudesse se desenvolver sem portos, ferrovias, gasodutos, estradas, transportes.
Assim é, em tudo, a manipulação que nos impõe, como se fôssemos, um bando de tolos e superficiais.
O que teria ou não teria dito um safardana que foi demitido da Petrobras e ao qual se promete o perdão de anos de cadeia por todos os roubos se envolver neles os que o demitiram de lá ( perdão que faria um desqualificado moral que, a esta altura, acusaria a própria mãe) flui, anonima e criminosamente, de meia dúzia de meganhas e promotores que podem dizer o que quiserem, na sombra do que seria, no mínimo, a violação dos seus deveres funcionais, mas os confessados e comprovados aeroportos privados e jatinhos de caixa-2, ah, estes repousam no silencioso limbo da conveniência.
Em tudo se tenta distrair o povo brasileiro do que está por trás da eleição.
É preciso que se deixe de olhar para a história deste país infelicitado por quase ininterruptos 512 anos de governos de elites coloniais, daqui e de fora, para que se atribua a quem nos tenta tirar daí a culpa pelas carências e roubalheiras que nos marcaram por séculos.
É preciso transformar em tolos ou corruptos quem tem trajetória de luta, de honradez, de amor ao povo brasileiro e que não se serviu dele para exibir-se como um exotismo manso e servil aos senhores de nossa escravidão histórica.
O povo brasileiro a tudo vem resistindo, na sua sabedoria inconsciente, aquela que se forma apenas pela força irresistível da realidade, que é o único componente da verdade que não se forma com fumaça e que, por isso, não se esfumaça com os dias.
Hoje não é dia mais de dados, de números, de “denúncias”.
Nada disso importa mais, porque nossa imprensa e nossas classes dominantes transformaram dados, números e “denúncias” em panfletos imundos que se penduram nas bancas de jornal ou se exibem na tela das televisões. O nosso povão, na sabedoria que lhe vem da vida e da pele, na sua maioria, já o entendeu e o repele.
Hoje e os próximos três dias são de honradez, de altivez, de dignidade e, por isso, de absoluta tranquilidade.
Sabemos contra o que lutamos e pelo que lutamos.
A nossa causa é digna, é bonita, é humana, é generosa.
A deles, é feia, sombria, perversa e, por isso, precisa revestir-se de mil mentiras e das falsas juras de quem há muito entregou sua fé, como Judas, pelos trinta dinheiros com que os novos (e eternos) romanos compram alguns de nossos filhos.
Os que representam a causa do povo brasileiro, nestes dias finais, devem se sublimar.
Banharem-se na serenidade dos que sabem que sentem a razão e o destino a seu lado.
Distantes do ódio, do nervosismo e dos medos, inseguranças próprias de cada um e de todos nós, seres humanos.
Há momentos em que as circunstâncias são o senhor supremo nossos atos e decisões.
Porque é a hora que faz os grandes e os que e aqueles que apenas planejam sê-lo declinam quando chega o momento da verdade.
Este é o instante em que já não somos apenas nós mesmos, mas somos o o passado mesclado ao futuro, somos nossos pais e nossos filhos, somos negros, pardos, brancos, índios, somos esta massa diversa, fervilhante e teimosa que é o povo brasileiro .
A História, esta força imensa que habita em cada um de nós, nos absorve quanto mais a amamos.
E, quando amamos agudamente, temos a confiança dos amantes e deixamos que ela nos possua e fale por nossa boca.
E as palavras, então, tornam-se invencíveis.
Postado no blog Tijolaço em 02/10/2014
Votar em Dilma pelo Brasil
Leonardo Boff, em seu blog:
Tempos atrás publiquei um artigo com o título “Contra as tramóias da direita: sustentar a Dilma Rousseff”. Agora em tempos de campanha presidencial vejo como ele mantem ainda atualidade.
Refaço o texto no contexto atual. É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de forças elitistas que sempre ocuparam o poder de Estado e o trataram como propriedade privada (patrimonialismo), apoiadas pela mídia privada e familiar, está se aproveitando da crise que é mundial e não apenas nacional (e temos a vantagem de manter um mínimo de crescimento e o emprego dos trabalhadores, coisa que não acontece nem na Europa e nem nos USA) para fazer sangrar a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.
Celso Furtado num livro pouco lido A construção interrompida (1993) escreveu com acerto:”O tempo histórico se acelera e a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação” (Paz e Terra, Rio 1993, 35).
Aqui reside a verdadeira questão: queremos prolongar a dependência daquelas forças nacionais e mundiais que sempre nos mantiverem alinhados e sócios menores de seu projeto ou queremos completar a invenção do Brasil como nação soberana que tem muito que contribuir para atual crise ecológico-social do mundo?
Se por um lado não podemos nos privar de algumas críticas ao governo do PT, mas críticas construtivas, por outro, seria faltar à verdade se não reconhecêssemos os avanços significativos sob os governos do Partido dos Trabalhadores.
A inclusão social realizada e as políticas sociais benéficas para aqueles milhões que sempre estiveram à margem, possuem uma magnitude histórica cujo significado ainda não acabamos de avaliar, especialmente se nos confrontarmos com as fases históricas anteriores, hegemonizadas pelas elites tradicionais que sempre detiveram o poder de Estado.
Surgiu um estranho ódio contra o PT em muitos âmbitos da sociedade: suspeito que esse ódio é porque as políticas públicas permitiram aos pobres usarem o avião e visitarem seus parentes no nordeste, que conseguiram comprar seu carrinho e entrar num shopping moderno. O lugar deles, dizem, não é no avião mas permanecer lá na periferia, pois esse é seu lugar. Mas eles foram integrados na sociedade e em seus benefícios.
Devemos aproveitar as oportunidades que os países centrais em profunda crise nos propiciam: reafirmar nossa autonomia e garantindo nosso futuro autônomo mas relacionado com a totalidade do mundo ou desperdiçá-las e vivermos atrelados ao destino sempre decidido por eles que nos querem condenar a sermos apenas os fornecedores dos produtos in natura que lhes faltam e assim voltam a nos recolonizar.
Não podemos aceitar esta estranha divisão internacional do trabalho. Temos que retomar o sonho de alguns de nossos melhores analistas do quilate de Darcy Ribeiro e de Celso Furtado entre outros que propuseram uma reinvenção ou refundação do Brasil sobre bases nossas, gestadas pelo nosso ensaio civilizatório tão enaltecido mundialmente.
Este é o desafio lançado aos candidatos à mais alta instância de poder no país.
Não vejo figura melhor para seguir nesta reconstrução a partir de baixo, com uma democracia representativa e participativa, com os seus conselhos e movimentos populares opinando e ajudando a formular caminhos que nos levem para frente e para o alto do que a atual Presidenta Dilma.
A situação é urgente pois, como advertia, pesaroso, Celso Furtado: “tudo aponta para a inviabilização do país como projeto nacional” (op.cit. 35).
Nós não queremos aceitar como fatal esta severa advertência. Não devemos reconhecer as derrotas sem antes dar as batalhas como nos ensinava Dom Quixote em sua gaia sabedoria.
Essa batalha será decidida dia 5 de outubro. Que os bons espíritos guiem os rumos de nosso país.
Postado no Blog do Miro em 02/10/214
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