Os mais espiritualizados diriam que a humanidade é composta pela massa informe dos que vieram de passagem pela vida, buscaram promoção pessoal ou não, acomodaram-se na carreira profissional ou não, mas fecharam-se em seu mundinho murado, não se expondo aos desafios da vida nem à luz dos sentimentos maiores, incapazes de celebrar a beleza ou se indignar com os absurdos da vida. Sobem quando encontram espaço; resignam-se, quando expostos a obstáculos.
Mas há as crianças de luz, aquelas que nasceram com a garra dos predestinados, com a indignação dos que jamais se curvariam às vicissitudes da vida. E aquelas que, dotadas da força interna dos iluminados, foram ceifadas pela força bruta dos bárbaros.
Com 8 anos de idade, morador da Vila Kennedy, na zona Oeste do Rio, o menino Alex Moraes Soeiro era um deles.
Morava com a mãe em Mossoró, Rio Grande do Norte. Ameaçada de perder a guarda do filho, por não leva-lo à escola, despachou-o para morar com o pai no Rio de Janeiro.
Ex-presidiário, traficante, desempregado, o bárbaro acolheu a luz.
Alex foi matriculado na Escola municipal Coronel José Gomes Moreira. No primeiro bimestre tirou nota 88; no segundo, nota 100; no terceiro nota 90.
Segundo os colegas, era um menino afetuoso, que se dava bem com todos. Sensível, gostava de dança do ventre e de lavar louças, de forró e de brincar de carrinhos. E tinha uma força interna de tal ordem que escondia dos colegas os hematomas resultantes dos frequentes espancamentos a que era submetido pelo pai, “para ensiná-lo a andar como homem”.
De frente com a besta, o menino não cedia, não chorava, não gritava. Foi assim quando recusou-se a cortar o cabelo e foi espancado e não cedeu e continuou sendo espancado até que a pancadaria feroz dilacerou o fígado, provocando uma hemorragia interna.
Com 8 anos morreu sem se curvar à bestialidade. No laudo final, os legistas encontraram escoriações nos joelhos, cotovelos, ouvido esquerdo, no tórax, na região cervical, equimoses no rosto, no tórax, no supercílio direito, no punho esquerdo, no braço e antebraços.
Se a besta não tivesse ceifado sua vida, seria um dos futuros meninos de luz a iluminar a construção de um país desigual, talvez um grande líder político ou comunitário, talvez um empreendedor destemido, talvez um artista consagrado.
Esta semana foi a vez de Bernardo Boldrini, de 11 anos, no município de Três Passos, perto de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Órfão da mãe, que supostamente se suicidou logo após se separar do marido, foi morar com o pai, médico cirurgião bem sucedido e a nova esposa.
Pelos amigos, era considerado dócil, obediente e carente, especialmente devido ao abandono a que foi relegado pelo pai. Muitas vezes refugiava-se em casa de amigos, sem jamais criticar o pai ou mencionar os problemas em casa.
Em um dia em que o pai prometeu mais atenção, comentou com os colegas sua felicidade, por poder brincar com a “mana”, a irmã de um ano e três meses do novo casamento.
Quando a vida tornou-se insuportável, não cedeu.
Com 11 anos, procurou o Conselho Tutelar da cidade para denunciar os maus tratos e o abandono pelo pai e propor ser criado pelo avó.
No último dia 4 foi morto com uma injeção letal, aplicada provavelmente pelo pai e pela madrasta.
Aos que desanimam com os problemas da vida real, que se abatem com os trancos do destino, iluminem-se com a luz desses meninos que não cederam.