No trânsito, quem não reagiu está vivo


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Marco Antonio Araujo

Muito antes da moda de amarrar gente em poste, o brasileiro já praticava um esporte urbano extremamente violento: briga de trânsito. É uma verdadeira paixão nacional. 

O caso da jovem que teve traumatismo facial e o maxilar quebrado em Alphaville é só mais um exemplo da guerra civil que nos faz tocaia em cada semáforo. Parcela significativa da população age como hooligans sobre quatro rodas.

São Paulo, em particular, é um looping interminável da cena da corrida de bigas do clássico Ben Hur. O cidadão na diligência ao lado é tratado como um inimigo a ser eliminado, de preferência com chicotadas e requintes de brutalidade. 

Eu considero esse comportamento selvagem apenas mais um exemplo da violência atávica, endêmica e natural do nosso povo. Definitivamente, não somos cordiais. Temos os criminosos mais sádicos do mundo — e os cidadãos mais egoístas e incivilizados do sistema solar. Por que seríamos gentis e educados exatamente quando usamos armaduras em formato de bólidos que pesam toneladas? 

Se fosse possível, os motoristas colocariam a culpa pela violência no trânsito nos políticos (esse álibi imperfeito para todas as nossas mazelas e indecências). Como não dá, o silêncio sobre o assunto é ensurdecedor. Mas a culpa é sempre do outro. 

Experimente dar passagem a um pedestre. O seu inimigo no carro de trás vai buzinar e gritar que você é um banana. Imediatamente, aquele ser altruísta que há segundos habitava sua alma será abduzido por um animal dotado de fúria e ódio mortais. 

Falta de educação? Com certeza, mas não só. Pessoas encasteladas no topo da cadeia alimentar estão sempre protagonizando cenas de faroeste caboclo em nossas ruas e avenidas. No quesito sangue no asfalto somos uma sociedade igualitária. Não por acaso, quando estamos envolvidos em um acidente de trânsito, a recomendação é a mesma que se dá às vítimas de assalto e sequestro: não reaja. 

Como diria um político paulista, quem não reagiu está vivo. 


Postado no blog O Provocador em 25/03/2014 



“Muito Além do Cidadão Kane” é único, ao expor promiscuidade entre a ditadura e TV Globo





Por Kiko Nogueira, no DCM em 29/03/2014


O documentário “Muito Além do Cidadão Kane”, de 1993, é uma daquelas obras com a rara capacidade de ficar mais atuais à medida que o tempo passa — um, por sua qualidade, dois, pela falta completa de algo parecido.

Conta a história de Roberto Marinho e da Globo. Nos 50 anos do golpe, ajuda a compreender uma relação umbilical e uma, digamos, retroalimentação em que uma das partes teve fim — a ditadura — e a outra seguiu firme e forte.

“Beyond Citizen Kane” foi produzido pelo Canal 4 britânico e dirigido por Simon Hartog, cineasta independente que começou a carreira nos anos 60. Hartog morreu quando o filme estava sendo editado. Não pôde ver seu impacto.

Foi exibido na Inglaterra. A Globo tentou comprar os direitos para se livrar dele, mas Hartog já havia se precavido contra isso numa cláusula. Em seguida, entrou na Justiça para proibir sua exibição no MAM do Rio em março de 1994 — e ganhou, naturalmente. Os pôsteres foram recolhidos pela polícia.

A cópia que passaria no MIS, em São Paulo, foi confiscada a mando do governador Luiz Antonio Fleury. Outras puderam circular legalmente em universidades só nos anos 2000. Hoje, graças à internet, “Muito Além do Cidadão Kane” está no YouTube na íntegra.

O tom não é de libelo, não é histérico, não é conspiratório. Ao contrário, é uma longa reportagem, extremamente sóbria, contando uma história que não tinha sido contada sobre a maior rede de televisão do Brasil e seu dono. Isso é notícia.

Hartog e equipe falaram com mais de 40 pessoas — de Chico Buarque a Armando Falcão, de ACM ao ex-diretor de jornalismo da Globo Armando Nogueira. Acompanham, também, a “família Silva”, moradora da periferia de Salvador. Pai, mãe e filhos num barraco escuro, cujo maior foco de luz vem de uma telinha de tevê na mesa da sala/cozinha, ligada no Fantástico.

Há vozes críticas, evidentemente: Brizola (que compara RM a Stalin, já que ambos mandavam seus desafetos para a Sibéria ou para o “esquecimento”); Chico Buarque, lembrando do poder “assustador” da emissora e dos jabás; Lula, pré-Lulinha Paz e Amor, reclamando do “senhor” que manda em tudo e da cobertura das greves do ABC.

Mas ali estão também empresários, publicitários (como Washington Olivetto), políticos, funcionários e ex-funcionários. Armando Falcão, ministro da Justiça durante a ditadura, lembra com carinho do amigo e diz, candidamente, que ele já era “revolucionário antes da Revolução de 64”. “Doutor Roberto nunca me criou nenhum tipo de dificuldade”, diz ele. Roberto Civita, dono da Abril, explica como sua empresa não conseguiu as concessões que queria em 1980 após a falência da Tupi.

Hartog mostra, com imagens e depoimentos da época, como a Globo se esforçou para sedimentar a boa reputação do regime militar. Lembra que a fatia do bolo publicitário da propaganda governamental já era grande na época e que, em 1990, a Globo detinha 75% da verba total no país.

Walter Clark, chefe da emissora antes de Boni, conta que Roberto Marinho o demitiu porque Clark “já tinha montado o trem elétrico e agora ele podia brincar à vontade. É uma pessoa bem parecida com o Cidadão Kane, mas acho que ele não tem o Rosebud”.

Marinho, obviamente, não deu entrevistas. Surge ao lado de todos os generais e, em seguida, com Tancredo, Sarney e Collor. “Doutor Roberto é meu amigo há mais de 30 anos. O pessoal tem muita inveja”, afirma Antônio Carlos Magalhães, feito ministro das comunicações por Roberto Marinho no governo Sarney.

A certa altura, menciona-se a minissérie “Anos Rebeldes”, que tratou da inquietação da juventude brasileira no fim dos anos 60. Ficou manca: faltou um papel para a Globo, que não é coadjuvante.

Meio século após o golpe, “Muito Além do Cidadão Kane” reforça esse ponto: um relato honesto e abrangente sobre a ditadura tem, obrigatoriamente, de levar em conta o protagonismo da TV Globo e de Roberto Marinho. Sem o doutor Roberto, provavelmente nada teria sido possível.





Albano e os desvairados ideológicos




Juremir Machado da Silva


Fora de foco.

Albano escreve cartas para o painel dos leitores do jornal Meia-Noite, matutino de Palomas. 

Nos últimos tempos, Albano descobriu o e-mail, o twitter, o facebook e as postagens em blogs. Passa os dias na frente do computador. Carimba tudo. 

Albano faz parte da direita Miami. Outro dia, ele encontrou na rua um blogueiro sujo, o Robertinho, e tratou de disparar as suas cobranças:

– Não vai falar nada de Cuba, da Coreia do Norte e da Venezuela? Para com essas abobrinhas, fala do essencial.

Robertinho estava num dia ruim. Dava para ver que sentia alguma dor. Exibia um ar amarelo. Tentou explicar:

– Minha mulher me deixou. Foi embora com o Mário da leiteria. Confesso que não ando com cabeça para nada.

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte fazendo o que estão fazendo e tu preocupado com uma guampa!

O blogueiro ficou perplexo. Mesmo assim, buscou mais argumentos para justificar seus assuntos e posturas:

– Estou com câncer. Fiquei sabendo faz duas semanas. Não sei quanto tempo de vida ainda tenho. Foi um choque.

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte apavorando o mundo e tu aí focado no teu probleminha pessoal. Onde fica o teu compromisso com o coletivo?

– Pois é, pois é, mas existem outras coisas na vida além de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Tenho escrito muito sobre a questão da neutralidade na rede e sobre o marco civil da internet. É algo que afeta a vida de todos nós.

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte barbarizando e assustando o planeta e tu vens me falar em neutralidade na rede, essa armação do PT para impedir a liberdade de opinião na internet. Fala sério, vai!

– Não, pelo amor de Deus, neutralidade na rede nada tem a ver com liberdade de opinião. É uma expressão técnica para equivalência de trafegabilidade de dados na rede.

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte colocando o mundo em perigo e tu falando em equivalência de trafegabilidade na internet e essas besteiras todas.

O pobre do Robertinho pensou em bater em retirada. Albano não o deixou escapar. Fechou o cerco. Disparou:

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte espalhando a miséria e o atraso e tu aí vomitando ideologia. Vira o disco, tchê! Muda de assunto. Vai. Se fosse no tempo da Redentora, que os comunistas chamam de ditadura, ninguém ia aturar essa tua conversa mole.

– Bem, vou pensar nisso tudo. Tenho que ir ao aniversário da minha netinha. Ela faz três anos hoje. É uma graça.

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte pondo a humanidade à beira do abismo e tu aqui preocupado com o aniversário da tua netinha. Para de falar do teu umbigo.

Robertinho teve um sobressalto de dignidade:

– Para de me encher o saco, mala. Vai plantar batatas.

– Qual é, meu? Cuba, Venezuela e Coreia do Norte oprimindo milhões de pessoas e tu preocupado com o teu ego. Para com isso. Foca no essencial. Abre o leque.


Postado no blog Juremir Machado da Silva em 27/03/2014


Nota




Alguns jornalistas e seus Blogs Sujos apelido dado por José Serra








Marco Civil da Internet : humor





Pequenas corrupções ... para sanear a política precisamos mudar !





O Brasil não quer ser selvagem. Porque liberdade não é selvageria





Fernando Brito

Punir a agressão, o preconceito, a injúria racial e social não é um ato de ódio ao agressor ou ao racista.

É uma tarefa civilizatória, porque é pedagógica.

Ensina aos integrantes de uma sociedade que não se pode incitar ao ódio.

Ontem, todos nos chocamos com a pesquisa do Ipea que revelou que a maioria dos brasileiros acha que a roupa usada por uma mulher poderia justificar ataques sexuais.

É o resultado tanto da falta de punição aos abusos sexuais quanto, também, de uma mídia que estimula a erotização do corpo como a essência das relações humanas.

Não importa, porém, o quanto alguém se sinta provocado, simplesmente não pode atacar outra pessoa e ponto.

Duas boas notícias, entretanto, estão aí para ajudar a mostrar que nem mesmo no campo das palavras se pode aceitar o desrespeito.

O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, aceitou o pedido da bancada do PC do B para abrir uma investigação sobre Raquel Sheherazade e o SBT por defenderem, num meio de comunicação público, o acorrentamento de um rapaz a um poste.

Não é o caso de discutir se “merecia” ou “não merecia”, como no ataque sexual: não se pode fazer e ponto.

A outra é a demissão do co-piloto da Avianca que xingou o povo nordestino de porco em seu Facebook, por ter sido mal atendido num restaurante. Podia reclamar o quanto quisesse do restaurante, não dizer que os nordestinos são porcos.

Aliás, fez pior, porque quando começaram as reações disse que “O Brasil é outra grande merda em geral”.

É uma pena que tenha perdido o bom emprego, mas não é compatível com a dignidade humana nem com a função que desempenha num país que, finalmente, está a caminho de tornar a aviação comercial um serviço democrático, com um recorde 89 milhões de passageiros transportados ano ano passado, boa parte deles nordestinos.

Este país e seus profissionais, sejam pilotos, sejam médicos, sejam professores como os do “aeroporto perdeu o glamour”, tem de aprender a respeitar todas as pessoas, seja qual for sua etnia, origem ou poder aquisitivo.



Postado no blog Tijolaço em 28/03/2014