Lula Miranda
Certo político ultraconservador disse, pouco tempo atrás, uma frase que restou eternizada pelo indisfarçável ranço autoritário que trazia em seu bojo, e denotava, de modo eloquente, o poço em que decantada se escondia a lama e os resíduos mais fétidos do pensamento conservador das nossas elites reacionárias: "Nós vamos acabar com essa raça!". Algo nessa linha. Essa frase imperativa, intolerante e "lapidar", foi de certo modo imortalizada e forjada em chumbo no panteão das frases infames.
Os ataques ao Partido dos Trabalhadores são tão virulentos, grosseiros, multifacetados, parecem partir de todos os lados e de todos os veículos da grande imprensa, injustificados na maioria das vezes, que no fim das contas fica a impressão que existe um consenso antipetista na grande mídia. Algo que já não nos causa assomo ou estranheza.
Parece que há uma espécie de campeonato pra ver quem mais fala mal do PT – com maior competência, ardil, desfaçatez ou espalhafato.
Ministros, promotores, âncoras das TVs, colunistas dos "jornalões", trolls irados nos espaços de comentários dos blogs e sites. A triste malta antipetista...
Afinal, por que buscam tanto atingir ao PT?! Por que alguns têm tanto ódio do Lula? Por que tanto ódio do José Dirceu e do Genoino?
Chegaram à irresponsabilidade e inconsequência de se pretender sabotar uma Copa do Mundo realizada no Brasil, sem se preocupar, minimamente, com o prejuízo imensurável que tal colossal burrice pode acarretar ao país.
Será que essa "bronca" é devido àquilo que esses homens fizeram em prol do povo brasileiro, em benefício dos mais humildes e desamparados?
Ou seria por aquilo que deixaram de fazer? Será que a nossa elite, como diria aquele personagem do saudoso Chico Anísio, "detesta pobre"? Detesta pobres, pretos, putas, "pederastas" [com o perdão da palavra] e... petistas – isto sim!
Será que é por causa do tal "mentirão"? Ops! Quero dizer, "mensalão"? Não! O "mentirão", como o próprio nome entrega, não passa de uma mentira, um mero pretexto para destilar o ódio e linchar alguns "bois de piranha" em praça pública, em usual catarse, pois a malta tem sede de sangue e a boiada dos hipócritas e falsos moralistas precisa atravessar incólume o rio repleto de pequenas criaturas que se movem pelo ódio. Ódio de classe?
Sou um filho da elite, já confessei aqui, mais de uma vez, mas sou também uma testemunha ocular da nossa história contemporânea e vi, com meus próprios olhos – não, ninguém me contou, eu vi – as transformações que o PT e seus aliados na sociedade propiciaram ao país. Propiciaram e ainda estão propiciando.
O que mais me espanta é que foram mudanças realizadas sob a égide da Justiça e do respeito aos contratos e ao Estado de Direito. Tudo dentro das regras do capitalismo e da democracia – pois esse é o caminho correto a se trilhar.
E, por isso, nem venha me falar em Cuba, meu camarada! Nem em históricos espectros ou espantalhos como Stalin, Mao et caterva. Esconjuro!
Na vida real, ninguém foi punido devido aos bárbaros crimes cometidos na ditadura! Nenhuma empresa foi expropriada ou estatizada – deu-se o contrário!
Quase nenhum recurso roubado e expatriado para paraísos fiscais pelas elites corruptas foi repatriado! Sequer houve qualquer taxação extraordinária das grandes fortunas ou dos megassalários!
Ou seja, o PT não fez nenhuma revolução! Apenas começou, de modo tímido, incipiente mesmo, a repartir um pouco o tal já famoso "bolo" – que não é exatamente aquele, de limão ou de coco, que as senhoras de Higienópolis em SP (ou do Leblon, no RJ) saboreiam tranquilamente no chá das cinco.
As transformações deram-se (e ainda se dão) de modo paulatino. Pois, sabe-se, foram séculos de exploração e abandono dos mais pobres. Não se pode passar do inferno ao paraíso em uma década!
Aliás, as nossas elites conhecem muito bem o paraíso – notadamente o fiscal. O inferno, claro, são os outros.
Mas, confesso, eu me embriago de contentamento com algumas dessas pequenas transformações.
Por exemplo, soube anteontem que os dois filhos de um dos vigilantes da rua onde moro estão estudando engenharia.
Só fiquei sabendo dessa boa nova, por esses dias, e isso me encheu de uma alegria tão genuína, que parecia que eram meus aqueles filhos. Foi emocionante a cena de ver aquele rapaz caminhando, a passos lentos, em minha direção para me mostrar, com aquele jeito tímido típico dos mais humildes, a carteirinha de estudante, dizendo, meio sem jeito:
- Seu Luiz, veja isso aqui...
Por isso, com sua licença, vou repetir essa frase, com o devido destaque:
Os filhos do vigilante que trabalha na rua em que resido estão cursando faculdade de engenharia!
Só esse fato já diz muito do Brasil de hoje e, acredito, é revelador do porquê de alguns desejarem em seu intimo de maneira tão odienta "acabar com essa raça".
Lembro-me agora de uma velhinha [negra e pobre, por óbvio] que, macérrima e alquebrada, carregava, para cima e para baixo, pesados fardos de papelão, aqui perto do meu trabalho, para vender como material para reciclagem. Além de ficar penalizado, e de lhe dar algum dinheiro para que fosse para casa descansar, orientei-a então a que procurasse o benefício do Bolsa Família. Hoje ela já não carrega fardos de papelão, ladeira acima, todos os dias, em pleno sol a pino.
Sei não, mas mais parece que a "raça" que tem que ser extinta é essa gente que quer/deseja um país para poucos, que quer manter o velho e ultrapassado país de Casa-Grande e Senzala.
Perceba que os petistas não arrombaram as portas da casa-grande a pontapés. Estão entrando "na moral".
Na verdade, o seu [dos petistas] sonho, mas também nosso; a sua/nossa utopia, cá entre nós, é transformar a senzala em casa-grande. Ou ao menos acabar com a hipocrisia de um apartheid dissimulado. Mas, eu bem sei, isso é coisa de sonhador.
Por isso, os petistas estão – e devemos nos somar a eles – realizando a utopia "comendo pelas beiradas".
Ô raça essa!
Por que será que querem acabar com a essa raça mesmo?
Faça-me um favor, gente fina, avisa lá pra aquela "Vossa Excelência", lá em Brasília, que eu sou um cabra retado do Nordeste e que comigo não tem fuleragem, não. Diga-lhe ainda que o dinheiro, um dos principais vetores de infecção do corpo e da alma, o meu [dinheiro] eu lavo lá no rio da baixa da égua e o que sobra, limpinho, cheirando a alho, a gente deposita lá nas Ilhas Carimã [sic]. Porque esse negócio de comprar apartamento e até tampa de privada em Miami e é coisa de novo rico rastaquera.
Nota: Carimã, para os que não conhecem, é uma espécie de massa ou bolo que se faz de um determinado tipo de mandioca na região norte e nordeste do Brasil. Foi utilizado aqui, claro, como um trocadilho às Ilhas Cayman, conhecido paraíso fiscal dos endinheirados brasileiros que querem lavar dinheiro e fugir do fisco.