Usuários estão ficando mais atentos aos desvios da rede social


Perto de seus dez anos, o Facebook já não é mero espaço de encontro, mas um fenomenal depósito de informações, uma potente ferramenta de negócios e uma triste vitrine de felicidade ilusória.


Valentina e Laura


Valentina: “Parece que agora precisamos mostrar nossos sentimentos, como se isso criasse uma identidade”. Laura: “Percebi que teria de abrir uma conta nova. Voltei com mais cuidado”



Miriam Sanger


Assim como política, religião e futebol, Facebook não se discute. Cada um do cerca de 1 bilhão de usuários enxerga essa rede social com forma e propósitos diferentes. 

Ninguém pode discordar que ela flutua a favor da maré e cresce exponencialmente, para a felicidade de seu jovem proprietário e dos acionistas da empresa. Essa expansão, no entanto, não necessariamente representa benefícios para aquele que deveria ser seu bem mais precioso: o público, cada vez mais ressabiado, como apontam pesquisas, com a falta de privacidade. 

Nem isso, porém, parece ter diminuído o ímpeto de compartilhar informações, atitudes cotidianas ou se envolver em algumas das tribos que deixaram o sofá e foram às ruas protestar contra os problemas nacionais.

Muito se tem investigado a respeito do usuário dessa mídia, que vem mudando junto com ela. Esse assunto é ainda mais relevante no Brasil, onde está o povo que mais gasta tempo em redes sociais e cada vez mais é instigado a um novo comportamento: a superexposição voluntária.

“Comparo as novas mídias sociais a uma grande festa, um lugar acolhedor e descontraído onde euforicamente nos sentimos livres para nos exibir.

Ali, agimos como se estivéssemos sonhando com os olhos abertos, em um estado alterado de consciência que reduz nossas defesas e nosso senso crítico”, acredita a psicóloga Katty Zúñiga, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI) da Clínica Psicológica da PUC de São Paulo.

“A pessoa entra na rede social e ‘cresce’ de acordo com o estímulo que recebe de amigos e conhecidos. Esse fato então se mescla à sua bagagem cultural: se o brasileiro é por natureza mais expansivo, com certeza vai se expor mais que um boliviano, por exemplo”, explica a professora Beth Saad, coordenadora do curso de pós-graduação em Comunicação Digital na Escola de Comunicações e Artes da USP.

Quem é usuário sabe do que Beth fala, e boa parte do que hoje se vê ali postado deixa evidente a sensação de liberdade do autor, que muitas vezes escreve o que não diria cara a cara e mostra imagens que “ao vivo” não exibiria – ou, pior, exibe uma agressividade que não costuma pessoalmente expressar. 

“Esse me parece o lado complicado do Facebook. Acho que, ali, as pessoas se tornam mais agressivas. A questão do anonimato, também permitido no mundo virtual, é outro aspecto que pode levar a situações desagradáveis. 

Mas não tem jeito: tudo isso faz parte desse movimento”, considera Joel Bueno, bancário aposentado que viu no Facebook uma forma de divulgar mais amplamente seu blog.

Espiral da felicidade

Talvez a euforia descrita por Katty também explique o fenômeno chamado “espiral da felicidade”.

A tendência aparece em pesquisas: o usuário vê seus amigos felizes e, por isso, evita postar mensagens “pra baixo”. 

“De forma geral, a rede é como uma onda, na qual quando um está feliz o outro precisa dizer que também está e, mais ainda, precisa ‘curtir’ a felicidade alheia”, afirma Beth Saad. 

Essa permanente festa de um mundo irreal, no entanto, traz sofrimento. Segundo um estudo recente realizado pelas universidades alemãs Humboldt, de Berlim, e de Ciências Aplicadas de Darmstadt, mais de um terço dos usuários do Facebook enfrenta sentimentos negativos como frustração e tristeza depois de visitar o perfil dos “amigos”.

E aí entra uma questão sobre conceito de amigo do ponto de vista da rede social. “Já está claro que não segue o mesmo conceito da vida real. Na rede, você se torna amigo de quem é celebridade, de quem posta ideias interessantes, de quem é amigo de um amigo”, diz Beth. 

Ou seja, a construção de uma rede de relacionamento não segue, a rigor, nenhum critério, e amigos podem ser clientes, colegas de trabalho e até o chefe, lado a lado com a tia-avó e os filhos da melhor amiga. Haja confusão.

“Como posto muito, sei que me exponho e deveria ser mais comedida”

“Já levei bronca dos meus amigos porque na minha página estão meu network profissional, minha família e meus amigos. Eu não deveria ficar expondo o mundo de um aos outros, mas não consigo ainda dividir minha página. Assim, como posto muito, sei que me exponho e deveria ser mais comedida”, descreve a assessora de eventos Carolina Birenbaum.

Com mais de 2.700 amigos em sua página, ela utiliza o Facebook também com fins profissionais e armazena o portfólio de sua empresa. 

Já a secretária Eliane Ferraz de Souza Morales, usuária há cerca de um ano, vai ao extremo oposto. “Uso o Facebook para acompanhar as novidades de meus amigos. Mas a minha intimidade eu não publico – não vejo por que tornar públicos assuntos que são somente meus.”

Mas nunca foi tão difícil separar alhos de bugalhos: a divisão do que é pessoal daquilo que é profissional, em vez de se tornar clara, é cada vez mais tênue, assim como a distinção entre o que é de interesse comum e o que é puramente merchandising. 

“O Facebook nasceu com o intuito de ser um lugar onde as pessoas poderiam compartilhar suas experiências. No entanto, o que vemos agora? Mil adds, apps e praticamente um canal de propaganda de todos os centros comerciais do mundo”, afirma a fotógrafa Solange Benasulin, que utiliza a ferramenta para divulgar seu trabalho.

Essa face mercantilista está cansando usuários – e já há quem esteja se afastando. A alteração do perfil do Facebook soa, para Sérgio Basbaum, como o fim de uma época mais “inocente” da ferramenta. “Quando entrei, em 2007, achei o Facebook interessante. A sensação que tinha ao navegar ali era a mesma de quando eu, no passado, ia à praia no Rio de Janeiro. Encontrava uma amiga aqui, um grupo ali, um amigo antigo que não via há tempos. Ainda existe essa dinâmica interessante. O lado esquisito é que virou um espaço utilitário e perdeu, com isso, sua ingenuidade inicial”, avalia ele, que é pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) na PUC-SP.

A ilustradora Valentina Fraiz decidiu “voltar à vida analógica”. Usuária por anos, ela sempre foi questionadora do nível de exposição ao qual as pessoas pensadamente se propõem: “Não entendo de onde vem esse prazer. Parece que agora, o tempo todo, precisamos mostrar como estamos nos vestindo, nossos sentimentos, nossos gostos, como se isso criasse uma identidade. Sempre provoquei as pessoas: ‘Ei, galera, prestem atenção no que vocês estão postando!’ E, quanto mais eu questionava, mais as pessoas me bloqueavam”.

A motivação final para sair dessa rede surgiu quando as páginas de algumas amigas foram bloqueadas em função de fotos postadas. “Elas participaram de um evento público, a Marcha das Vadias, que acontece no mundo inteiro, e apareciam nas fotos com os seios pintados, uma situação absolutamente não sexual. Foi censura. Como assim? Você tem de se ajustar, dar todas as suas informações e, em troca, levar para casa um patrulhamento moral?”, questiona Valentina.

O que não estava no script era deparar com uma espécie de crise de abstinência. Semanas depois de ter ‘morrido’ no Face, ela abria o computador e mecanicamente começava a digitar o endereço dele. “Minha filha Laura, que curtiu minha iniciativa, também saiu durante seis meses. Sofreu muito, pois ficou em um tal grau de isolamento em relação aos amigos que era impossível suportar. E fui eu mesma que a aconselhei a voltar.”

Laura explica que tinha mudado para uma cidade nova, não tinha amigos, e estar fora da rede atrapalhou. “Eu ficava sabendo de uma festa só depois, e percebi que não estava sendo chamada porque os convites eram publicados só no Face. Uma hora percebi que teria de abrir uma conta nova. Voltei com uma atitude nova, com mais cuidado para não expor minha vida como antes. Sou discreta sem ser ausente.”

"Uso o Face para acompanhar novidades de amigos. Mas a minha intimidade eu não publico." 

Quem usa quem?

Difícil traçar um padrão para todos os usuários, pois há de tudo um pouco: o reclamão, que percebe a propagação que o Face tem; o solitário, que posta madrugada adentro e lança bom-dia e boa-noite para o mundo inteiro; o voyeur, que não posta nada, mas acompanha tudo; o ideólogo de plantão; o comentarista esportivo; o espalhador de confete.

Há de se considerar também a tribo dos que não estão no Facebook, como a diretora de teatro Inês Saldanha, que há anos alimenta, segundo ela, uma preguiça imensa de participar. “Acho que é invasivo e chato. Por vezes é profundamente poderoso, por outras, leviano. Ainda prefiro me relacionar com algo que seja tridimensional”, brinca.

Quanto ao padrão de uso, há referências claras, que dividem os brasileiros em três grandes grupos. 

O maior deles o utiliza com postura de entretenimento e relacionamento pessoal, e em geral dá muito ‘curtir’ em propagandas e marcas. Frequenta aplicativos, jogos e dissemina muitas mensagens genéricas, de estilo de vida, saúde, religião. 

O segundo privilegia a construção de um grupo de contatos bem estudado, normalmente motivado por um interesse específico, seja intelectual, seja profissional. 

Já o último grupo costuma visitar “fan pages” de empresas, fazendo um uso mais mercadológico e publicitário da ferramenta, que por trás o incentiva a disseminar esse conteúdo para uma rede de pessoas. Uma vez ali, as empresas passam a ter acesso aos perfis e, assim, a trabalhar conteúdos direcionados.

Um estudo realizado em 2012 pela Hi-Mídia, empresa de mídia on-line, e a M.Sense, especialista em pesquisa sobre o mercado digital, mostrou o que o Facebook representa a partir do ponto de vista mercadológico: foi considerado como mídia de “elevada penetração junto ao público” devido à sua alta frequência de acesso (75% dos entrevistados o visitavam ao menos uma vez por dia); 72% discutiam em suas páginas sobre produtos e estavam familiarizados com compras on-line; e 12% já compraram diretamente no Facebook, percentual considerado elevado. 

“Eu já fiz compra pelo Face, é uma ferramenta importante e diária. Mas precisa saber usá-lo, filtrando os conteúdos que chegam até você – percebo, pela página de alguns amigos, que nele é possível desperdiçar tempo sem nenhum benefício. Depende de cada um definir como quer usá-lo”, diz o assistente financeiro Thiago Eráclito.

Seja como for, é evidente que o Facebook está a “dois palitos” de se transformar na mais potente ferramenta de vendas do globo, por meio da qual as empresas conseguem fazer ofertas de uma forma tão orientada quanto nunca foi possível antes – e isso graças ao próprio usuário, que oferece tantas informações pessoais em troca de... nada. 

Quanto tempo cada usuário gasta na internet, quais empresas visita, quantas vezes viaja a lazer e qual seu programa de TV favorito são apenas migalhas do imenso arsenal de conhecimento concentrado ali.

"As pessoas se tornam mais agressivas, mas não tem jeito: tudo faz parte desse movimento”

Impossível prever quão mais longe o Facebook vai chegar. Sérgio Basbaum o vê como um “boteco da moda”: na hora que aparecer um mais descolado, todo mundo vai migrar. Mas esse outro ainda não apareceu. 

“Toda plataforma de relacionamento tem um ciclo de vida, basta lembrar do Orkut ou do My Space. Nesse momento, o Face está entrando em um patamar em que ou ele se reformula, ou outras poderão tomar seu lugar. É um ciclo de amadurecimento natural”, acredita Beth, enquanto Valentina imagina que o pior ainda está por vir: “Dentro de alguns anos, o Facebook será tão dono de nossas informações que teremos de pagar para poder mantê-las em privacidade”. 

Tudo dito, nada concluído, talvez não dê mesmo para saber que rumo a coisa vai tomar – mas há de se perder, e já, a inocência.

Postado no site Rede Brasil Atual em 10/08/2013

Cinco filmes polêmicos sobre religião


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Ao quebrar tabus, arte instiga sociedade a perceber que nada deve ser inquestionável. Obras sugeridas sofreram boicotes e censuras, mas abriram debates necessários.


Rafael Lopes, do Cinetoscópio

O cinema enquanto expressão artística não poderia jamais fechar os olhos para temas polêmicos. Lembre-se que quando Chaplin te fazia rir enquanto apertava uns parafusos dentro das engrenagens da indústria, denunciava também a exploração do empregado na selvageria das indústrias.

Por essas e outras, o cinema sempre teve consigo o fardo de ao mesmo tempo em que diverte precisa documentar. A câmera vira, então, os olhos de quem enxerga uma situação de uma forma e disserta sobre de uma forma dinâmica, em 24 quadros por segundo.

A arte quebrando tabus tem sido uma das formas da sociedade demonstrar sua reflexão diante de situações que não são discutidas com mais naturalidade. O cinema já fez isso com homossexuais, casos de aborto, reféns das guerras no oriente médio e outros temas. O que será discutido aqui é a religião.

Nesta lista estão 5 filmes que de maneiras distintas oferecem discursos basicamente sobre o mesmo tema: a relação da fé com o ser humano. São 5 exemplos de como o cinema encarou esse assunto que certamente mexe com uma gigantesca parcela da sociedade, onde uns aceitam e outros torcem o nariz.

São filmes que sofreram com tentativas de boicotes, com recepções variadas pelo público mas que principalmente foram corajosos em abrir um debate que muitos se negam por motivos variados, sendo o principal dele a não reflexão de uma verdade que julgam absoluta. São 5 filmes que valem a pena pela sabedoria de tratar o tema com a responsabilidade de na linguagem cinematográfica além de nos entreter, informar.

5 – Dogma


Leia a crítica aqui. Dogma não é de fácil digestão. Pra começar nem todo mundo é fã do humor negro e é justamente esse que impera nesse filme. Mas e qual é o conceito de humor negro?

Muitos dirão ser o humor que trata de assuntos mais polêmicos, do humor que ofende. Trata-se de um humor apelativo, é verdade, mas que no fim das contas sequer chega a ofender.

O diretor Kevin Smith usa de itens básicos à religião cristã para criticar a forma com que as pessoas se apegam a símbolos religiosos e disso se desfazem até das próprias responsabilidades. Tal qual uma cena em que um anjo convence um cristão a ser ateu, Smith discute a dualidade do ser humano diante das próprias crenças, tal qual a escolha de levar uma vida dentro dos princípios religiosos com medo de ir para o inferno se logo em seguida fará alguma besteira fora desses princípios pensando ser perdoado só por se arrepender.

Dogma discursa muito bem sobre essa hipocrisia, o que rende momentos brilhantes dentro da trama e faz concluir que não se trata de um humor negro. Está mais para o bom e velho humor crítico que ninguém gosta porque a carapuça serve.

4 – A Vida de Brian


Leia a crítica aqui. Num debate na TV inglesa, John Cleese discutia com representantes religiosos sobre o “teor de blasfêmia” que seu novo filme tinha. Cleese em uma resposta quebrou os dois líderes religiosos, que o sabatinavam de maneira vergonhosamente tendenciosa, tentando colocar os Monty Python contra o público. Cleese questionou sobre a fé dos mesmos quando levantou a questão de que se um filme abala a fé de alguém é porque tem alguma coisa errada com a fé desse alguém.

E essa situação que John Cleese viveu na TV é um dos temas relacionados à religião que A Vida de Brian discute. O filme narra a história do pobre Brian, que quando menos espera é considerado santo, mas não passa de um ser humano comum.

A pretensão do filme não é recontar a história de Jesus às avessas, mas sim criticar a chuva de falsos profetas e charlatões que usam de uma retórica afiada (e muito eficiente) para pastorar as ovelhinhas, bem como os líderes fizeram com o Monty Python quando publicamente tocaram o zaralho para ver A Vida de Brian banido dos cinemas (ou como no programa onde acontecia o debate citado acima, faziam perguntas que mais se preocupavam em colocar o público contra os caras do que realmente chegar a algum entendimento sobre o assunto).

3 – Jesus Camp


Esse polêmico documentário abre espaço para um debate delicado acerca da influencia religiosa sobre os grandes líderes políticos e sobre os ensinamentos das doutrinas religiosas praticamente por meio da tortura.

O filme conta a experiencias de crianças em um acampamento onde simplesmente aprendem a ser fanáticos religiosos, onde o que mais querem na vida é ser um próximo Billy Graham (famoso líder religioso que fez muito sucesso na TV e ainda foi conselheiro espiritual de muitos presidentes americanos, incluindo Nixon, com quem teve um acalorado papo anti semita uma vez), onde o “real” objetivo de sua estadia lá era “recuperar, em nome de Cristo, os EUA”.

Segundo a produtora Rachel Grady ”O documentário é muito profissional e informativo. A temática é real, e tem que ser conhecida pelo mundo” e acrescentou que “o governo deveria se separar da igreja”. Sim, as decisões políticas não precisam necessariamente ter nenhuma relação com religião.

É por isso que temas polêmicos e de real necessidade de a sociedade debater (como aborto, casamento homossexual ou liberação das drogas) não saem do estado estagnado em que se encontram porque desde cedo as crianças estão aprendendo o lado errado da fé.

O fanatismo não é o caminho, não existe verdade absoluta e o tratamento às crianças é realmente questionável. Seria a educação correta? Tire suas conclusões, veja o filme clicando AQUI.

2 – A Última Tentação de Cristo


E se Jesus Cristo tivesse levado uma vida como uma pessoa normal? E se ele tivesse aberto mão de ser o salvador da humanidade para viver como um homem?

A Última Tentação de Cristo é sem dúvida um dos filmes mais polêmicos comandados por Martin Scorsese na mesma proporção de ser um de seus momentos mais brilhantes como diretor.

O filme, baseado no livro do grego Níkos Kazantzákis, é uma dura reflexão a qual todo cristão se nega a imaginar. Será que em algum momento de sua vida, Cristo temeu seu destino? O filme reconta os eventos narrados pela bíblia sob um olhar humano e delicado sobre como Jesus reagiria ao seu destino messiânico. E se seguisse outro caminho?

As personagens da história ganham uma personalidade humanizada, dando à roupagem que o filme se propõe ainda mais autenticidade, e isso incomodou muita gente. O que essa muita gente não viu foi que o filme tenta a todo custo resgatar nas pessoas a compreensão da crença.

É um filme que busca explicar dentro do que é relatado na bíblia a capacidade da interpretação de seu significado e não somente crer naquilo como sendo uma verdade absoluta.

Diante do rebuliço causado pela obra (e de muita gente que ainda torce o nariz com relação a essa obra prima), cito a resposta de Kazantzákis: “Vocês me amaldiçoaram, pais sagrados, eu dou a vocês uma benção: possam as suas consciências ser tão claras quanto a minha e possam vocês ser tão morais e religiosos quanto eu”.

1 – Luz de Inverno


Leia a crítica aqui. Luz de Inverno é o mais perto que o cinema chegou de encontrar uma resposta para os mistérios da fé. Crer ou não crer? Como fazer isso num momento crítico, onde a humanidade parece não ter salvação? Fim dos tempos? Não, é dúvida na fé. 

O padre que questiona a própria fé é a forma que Ingmar Bergman encontrou para interpretar um dos maiores mistérios da humanidade. De onde vem o conceito de fé e de que maneira ela blinda o ser humano de seus temores são os assuntos mais intensos, retratados de maneira intimista e esclarecedora por um dos mais brilhantes cineastas da história. 

O tema tratado com certa audácia, em tempos em que turbulências diplomáticas ameaçavam a mais bela criação divina, nosso mundo, constrói com impressionante maturidade algo que deveria ficar como mensagem universal: fé é muito diferente de religião. 

Acreditar nessa fé é o caminho mais seguro do que seguir doutrinas interpretativas que em muitas vezes desviam da própria proposta. É reinterpretar o primeiro mandamento, tendo em mente a liberdade e o livre arbítrio (garantidos por Deus na bíblia) dessa crença se revelar da maneira que for, mas se revelando.

Postado no site Outras Palavras em 29/08/2013

A consulta




Otávio Mazza

– Doutor, eu não tenho nada.

– Bom, isso é ótimo! Mas então por que é que você está aqui?

– Você não entendeu, doutor. Eu não tenho nada. Absolutamente nada.

– Se é assim, eu posso lhe emprestar algum. Por sorte, eu estou com a carteira recheada, um homem prevenido vale por dois. Tenho até euros, se você preferir.

– Não, doutor, não é a isso que me refiro. Eu até tenho coisas. Muito mais do que preciso. Só que tudo o que eu tenho não me serve. Ou já não me basta. Não há nada de meu ali. A única coisa realmente minha é um grande vazio.

– E as pessoas? Você tem família, amigos?

– Tenho, mas eles não me veem, ou não me escutam. Ou falam outra língua: quando digo coisas tristes, eles riem; quando penso ser engraçado, eles choram. E eles se divertem muito com as coisas que eu tenho ou que eles julgam ter. Estão sempre muito entretidos.

– Você tem algum hobby, pratica um esporte…? Já cogitou ter uma amante?

– A palavra hobby me causa náuseas, doutor, não a repita de novo, por favor. Eu procuro me expressar de várias formas artísticas, mas a minha falta de talento briga com o meu bom gosto; o esporte ajuda a me manter vivo e fora de um manicômio judiciário; a amante eu já tive, mas só aumentou o meu vazio, e vazio a dois é muito triste…

– Entendo…

– Eu só queria muito querer muito algo, e que fosse realmente especial para mim. Queria ter certeza de que estou vivo.

– Quer que eu ausculte o seu coração?

– Doutor!!!

– Desculpe, foi automático. Bom, do pouco que eu conheço, o senhor parece padecer do mal-estar da civilização – li um capítulo do Freud na faculdade e gostei muito, especialmente de citá-lo em festinhas com o pessoal de humanas.

– Arrã…

– Apesar disso, eu tenho poucos recursos para ajudá-lo, pois sou apenas um ortopedista. Posso lhe indicar um psicólogo.

– Nãã. Já fui a muitos. Trocamos livros, CDs, impressões sobre filmes, uma até se apaixonou por mim, mas não achei de grande valia.

– Um psiquiatra, daqueles que receitam remédios tarja preta?

– Já tomei tudo junto e misturado.

– Um tango argentino?

– Os conheço de cor, assim como Bandeira e Fernando Pessoa.

– Bom, tentei tudo que está ao alcance da medicina, mas me sinto de mãos atadas.

– Eu também. Esse é o problema.
***
Epílogo

– Neide, você pode cancelar as consultas desta tarde, por gentileza?

– Sim, claro. Está tudo bem com o doutor? O doutor tem alguma coisa?

– Não tenho nada. Mas é contagioso.


Postado no site Outras Palavras em 26/08/2013


Padrão imposto, mulheres aprisionadas


cabelo envelhece

Adriana de Lorenzo

Nas últimas semanas, vem sendo exibida pela internet uma nova campanha publicitária da Pantene, uma famosa marca de produtos para cabelos femininos.

O vídeo em questão se inicia com o momento que uma modelo brasileira internacionalmente famosa faz uma revelação bombástica: cabelo envelhece.

A partir daí, a propaganda mostra várias mulheres chocadas e perturbadas com o próprio cabelo, explicando que todas as mulheres agora têm um novo motivo para se preocupar. O que fazer para evitar a humilhação de um cabelo com aparência envelhecida? A solução para esse suposto problema, segundo a marca, está na compra de seus produtos.

O fato de que a indústria de beleza é voltada para as mulheres não é uma descoberta recente. A feminista Naomi Wolf já havia escrito sobre o assunto em 1991, quando publicou “O Mito da Beleza”, livro onde explica como as duras cobranças sobre a aparência física feminina dificultam a vida das mulheres.

Embora as mulheres brancas tenham conquistado o direito de trabalhar fora e receber salário próprio, a exigência por uma aparência impecável torna sua renda – já inferior à masculina – ainda menos produtiva, uma vez que grande parte do dinheiro precisa ser utilizado com cosméticos e outros produtos similares.

Um recorte de raça torna a situação ainda mais complexa, pois a mulher negra precisa, antes de qualquer outra coisa, se embranquecer para obter aceitação social e conseguir empregos mais prestigiados.

Mas não é necessário ler a produção de Naomi Wolf para compreender as políticas feministas e analisar criticamente a nossa realidade. O padrão de beleza e sua indústria são uma das formas mais expressivas de repressão feminina.

Com fins lucrativos, as empresas de cosméticos e outros produtos relacionados criam problemas e plantam insegurança nas mulheres, de modo que possam oferecer em seus produtos a solução.

Por isso é tão evidente o quanto essa nova propaganda sobre o envelhecimento dos cabelos se encaixa nessa análise: o próprio vídeo mostra mulheres tomando conhecimento de um suposto novo defeito que precisa ser eliminado, questionando umas às outras como identificar tal problema e buscando solucioná-lo. 

É irônica a forma como o próprio comercial retrata a paranoia das mulheres sobre algo que passava despercebido e que que até o momento jamais havia incomodado ninguém: “tá vendo como tá mais fino? é porque envelhece!”. 

Se até ontem as mulheres gastavam grande parte de sua renda com cremes contra envelhecimento da pele, a partir de hoje bilhões de reais serão gastos com o mais novo xampu que evita o envelhecimento dos cabelos.

Outro ponto importante é que muito se reproduz a ideia de que a saúde feminina equivale a juventude, de modo que as mulheres simplesmente não podem envelhecer em paz. 

Sua utilidade estética em uma sociedade machista, como musa, enfeite ou objeto, não é mais possível quando a mulher envelhece. 

Nossa cultura provoca um grande pavor à possibilidade de envelhecer, mas com um viés extremamente sexista: quando em idade avançada, os homens não querem envelhecer porque temem se tornar sexualmente impotentes, ao passo que as mulheres enfrentam durante toda a vida uma corrida contra o tempo, tentando reverter cada ruga e cada fio de cabelo branco para se manter no padrão de beleza.

É fato que para nenhum dos gêneros a situação é de plena liberdade, mas há diferenças: a cobrança para que homens se enquadrem em um padrão de beleza está cada dia mais forte, mas essa exigência sempre foi e permanece mais cruel e impeditiva para o sexo feminino. 

Não importa o posicionamento profissional, político ou intelectual de uma mulher: sua aparência sempre será o tema de maior discussão a seu respeito. De presidenta da república à professora do ensino fundamental, todas recebem sua parcela de xingamentos, ofensas e insultos relacionados aos seus corpos e sua aparência; todas as mulheres são categorizadas como sexualmente usáveis ou dispensáveis.

Além de incitar um gasto exorbitante com produtos de beleza, provocar insegurança nas mulheres em troca de lucro financeiro também causa danos profundos e frequentemente irreversíveis. Em um mundo que cobra o humanamente impossível do sexo feminino, a hostilização, falta de oportunidades e baixa autoestima tornam as vidas das mulheres extremamente desafiadoras.

A insegurança das mulheres diante da possibilidade de confrontar o padrão de beleza faz com que debates pertinentes ao assunto encontrem poucos espaços efetivos.

Não obstante, é necessário um esforço genuíno para alcançarmos algo em termos de avanços políticos feministas. O padrão de beleza é como uma corrente que ludibria e limita as mulheres, permitindo que avancem somente até certo ponto e sob condições rígidas. 

Enquanto valores arbitrários e subjetivos como feminilidade e beleza, ou mesmo estados temporários como a juventude continuarem a ser exigidos das mulheres, não haverá libertação plena.

Postado no site Revista Fórum em 28/08/2013


A menina que foi à internet e disse um sonoro "não" à ditadura da chapinha



Seu nome é Julia Belmont, e seu vídeo já tem mais de duzentas mil visualizações na web.

A coragem e o bom humor de uma menina encantou milhares de pessoas na internet. A história da garota Júlia Belmont, que gravou um vídeo ensinando as pessoas a gostarem de seus cabelos, seja ele do jeito que é, foi mostrada no Domingo Espetacular desta semana.







Somos 7 bilhões e muitos desafios !