Por que os sindicalistas de jaleco têm medo dos médicos cubanos?



Marco Antonio Araujo

A Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina deveriam ser responsabilizados por cada cidadão que morre por falta de assistência. Ou então parar de falar bobagens sobre a vinda de médicos estrangeiros para trabalhar nas regiões mais carentes do País.

Fosse só corporativismo, já seria indefensável, pois se há uma categoria que não precisa de mais proteção ou privilégios é exatamente a dos nossos doutores. Mas os argumentos adotados por essas instituições extrapolam o bom senso. Chegam a ser criminosos, pois querem impedir que vidas sejam salvas.

O ministério da Saúde não chegou a essa proposta de importar profissionais de medicina por capricho. Os números são gritantes: em 2011, dos quase 372 mil médicos registrados no Brasil, 209 mil estavam concentrados na Região Sudeste, e pouco mais de 15 mil na Região Norte.

E esse cenário de abandono não vai mudar. Mesmo oferecendo os melhores salários, não há como esperar que esses fins de mundo recebam 6.000 jovens idealistas que suportem as condições de trabalho precárias ou inexistentes. Até porque idealismo não é o forte da elite que cursa os caríssimos e concorridíssimos cursos de medicina, sejam públicos ou particulares.

O preconceito indisfarçado por trás da resistência da AMB e do Conselho deve vir do sucesso inquestionável da medicina cubana, que se fundamenta em um esforço cotidiano de prevenção e em uma relação presencial, “familiar”, com os pacientes — algo que não é ensinado em nossas faculdades. Não por acaso, as especialidades mais procuradas por aqui são cirurgia plástica e dermatologia, a banda estética da medicina que não salva vidas.

Os doutos sindicalistas dizem que os cubanos são profissionais despreparados. Sei. Deve ser por isso que Cuba tem as menores taxas de mortalidade do continente e um sistema de saúde reconhecido internacionalmente como de excelência. Para completar, a turma do jaleco branco quer que os estrangeiros se submetam a exames dificílimos que não são obrigatórios para os brazucas. Espertinhos.

A xenofobia obrigou o ministro Alexandre Padilha a mentir: para se esquivar dos ataques que tem recebido, ele agora diz que o governo vai atrás de médicos portugueses e espanhóis. Bobagem, esses não virão. E se vierem, vão abrir consultórios nas grandes capitais já servidas de bons médicos. Só os cubanos aceitarão a tarefa de se meter pelos sertões e matas. Eles precisam de emprego, e Cuba tem médicos sobrando.

Aí valeria a pena retomar uma discussão tão antiga quanto inútil por essas bandas: por que os médicos formados em universidades federais e estaduais não são obrigados a prestar serviços, estágios ou residências em lugares onde são necessários, mesmo que por um curto período de tempo?

Seria uma forma digna de devolverem o que o Estado lhes deu. Claro que isso serve para todas as profissões. Mas nenhuma é tão sagrada quanto a medicina. Inclusive, no juramento que todo médico faz, está lá o compromisso de penetrar “no interior dos lares”. Se não querem, tudo bem. Já estaria de bom tamanho não fechar portas para quem quer entrar.

Postado no blog O Provocador em 14/05/2013

Quando o Presidente da Argentina Néstor Kirchner manda retirar os quadros dos ditadores militares





O ditador argentino Jorge Videla morreu hoje, na prisão, como devem morrer os assassinos, sequestradores e genocidas. No Brasil, os genocidas de farda morrem de pijama, no lar.


Banda larga democratizada será pá de cal no bloqueio à informação



Laurindo Lalo Leal Filho

Em 1994, o respeitável jornal inglês “The Guardian” atirou no que viu e acertou no que não viu. Em um exercício premonitório encartou numa de suas edições alguns exemplares do que poderia ser o jornal no então longínquo ano de 2004.

A novidade, além do tamanho reduzido, era a personalização das informações. Através de um banco de dados, o jornal saberia exatamente quais eram os interesses de cada um dos seus leitores os quais, através de um cartão magnético, imprimiriam um exemplar pessoal em qualquer banca. 

Havia ainda o requinte de a impressão ser feita em um tipo de fibra impermeável, capaz de resistir a água das banheiras, local onde o jornal poderia ser lido com grande conforto, bem ao gosto dos ingleses.

A forma não vingou, mas o conteúdo personalizado ganhou força através de outro caminho, a internet. Com uma diferença fundamental: o fim da rígida divisão entre emissores e receptores. Papeis que agora são assumidos sem distinção por todos os envolvidos nas trocas de mensagens eletrônicas.

O resultado já pode ser percebido num ainda incipiente mas promissor crescimento da liberdade de expressão pelo mundo. Quem está se dando mal são os grandes grupos empresariais de comunicação, até aqui senhores absolutos da verdade. 

Muitos já acusam o golpe, alguns discretamente, outros de forma ensandecida como certos colunistas da grande mídia que têm suas informações e opiniões contraditadas em blogs e nas redes sociais. 

Um desses, “José Neumânne Pinto, foi ao Congresso pedir uma ‘lei dura’ para a internet, usando um caso de ofensa pessoal, típico no Código Penal, para restabelecer mecanismos de exceção”, como apontou o site Brasil 247.

Antes dele, nas eleições presidenciais a força da comunicação alternativa já havia sido sentida pelo candidato José Serra. Acostumado a controlar os grandes meios de comunicação com telefonemas para seus proprietários e editores e receber deles total apoio, Serra viu-se diante do contraditório exposto por diferentes blogues, chamados por ele de “sujos”. Era o reconhecimento explicito do poder da nova mídia que veio para ficar.

São inúmeras as notícias censuradas pela velha mídia e que só chegam ao conhecimento de parte do público graças a internet. Por exemplo, por qualquer critério jornalístico as mortes de oito apoiadores do presidente Maduro da Venezuela, logo após as eleições naquele país, seriam notícia. Com detalhamento das circunstâncias em que ocorreram e a completa identificação da vítimas. Mas quem se informou pelo Jornal Nacional nada ficou sabendo como bem mostrou o blogueiro Eduardo Guimarães. 

Quando os temas são mais complexos a censura é ainda pior. Basta ver o debate em torno da alta de preços de alguns produtos e os riscos inflacionários. Posições diferentes daquelas que defendem a alta de juros como solução não tem vez na grande mídia. 

No auge dessas discussões a ‘Globonews’, numa conversa entre os seus invariáveis comentaristas, colocou durante alguns minutos na tela a legenda implacável: “Dilema da política econômica: inflação ou juros altos”. Qualquer outra opinião estava liminarmente censurada.

A pá de cal nesse bloqueio informativo a que os brasileiros estão submetidos há décadas será dada quando a banda larga da internet se universalizar. Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público. 

Aliás, quem já está ligado à rede testemunhou isso na notícia da prisão do segundo suspeito dos atentados em Boston, divulgada em primeira mão através do twitter. 

Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Com isso, parte da profecia do 'Guardian' se concretizará, com o cidadão buscando as notícias de forma personalizada mas sem a necessidade do cartão magnético. Ficam faltando, para os ingleses, computadores e celulares impermeáveis a água da banheira. 


Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Postado no site Carta Maior em 17/05/2013


Tá na Bíblia ...




Homens que cuidam



Carolina Pombo

João está deprimido. Fez uma consulta com um psiquiatra antes de chegar em casa com a cabeça girando e os ombros como pregadores rígidos que sustentam os braços sem força, cansados. 

Depois de nove horas no escritório, de frente para o computador e uma pilha enorme de documentos para revisar e assinar, ainda pegou um transito de uma hora para chegar no consultório, esperar meia hora e ser atendido por um senhor muito simpático e apressado. E agora pensa em como contar para a ex-mulher a “novidade”. 

Finalmente, recebera um diagnóstico que o fizera compreender porquê vinha sentindo aquelas palpitações repentinas, a vontade de chorar ao acordar, a insônia.

O pouco tempo que conseguisse ficar fora do trabalho teria que ser ocupado então pelas idas à terapia e as caminhadas ao longo da Lagoa Rodrigo de Freitas, como recomendado pelo médico, para acompanhar o tratamento medicamentoso.

É difícil contar a novidade para a ex porque finalmente ela tinha concordado em deixa-lo visitar o filho um dia a mais na semana, além dos fins de semana quinzenais, e agora, não sabia se conseguiria “encaixá-lo” na agenda. 

Ironicamente, o maior motivo identificável de seu sofrimento nos últimos dois anos não fora incluído no diagnóstico ou no tratamento psiquiátrico. O médico afirmou com bastante segurança que o problema de João é estresse: muito trabalho, pouco exercício físico, quase nenhuma folga nos últimos meses. 

O doutor não considerou relevante o fato de suas horas de dedicação ao trabalho terem aumentado muito desde que fora morar longe do filho. Detesta ficar no apartamento sozinho e encarar o quarto do moleque vazio durante a semana… Prefere ser o primeiro a chegar e o último a sair do escritório. Isso lhe valera uma promoção e um bônus anual considerável.

Mas, ainda caminha a passos largos para o fundo do poço, pensa alto e lembra: depois do bônus anunciado e da comemoração dos colegas, tomou um porre de tristeza. Sentiu-se um inútil, um pai ausente, um egoísta. Pensou em se matar. Talvez assim, o moleque o valorizasse… Talvez ficasse como um mártir.

Ri de si mesmo, e continua deprimido. Sabe que trabalha muito, e tem pouco contato com o filho. Mas, pediu recentemente para a ex dar uma trégua nas brigas e permitir um encontro por semana além dos quinzenais. Contara a história na consulta, mas o psiquiatra muito apressado, folheava um livro intitulado ”diagnóstico diferencial de doenças do trabalho”.

Refletindo sobre esses últimos acontecimentos, sozinho e cansado, João encontra forças para se sentar mais uma vez na frente do computador. Pensa em mandar um e-mail para a ex, pedindo um tempo para reorganizar a agenda até poder encaixar o moleque. 

Antes de ter coragem para cometer mais essa gafe familiar, navega na internet, lê umas notícias, brinca de procurar coisas bizarras no Google, digita: depressão paterna, ri novamente de si. Encontra sites e blogs de pais, como ele, inconformados com a “desigualdade parental”, uma forma de desigualdade de gênero que penaliza muito mulheres e homens.

Por acaso, esbarra com um movimento: “Homens que Cuidam”. 

Eles se manifestam por uma sociedade mais justa que permita maior intimidade entre os homens e seus filhos, uma sociedade que estimule-os a cuidar dos pequenos, que não os condene por sair mais cedo do escritório para buscá-los na escola, levá-los no pediatra, e todas essas pequenas grandes tarefas que as mães costumam fazer. 

Eles sonham com uma cultura na qual não se sintam constrangidos por chorar de amor ou de saudade, por expressar seus afetos de forma clara e carinhosa. Ao ler essas reivindicações estranhas e ambiciosas, João tem um estalo! 

Como ficou tanto tempo alheio ao mundo, nesses anos, enfiado no trabalho, sofrendo sozinho! O movimento HQC parece grande, articulado, e bastante acolhedor. Num dos sites, dizem até ter conseguido aprovar uma lei de licença parental prolongada numa cidade paulista na qual os homens já conseguem participar de 50% do tempo de cuidado e educação das crianças. Nela há até mesmo uma quantidade proporcional de homens como cuidadores e professores em pré-escolas. “Que avanço!” pensou.

Dar-se conta de seu alheamento e das possibilidades de um movimento social como esse foi constrangedor e ao mesmo tempo libertador. 

Percebeu o quanto submeteu-se a essa lógica massacrante de supervalorização do homem-alfa, do homem-dominador, ao qual não é permitida a humildade, o zelo pelo próximo, a demonstração rasgada de amor, do qual é exigida uma competitividade desenfreada – como se vivessem ainda no tempo das cavernas…

Percebe o quanto fora ausente nos primeiros anos da vida do filho, porque aceitava as afirmações recorrentes de que cuidar do bebê é papel da mãe. Sente-se responsável em consentir nessa violência simbólica, e compreende o quanto ela o fizera mal. 

O amor que explodira ao ver o rostinho de seu bebê depois do parto, ficara trancado no peito, reprimido, emoldurado por um semblante sempre sério, agressivo e distante.

Diziam-lhe que, como pai, deveria ser um exemplo de “homem”, e assim foi. Mas o moleque jamais saberia do enorme amor que sentia, se ele nunca lhe contasse, não apenas em palavras, mas em gestos, em atitudes, no dia dia. 

A ex bem que tentou lhe avisar, disse que, desse jeito, o filho iria se afastar espontaneamente. Até que se separaram e a criança não titubeou quando o juiz perguntou sobre a guarda: com 7 anos já sabia com toda certeza que queria morar com a mãe.

Agora, João percebe-se empolgado, lembrando e relatando a história de sua paternidade para outras pessoas num fórum da internet. Chega a chorar, lembrando de momentos nos quais sentiu uma vontade enorme de pegar o filho, ninar, banhar, alimentar, e foi reprimido por essa lógica patriarcal sufocante. Agora compreende!

Foi assim, recontando sua história, que ele conseguiu compreender a necessidade de um movimento solidário dos próprios homens contra esse patriarcado! 

Assumiu o controle de seus braços, jogou o remédio para o fundo de uma gaveta, enxugou as lágrimas, e telefonou para o moleque: na quinta feira, meu querido, papai vai buscá-lo, e vamos viver como se não houvesse amanhã! 

Desliga, com o coração aliviado, o semblante leve, e cantarola Legião Urbana, sem ligar para o clichê, “é preciso amaaaar as pessoas como se..”

*Esse texto é um conto ficcional; logo, João não é real, mas acho pode ser identificado por aí; o movimento Homens que Cuidam não existe ainda, mas bem que poderia servir de inspiração…

Sou muito curiosa e inquieta. Não me conformo com verdades absolutas e respostas prontas. Duvido, questiono, e pesquiso. Talvez por isso tenha seguido carreira acadêmica. Sou psicóloga, formada em Saúde Pública, doutoranda no Velho Mundo. Mas, minha vocação mesmo é a escrita. Escrevo enquanto penso e duvido. Escrevo cheia de perguntas, munida de dados e informações de todo tipo de fonte, mas com poucas respostas. Acho que meu prazer é construir a diferença, criar rotas de fuga, mostrar que nada é tão óbvio assim. E por isso adoro as boas críticas que levantam bons debates.

Postado no site Blogueiras Feministas em 14/05/2013


Nota

Faço, com este lindo texto, uma justa homenagem ao meu querido irmão Gilberto.
                
Ele, certamente, teria feito parte de um movimento como o "Homens que Cuidam".

Dedicou aos filhos, cuidado e muito amor, em sua breve vida de 39 anos.

Tenho certeza que há muitos "Homens que Cuidam". Eu conheço alguns.

A criança, que recebe amor e atenção, tem muito mais segurança para seguir a vida reproduzindo tudo que recebeu e aprendeu com o exemplo.






Cachecol 2013

























Cachecol Customizado crie o seu !