Dom Bergoglio e Dom Paulo



Cardeal Dom Paulo


Paulo Moreira Leite - Isto É


Um número grande de leitores do blogue tem escrito para reclamar de meus textos sobre o novo Papa.

A queixa mais recente envolve uma citação. Em nota recente, defini o jornalista Horácio Verbitsky como uma das grandes autoridades sobre direitos humanos na Argentina. 

Os leitores escrevem para lembrar que Verbitsky participou do grupo armado Montoneros, que cometeu sequestros e até execuções de inimigos durante o regime militar.

Lembro a nossos amigos que a vida de todo mundo é feita de contradições. Mesmo aqueles homens que os católicos descrevem como Santos não tiveram uma existência em linha reta, certo?

Verbitsky participou de uma organização armada e não acho que, nas circunstâncias daquele tempo, isso seja necessariamente vergonhoso. Pode ser honroso, conforme o ponto de vista de tantos argentinos. O debate não é este, porém.

Mais tarde, dedicou-se a pesquisar e investigar o que se passou naquele período. E foi nessa atividade que demonstrou um rigor fora do comum. Seus livros sobre o período militar são obras únicas pela disposição de investigar e analisar rigor uma situação bastante complexa. 


É impossível entender a Argentina dos anos 80 sem ler o que escreveu sobre a guerra suja, os conflitos internos do peronismo e o regime dos generais.

Isso aconteceu em outros países. No Brasil, antigos militantes da luta armada participaram das pesquisas e da redação do livro Brasil Nunca Mais.


Isso não impediu que o livro fosse referência mundial em pesquisas sobre violações de direitos humanos.

A reação diante de meus elogios ao trabalho de Verbitsky, ajuda a lembrar que todos temos um passado e é preciso lidar com ele.


E é aí que o debate sobre a atuação de José Mario Bergoglio faz sentido.

Depois da denuncia de Verbitsky, o Premio Nobel Adolfo Perez Esquivel tentou encontrar um conceito para definir a atuação do então bispo Bergoglio naquele período. Disse que ele não fora cúmplice dos militares e que apenas não havia demonstrado “coragem” na luta por direitos humanos, naquele momento.

Foi o que bastou para que as denúncias de Verbitsky, que citou o caso de dois jesuítas que Bergoglio teria se recusado a proteger em hora de perigoso, fossem tratadas como “difamação” por seus aliados. Vamos com calma.

Ainda que o conceito de Esquivel seja o mais adequado, a constatação de que um bispo não demonstrou “coragem” diante de um governo capaz de produzir 30.000 mortos, sequestrar mulheres grávidas e crianças me parece grave o suficiente para discutir sua liderança para defender os fracos e indefesos em horas difíceis. 


Este ponto é importante. A atuação da Igreja argentina no período militar foi tão vergonhosa que mais tarde ela chegou a pedir desculpas a população pelo apoio ao regime, o que dá uma ideia do sentimento de repulsa de boa parte dos argentinos pelo comportamento de tantos padres e bispos naquela época. 


Falta de coragem pode ser eufemismo para muitas atitudes, nós sabemos.

Mas não é um conceito que cabe a Igreja brasileira no mesmo período.

Embora o regime de 64 tenha sido abençoado pela cúpula da Igreja, nos anos seguintes ela se tornou abrigo de boa parte das ações de oposição e resistência. Procure nas oposições sindicais e nas lideranças populares daquela época. Vai ser muito comum encontrar pessoas que, de uma forma ou de outra, tinham ligações com a luta social da Igreja.

Entre várias lideranças, poucas se destacaram como o Arcebispo de São Paulo, Paulo Evaristo Arns. Quinze anos mais velho do que Bergoglio, dom Paulo viveu um mesmo período mas atuou de forma oposta. 


Seu comportamento foi exemplar em momentos decisivos.

Realizou uma missa pela morte do estudante Alexandre Vannuchi Leme, em 1973 e, dois anos depois, fez o culto ecumênico em função do assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Criou uma comissão para investigar crimes contra direitos humanos e desafiou a ditadura ao denunciar a situação brasileira durante visita de Jimmy Carter ao país. 


Dom Paulo também estimulou a defesa de direitos humanos em países vizinhos, denunciando a cooperação entre as ditaduras para perseguir adversários.

No fim da ditadura argentina, o mal-estar em torno de Bergoglio era tão grande que um dos jesuítas mencionados por Verbitsky, a quem não teria prestado ajuda na hora devida, reconciliou-se com ele. Ou seja, deu-lhe perdão.


Embora não lhe tivesse faltado coragem, Dom Paulo não foi perdoado pela valentia.

Na mudança política promovida a partir da posse de João Paulo II, sua diocese foi dividida, seus poderes foram diminuídos e os aliados foram encostados. 


Sob aplauso das fatias mais conservadores, vozes ligadas a resistência foram silenciadas, num processo dirigido pessoalmente por Joseph Ratzinger.

Se alguém quisesse contar a história como ela foi, e não como gostaríamos que tivesse ocorrido, é possível dizer que, com sua “falta de coragem” o bispo Bergoglio adivinhou o rumo que o Vaticano iria seguir nos anos seguintes.

Já a valentia de Dom Paulo trouxe a admiração de tantos brasileiros, católicos ou não. Não lhe trouxe, contudo, as honrarias do sistema que transformou Bergoglio em Papa.


Curioso, não?


Postado, também, no blog O Esquerdopata em 17/03/2013
Trechos grifados por mim
Imagem inserida por mim


O jornal que incomoda fardas e batinas




Na manhã seguinte ao anúncio de um Papa argentino, o jornal ‘Página 12’ sacudiu Buenos Aires com a manchete: ‘!Dios, Mio!’


Na 6ª feira, dois dias depois, como relata o correspondente de Carta Maior, Eduardo Febbro, direto do Vaticano, o porta-voz da Santa Sé reclamou do que classificaria como ‘acusações caluniosas e difamatórias’ envolvendo o passado do Sumo Pontífice.

Em seguida atribui-as a ‘elementos da esquerda anticlerical’.

Alvo: o ‘Página 12’ .

Com ele, seu diretor, o jornalista Horácio Verbitsky, autor de um livro sobre o as suspeitas que ensombrecem a trajetória do cardeal Jorge Mário Bergoglio, durante a ditadura argentina.

A cúpula da Igreja acerta ao qualificar o ‘Página 12’ como ‘de esquerda’ – algo que ostenta e do qual se orgulha praticando um jornalismo analítico, crítico, ancorado em fatos.

Mas erra esfericamente ao espetá-lo como ‘anticlerical’. 

O destaque que o jornal dispensa ao tema dos direitos humanos não se restringe ao caso Bergoglio.

Fundado ao final da ditadura, em maio de 1987, o ‘Página 12’ é reconhecido como o grande ponto de encontro da luta pelo direito à memória na Argentina.

Não foi algo premeditado.

No crepúsculo da ditadura militar, um grupo de jornalistas de esquerda vislumbrou a oportunidade de criar um veículo enxuto, no máximo 12 páginas (daí o nome), mas dotado de densa capacidade analítica.

E, sobretudo, radicalmente comprometido com a redemocratização e com os seus desafios.

A receita das 12 páginas baseava-se num cálculo curioso.

Era o máximo que se conseguiria produzir com qualidade naquele momento; e o suficiente para a sociedade reaprender a refletir sobre ela mesma.

A fidelidade a essa diretriz (hoje o total de páginas cresceu e a edição digital tem mais de 500 mil acessos/dia) levou-o, naturalmente, a investigar os crimes da ditadura.

Seu jornalismo tornou-se um acelerador da transição que os interesses favorecidos pelo regime militar gostariam de maquiar.

Não apenas interesses econômicos. 

Lá, como cá, existe um núcleo de poderosas empresas de comunicação, alvo agora da ‘Ley de Medios’, no caso da Argentina, que, por interesse financeiro, identidade ideológica ou simples covardia integrou-se ao aparato repressivo. 

Usufruiu e desfruta vantagens dessa intimidade. Até hoje. O quase monopólio das comunicações é uma delas – combatida agora pelo governo de lá.

Naturalmente, a pauta dos direitos humanos dispunha de um espaço acanhado e ambíguo nessa engrenagem.

Não por falta de familiaridade com o assunto.

Mais de uma centena de jornalistas foram presos e muitos desapareceram na ditadura argentina. 

A principal fábrica de papel de imprensa do país foi praticamente expropriada de seus donos.

Eles estavam presos, foram torturados. E então a transferência de propriedade se deu. 

A sociedade compradora tinha como participantes o próprio governo militar e os principais jornais apoiadores do regime. Entre eles o ‘El Clarín’, de oposição frontal ao governo Cristina, atualmente.

O ‘Página 12’ não se deteve diante das conveniências. E vasculhou esses impérios sombrios.

Fez o equivalente em relação aos direitos humanos em outros países. Não raro, com a mesma mordacidade que incomoda agora o Vaticano.

Quando Pinochet morreu em 2006, a manchete indagava: ‘Que terá feito o inferno para merecer isso?’ 

A condenação do ditador Videla à prisão perpétua, em 2010, mereceu letras garrafais: ‘Deus existe!’

Foi com essa ironia, debochada, às vezes, mas sempre intransigente em defesa dos direitos humano, que o ‘Página 12’ tornou-se um espaço apropriado pelos familiares dos desaparecidos políticos.

Por solicitação de Estela Carlotto, atual dirigente das Abuelas de Plaza de Mayo, passou a publicar, desde 1988, pequenas atualizações da trajetória familiar de vítimas da ditadura.

Os anúncios sugerem uma espécie de prosseguimento da vida dos que foram precoce e violentamente apartados dela.

Filhos que perderam os pais ainda crianças, mencionam os netos que esses avós jamais viram; avós falam dos bisnetos.

O efeito é tocante. Ao se deparar com a foto de um jovem desaparecido, sabe-se que hoje ele poderia estar brincando com os netinhos, filhos dos filho que agora tem a idade com a qual ele morreu.

Em 2007, o ‘Página 12’ recebeu na Espanha o prêmio da Liberdade de Imprensa, instituído pela Casa da América, junto com a Chancelaria espanhola e o governo da Catalunha.

Motivo: a seriedade na defesa dos direitos humanos e o compromisso com o rigor da informação, requisito da liberdade de expressão.

No momento em que pairam sombras sobre o Vaticano, o que deve fazer essa cepa de jornalismo? 

O ‘Página 12’ faz o que, em geral, desagrada aos poderes terrenos e celestiais: investiga, pergunta, rememora.

Ao contrário do que sugere o porta-voz da Santa Sé, não se trata de um cacoete anticlerical. 

O assunto extravasa o campo religioso e envolve uma questão de interesse político de toda a sociedade.

Trata-se de uma responsabilidade ecumênica e universal, da qual o ‘Página 12’ não abre mão: o dever de todos, sobretudo das autoridades, de zelar e fazer respeitar os direitos humanos e democráticos dos cidadãos. 

Sob quaisquer circunstancias; mas principalmente quando são ameaçados. Como na ditadura dos anos 70/80. 

Há dúvidas se o passado do cardeal Mario Jorge Bergoglio nesse campo honra o manto santo que agora envolve Francisco, o desenvolto sucessor do atormentado Bento XVI.

As dúvidas estão marmorizadas em um lusco-fusco de pejo, silêncios e versões contrastantes. 

É preciso esclarecer.

Há nomes, testemunhos, relatos, datas e um cenário dantesco: os anos de chumbo vividos pela sociedade argentina, entre 1976 e 1983.

O país do então líder dos jesuítas, Mario Jorge Bergoglio, vivia o inferno na terra, sob a ação genocida de uma ditadura cujos atos confirmam a indiferença aterrorizante dos aparatos clandestinos em relação à vida e à dor.

O que se ouve ainda arrepia.

A mesma sensação inspira o rosto endurecido e gasto dos líderes militares, julgados e condenados. Um a um; em grande parte, graças a pressão inquebrantável das denúncias e investigações ecoadas nas edições do 'Página 12'

Em sete anos, o aparato militar montou e azeitou uma máquina de torturar, matar e eclipsar corpos que operou de forma infatigável.

Nessa moenda 30 mil pessoas foram liquidadas ou desapareceram. 

Mais de 4 mil e duzentos corpos por ano. 

Filhos de militantes de esquerda foram sequestrados, entregues a famílias simpáticas ao regime. 

Muitos permanecem nesse limbo.

No dia em que a ‘fumata bianca’ do Vaticano anunciou o ‘habemus papam’ e em seguida emergiu a figura do cardeal argentino, no balcão do Vaticano, Graciela Yorio esmurrou as paredes de seu apartamento, a 11.200 quilômetros de distancia, em Buenos Aires. 

O relato está nos jornais argentinos e também na Folha de São Paulo.

A revolta deve-se a uma certeza guardada há 36 anos na memória dessa sexagenária.

Em maio de 1976, seu irmão, padre Orlando Yorio, foi delatado à ditadura sedenta e recém-instalada.

Juntamente com o sacerdote Francisco Jalics, este vivo, na Alemanha— Yorio ficou cinco meses nas mãos dos militares.

Incomunicáveis, na temível Escola Mecânica da Marinha, adaptada para ser a máquina de moer ossos do regime.

O delator dos dois religiosos teria sido o cardeal Bergoglio -- o Papa, então com cerca de 40 anos, líder conservador dos jesuítas argentinos.

Essa é a convicção de Graciela, baseada no que ouviu do irmão, falecido em 2000, militante da Teologia da Libertação, como Jalics. 

Jalics não se pronunciou. Alegando viagem, emitiu uma nota na Alemanha em que se diz em paz e reconciliado com Bergoglio.

A nota compassiva não nega a dor que leva Graciela ainda a esmurrar paredes.

A estupefação tampouco é apenas dela.

Ainda que setores progressistas argentinos optem por uma certa moderação em público, muitas vozes não se calam.

Estela Carlotto, a dirigente das Abuelas de Mayo, em entrevista ao ‘Página 12’ deste sábado, procura manter a objetividade num relato que adiciona mais nuvens às sombras.

Carlotto afirma que o Cardeal Bergoglio nunca fez um gesto de solidariedade para ajudar a luta mundialmente reconhecida das mães e avós de desaparecidos políticos argentinos. 

Poderia, mas não facilitou a reunião do grupo com o Papa. Ao contrário.

O primeiro encontro, em 1980, no Brasil, só aconteceu por interferência de religiosos brasileiros. 

As abuelas só seriam recebidas em Roma três anos mais tarde; de novo, graças a contatos alheios ao cardeal Bergoglio.

Prossegue Estela Carlotto.

O cardeal teria sido conivente com o sequestro de pelo menos uma criança nascida na prisão. 

Procurado por familiares da desaparecida política, Elena de la Quadra, teria aconselhado: ‘Não busquem mais por essa criança que está em boas mãos’. 

E desfechou sentença equivalente em relação às demais.

O ‘Jornal Página 12’ tem sido o principal eco desses relatos e dessa revolta, que muitos relativizam e gostariam de esquecer. 

O que o jornal faz ao investigar as dúvidas que pairam sobre Francisco é coerente com o 'manual de redação' sedimentado na prática da democracia argentina nesses 25 anos de existência: não sacrificar a memória ao conforto das conveniências.

Pode soar anticlerical a setores da Igreja que gostariam de esquecer o que já se cometeu neste mundo, em nome de Deus.

Mas é um reducionismo improcedente, que se dissolve na trajetória reconhecidamente qualificada do 'Página 12'.

Na Argentina, graças à persistência de vozes como a de seus jornalistas, a memória deixou de ser o espaço da formalidade.

Hoje ela é vista como um pedaço do futuro. Um mirante poderoso para se entender o presente e superar as forças, e a lógica, que esmagaram a sociedade no passado.

Carta Maior orgulha-se de ser parceira do jornalismo criterioso e corajoso de ‘Página 12’ no Brasil.



Postado no site Carta Maior em 16/03/2013


Revista de noivas despreza negras




Vevila vai casar agora no meio do ano. Parabéns, Vevila!Só tem um probleminha: ela é negra e não alisa o cabelo. Pelo jeito, não há penteados possíveis para quem está fora do padrão de beleza. Ela me enviou este caso inacreditável sobre sua busca por um penteado pro dia de seu casamento. Sério mesmo, é ler para crer.


Como já vi outras vezes no seu blog, hoje quero falar sobre racismo e trazer um fato que aconteceu comigo recentemente, mas que já nasceu com cheiro de velho.
Eu vou me casar no meio do ano e estou preocupada com minha produção de noiva no esperado dia. Em fevereiro, fui até a banca de jornais e comprei uma revista de "Penteados para Noivas", da Editora Alto Astral. Tudo certo até aí, exceto pelo fato de eu ter me esquecido, momentaneamente, de uma coisa fundamental: eu sou negra e tenho o cabelo crespo.

Demorei muito tempo pra assumir meus cabelos, mas essa luta me rendeu frutos incríveis. Hoje eles são saudáveis, não estão mais sofrendo os efeitos das químicas super agressivas, e eu me sinto muito mais confiante, bonita, tranquila com a minha aparência. Em momento algum me considerei melhor ou mais esclarecida que outras mulheres que preferem os cabelos alisados ou relaxados; no entanto, entendo que cheguei ao esclarecimento de que isso precisa ser uma escolha consciente e não uma imposição. 


Com este pensamento, achei um absurdo o posicionamento de alguns cabeleireiros que afirmaram ser necessário "fazer uma boa escova e depois aplicar produtos fixadores para só então fazer lindos cachos com babyliss" para que eu ficasse bonita no dia do meu casamento. Que afronta, meus cabelos já têm cachos! Qual o sentido disso? Eu amo meu cabelo como ele é! E então, fui atrás de alternativas e acabei comprando essa revista. Só que eu não contava com uma coisa: eu havia esquecido, por um instante, que essas publicações não são pra mim. É muito raro ver negras nas revistas femininas, e raríssimo ver cabelos crespos em publicações e editoriais de moda. Eu não sou representada por eles.


Abri a revista, e em 67 páginas eu não encontrei sequer um penteado feito em cabelos crespos. Ao longo dessas 67 páginas, encontrei quatro fotos de modelos negras, todas em tamanhos minúsculos (pouco maiores que uma foto 3 x 4), onde não havia nada de novo e, mesmo que houvesse, era impossível observar os detalhes. 

Fiquei pensando: será que eu sou a única mulher negra que vai se casar no Brasil esse ano? Poxa, então meu casamento deveria sair no jornal (e olha que eu nem estou considerando esdrúxulo o fato de estar casando com um homem branco -- talvez devesse)!

E não parou por aí. Havia incontáveis modelos loiras e ruivas, em fotos imensas, detalhadas. Muitos cabelos esvoaçantes, lisos ou alisados. Nas páginas dedicadas às crianças, não havia sequer uma negra. Crianças brancas são mais bonitas, talvez? Não, não são. Mas era nisso que essa revista queria me fazer acreditar.

Fiquei, por alguns instantes, pensando que estava neurótica. "Será que não estou exagerando?"; "Será que não é assim mesmo?"; "Será que eu preciso alisar meu cabelo?" Não, eu não estou neurótica. Eu estou ofendida e, sinceramente, tenho razão. Com este sentimento de revolta, raiva, tristeza, mandei uma reclamação (contando exatamente o que vi na revista e descrevi aqui) para o e-mail e o perfil da editora no Facebook. Uma semana depois, chegou na minha caixa esta resposta: 


"Encaminhamos a sua reclamação para a equipe que produziu a revista, segue os esclarecimentos da sua reclamação.'Como a leitora não especificou a edição da revista, presumimos que seja a 06, que lançou em janeiro. Analisamos nosso conteúdo e não encontramos nada de errado. Pelo o que entendemos, o questionamento da leitora referiu-se à cor de pele das modelos e não aos penteados em si, que é o tema da revista. A nossa equipe, desde o momento de elaborar a revista até a escolha as fotos, certifica-se de que todos os tipos e estilos de cabelo estejam na edição, desde os lisos aos crespos, independente da cor da pele das modelos. Na revista, como você poderá ver, tem opções para fios lisos, ondulados, cacheados, crespos, curtos, médios e longos. Ou seja, nenhuma noiva corre o risco de ficar sem opção. Em relação às loiras e às ruivas, esses tons acabam aparecendo mais na revista para deixar o resultado final do penteado mais evidente para a leitora, uma vez que o cabelo escuro, depois que tira a foto, acaba perdendo um pouco os detalhes do penteado, ficando difícil a visualização. Além disso, os bancos de imagens que trabalhamos não oferecem muitas opções de modelos negras, principalmente com penteados de noivas. As que eles oferecem, não são bonitas.'
Atenciosamente, ..."

Foi exatamente esta a resposta da empresa. Sem mais nem menos, do jeito que chegou à minha caixa. NÃO SÃO BONITAS. NÃO ENCONTRAMOS NADA DE ERRADO. Eu fiquei tão chocada e tão enojada que perdi a fome. Sinceramente, uma resposta padrão mentirosa, daquelas em que a empresa promete que levará a reclamação em consideração para as próximas edições, seria mais fácil de engolir. Mas esta não foi. Sabe por quê? 

É que esta mensagem é uma das declarações mais evidentes do racismo no Brasil. Eu até consigo visualizar... ela foi escrita por uma pessoa que nem sequer entendeu minha reclamação, que deve ter até pensado que eu estava exagerando e não conseguiu ver a menor relação entre a cor da pele das modelos ("o que não é o foco da revista") e o problema da representação de uma parcela significativa da sociedade brasileira. 

Essa pessoa não vê nenhuma estranheza em colocar somente modelos loiras e ruivas numa revista sobre cabelos e, pra completar, não coloca negras e outras mulheres de cabelo crespo por achar que "não há mercado para elas" e que elas "não são bonitas" -- já que o negro corresponde ao pobre no nosso país. Como se pode esperar que eles vejam algo de errado numa publicação que foi criada e desenvolvida sobre esta crença tão arraigada? E o que mais dói e choca é a incapacidade de se perceber onde está o erro.

É preciso ter clareza de que isso não é só burrice, não é só superficialidade, não é só preconceito bobo e nem é só um sinal de que a moda está ultrapassada. Antes de ser fútil ou superficial, a moda é um instrumento eficaz de produção e reprodução de relações sociais, porque ela lida com um elemento muito forte do pensamento e das relações humanas: a  estética, o belo. Quando um editorial de moda diz que a mulher negra não é bonita, que um cabelo crespo não é "fácil" ou esteticamente aceitável, este editorial está reproduzindo para o mundo um discurso que vai se fortalecendo e cimentando e se tornando combustível para que o racismo permaneça naturalizado na nossa sociedade.


Não tive estômago para responder, e nem acho que ganharei alguma coisa me mantendo nessa discussão com a empresa. Espero qualquer coisa de uma empresa que teve coragem de me dar uma resposta tão truculenta. O que pretendo com esta denúncia é trazer à tona o tema e causar desconforto, para que a gente seja capaz de perceber, conscientemente, como estas ideias são cimentadas no nosso meio, dia após dia. E o quanto não falar sobre elas é capaz de tornar isso uma coisa natural, e este é um perigo imenso.

Continuo procurando penteados para noivas negras, porque sou bonita e quero estar deslumbrante no dia do meu casamento. Não vejo nada de errado nisso. Sou uma noiva como as outras, e tenho os mesmos desejos que as outras -- negras, brancas, mestiças -- que estão neste caminho. Mas agora sei que não vai ser fácil entender e explicar aos outros os motivos pelos quais minha busca terá que acontecer em outros meios e em outros termos. Esse motivo é o grande tabu, aquele que não se pode nomear, aquilo cuja existência que negamos diariamente, o tema que mais nos causa desconforto: o RACISMO.

E ter que me encontrar fora do mainstream porque não sou aceita, sinceramente, é uma tristeza muito grande.




Enquanto isso, a revista francesa Numéro decidiu fazer uma homenagem à África... e, para tanto, escureceu uma modelo branca e loira. Definitivamente, a mídia tem que parar de ser racista e abrir espaço para todos os tipos de beleza. Que são muitos.

Postado no blog Escreva Lola Escreva em 07/03/2013


Algumas sugestões:




Penteados para noivas negras






maquiagem noivas negras mulatas 20 maquiagem noivas negras mulatas 20



Em homenagem a um querido amigo e meu protesto contra os Felicianos e Bolsonaros


EX-GAY É CURADO AO TER UMA REVELAÇÃO E TORNA-SE HOMEM DE VERDADE. É O MILAGRE DO PASTOR FELICIANO COM PEDRO CARDOSO





Postado no blog Educação Política em 15/03/2013

O novo Francisco e os passarinhos pelos olhos de Aroeira







Postado no blog Maria Fro em 15/03/2013

Encanto




Pelos que nunca foram, e sonharam ser,
abro espaço no livro do querer,
bendito os que tentam e não desistem.

Ainda que não alcancem, 
ainda que não seja o momento,
terão contentamento.

Pelas árvores que hoje se agigantam,
meus olhos se encantam,
quero abraça-las como criança,
pois sua sombra, pra mim é lembrança,
de dias de pique-esconde, brincadeiras sem fim,
desse eterno menino, que se revela em mim.

Pela natureza que me encanta, eu canto,
deixo de lado o que a maltrata, me encanto:
com o mar que se agiganta, e se acalma,
com as flores que se abrem, e perfumam,
com a terra que molhada, se torna fecunda,
e no ar da tarde, deixa seu perfume,
"cheiro de esperança molhada",
certeza do florescer das sementes,
é a vida em movimento,
é o renascer.

Por isso, quando perguntam, onde está Deus,
mostro a noite atapetada de estrelas,
a lua formosa em seu eixo,
as pedras coloridas, os seixos,
a simplicidade do complexo mundo, vasto mundo...

Os passarinhos cantando nas árvores,
os rios seguindo seu curso, sem lamentação,
a vida segue seu curso...

E quando perguntam onde encontra-lo,
mando colocar a mão no peito, ouvir seu coração,
é Deus em constante oração,
é o Deus que habita em mim, que tudo vê,
saudando o Deus que habita em você.

Deus está sempre presente,
e quando achar que Ele está ausente,
não foi Ele quem se afastou,
é a sua relutância, o seu descrédito,
Deus está apenas aguardando seu chamado,
com quem quer regar uma flor,
pois Deus é mais do que Tudo,
Deus é amor.

Paulo Roberto Gaefke

Postado no blog Só Palavras