Notícias dão conta de um levantamento estatístico que apurou a existência, em nosso país, de cerca de 270 milhões de celulares. Dependendo da ótica sob a qual se analisem esses dados, há o que festejar ou o que lamentar.
Em princípio, essa seria uma marca do progresso a que atingiram os brasileiros, um índice da inclusão gradativa dos segmentos menos favorecidos, um retrato da ascensão da chamada “nova classe média”.
Mas, será mesmo? Para respondermos de forma efetiva a essa indagação, teríamos que analisar detidamente o que tais números significam na realidade. Sabemos, por exemplo, que a maioria das empresas de médio e grande porte disponibiliza aparelhos celulares para uso profissional por parte de seus empregados. Uma forma sutil de encontrá-los fora dos horários ”oficiais” de trabalho e ocupar o seu tempo a serviço “oficioso” da empresa.
Assim, muitos dos nossos 200 milhòes de cidadãos possuem dois aparelhos celulares, justificando em parte o número total apurado.
Outra circunstância que tem que ser levada em consideração é a absurda e permanente renovação de aparelhos por parte dos ”consumidores” que, nesse caso, fazem jus por inteiro a esse título, já que – induzidos por uma saraivada de exortações publicitárias - “consomem”o celular como um bem absolutamente descartável, ao menor indício de uma novidade na área... É claro que algum peso deve ter esse comportamento na apuração dos tais 270 milhões.
Uma outra abordagem sobre o efetivo caráter “progressista” dos números apresentados corre por conta não apenas da eficaz utilização positiva dos aparelhos por parte de seus proprietários como instrumentos da comunicação ágil e da informação tempestiva, pelo acesso à Internet , mas também, na contramão disso tudo, pelo registro evidente de seu emprego em atividades absolutamente supérfluas – para não dizer dispensáveis - dos aparelhos em funções que a propaganda faz alavancar, mas que, na realidade, são apenas dinheiro jogado fora, ou melhor, jogado dentro dos cofres das empresas de telecomunicações, talvez em prejuízo de outras necessidades básicas de muitos dos usuários.
Aqui entramos no lado perverso da sociedade contemporânea, na sua atual versão do capitalismo. Interesses econômicos de setores empresariais, da mídia e de órgãos governamentais se unem para conduzir o cidadão ao consumo supérfluo e depois o deixam à própria sorte, entregue às feras do mercado.
Uma vez no rol dos felizes proprietários de celular, cujos serviços entre nós são dos mais caros do mundo, ai dele se precisar de apoio para os inúmeros problemas com que se defronta – responsáveis por um recorde de reclamações. Enfrentará por horas (dias?) um impessoal “diálogo” nos “call-centers” da vida, excrecências que desrespeitam a cidadania e que, na busca de enxugar custos e fugir do confronto direto com os reclamantes, pousam como marca de uma modernidade que deveríamos todos rejeitar.
O celular é apenas uma metonímia para esse jogo de sedução/desprezo que marca os tempos que correm. Se pensarmos nos automóveis, por exemplo, chegaremos a um quadro que seria extremamente cômico, se não fosse tão perverso.
A indústria automotiva quer faturar o máximo, a mídia se beneficia de polpudas verbas de propaganda e os governos arrecadam com impostos excessivos. E lá se vão os recursos dos poupadores, agora orgulhosos detentores do veículo do ano. Quando atingem a condição de proprietários, porém, passam a ser acusados de contribuírem para a poluição planetária, para os engarrafamentos monumentais (que, aliás, os impedem de desfrutar do carro plenamente), para a violência no trânsito.
E então, em nome da cidadania, tenta-se convencê-los a deixar o carro em casa... Uma parte deles passa também a ser execrada como componentes do índice de inadimplência no país. Mas a indústria continua a produzir crescentemente os instrumentos da poluição (cada vez mais descartáveis), a propaganda continua seduzindo com promessas mirabolantes de sucesso pessoal, os governos continuam arrecadando.
Conheço poucas situações tão surreais quanto essa. Registre-se que esse é um panorama internacional, transcende a realidade brasileira onde, pelo menos, os impostos, nos últimos anos, têm sido carreados para programas sociais. De qualquer forma, não estamos imunes a esses procedimentos.
São as contradições do sinistro sistema que elege uma fictícia entidade “mercado”como a instituição mais importante no mundo de hoje.
De minha parte, prefiriria que, ao invés da explosão de celulares dispensáveis e de carros nem sempre necessários, os povos do planeta estivessem todos plenamente alimentados, integralmente assistidos no plano da saúde, com educação de qualidade e moradias condignas. Até porque, se tudo fosse assim, com comunidades bem formadas e informadas, essa turma do lucro não deitava e rolava como o faz...
Para terminar e mudando de assunto (se é que não é possível vinculá-los) , é nítido que a direita catastrófica e demonizadora anda assanhada com os resultados conseguidos no STF, à custa de princípios jurídico-políticos pouco claros e, para muitos, casuísticos.
Vamos esperar para ver se os heróis de hoje manterão essa postura em outros casos que estão aí para ser julgados.
Se não o fizerem, restará claro que o objetivo desse “combate à impunidade” é o de obstruir e minar as conquistas populares dos últimos anos, na tentativa de fazer retornar ao comando do país os que servem a interesses que não os do nosso povo.
Rodolpho Motta Lima Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
Postado no blog Direto da Redação em 02/11/2012