No livro “A sociedade dos iguais”, Pierre Rosanvallon traça a história das políticas em favor da igualdade que marcaram o século XIX e o século XX. Em entrevista à Carta Maior, Rosanvallon analisa a crise contemporânea marcada por uma perigosa dualidade: o avanço da democracia política, dos direitos, e a paulatina desaparição do laço social que cria e alimenta as sociedades democráticas. E critica as teorias da justiça promovidas por autores como John Rawls e suas ideias de igualdade de possibilidades e de meritocracia. A reportagem é de Eduardo Febbro.
Eduardo Febbro, de Paris
De todas as reflexões e livros que apareceram nos últimos anos sobre a democracia e a crise, o ensaio do professor Pierre Rosanvallon é o mais vasto e profundo. Com seu livro “A sociedade dos iguais” (Edições Manantial), Rosanvallon traça a história fascinante das políticas em favor da igualdade que marcaram o século XIX e o século XX, ao mesmo em que moderniza o termo com reflexões substanciais.
Pierre Rosanvallon ocupa desde 2001 a cátedra de História de Política Moderna e Contemporânea no Collége de France e é também diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Próximo do Partido Socialista francês, Rosanvallon tem como horizonte intelectual a reflexão sobre a democracia, sua história, o papel do Estado e da justiça social nas sociedades contemporâneas.
Seus livros traçam um corpo de reflexões que vão muito mais além do já trilhado diagnóstico do mal. “A contrademocracia, a política na era da desconfiança”, “Por uma história conceitual do político”, “A legitimidade democrática” ou “O capitalismo utópico, história da ideia de mercado” aportam um caudal impressionante de reflexões sobre um sistema político do qual, apesar de tudo, desconhecemos seus impulsos. “A sociedade dos iguais” responde perfeitamente à crise contemporânea marcada por uma perigosa dualidade: o avanço da democracia política, dos direitos, e a paulatina desaparição do laço social que cria e alimenta as sociedades democráticas.
Com grande rigor, Rosanvallon esmiúça as teorias da justiça promovidas por autores como John Rawls e seu conseguinte ideal: a igualdade de possibilidades e sua aliada principal, a meritocracia. Rosanvallon destaca como entre a revolução conservadora encarnada pela ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher e pelo ex-presidente norte-americano Ronald Reagan e a posterior queda do comunismo surgiu um novo capitalismo que mudou a fase da história. Mas esse novo capitalismo destroçou a capacidade de os seres humanos viverem e construírem juntos como iguais e não apenas como consumidores ou forças majoritárias. Rosanvallon moderniza então o termo da igualdade entendida não já como uma questão de distribuição das riquezas mas sim como uma filosofia da relação social.
Em entrevista à Carta Maior, realizada em Paris, Pierre Rosanvallon aborda os conteúdos essenciais de seu livro.
Praticamente para qualquer lugar que se olhe, a democracia vive um processo de degradação potente. No caso concreto do Ocidente, a impressão é de que os valores democráticos mudaram de planeta.
Isso se deve a que, há 30 anos, nos países da Europa, nos Estados Unidos e em praticamente todo o mundo, houve um crescimento extraordinário das desigualdades. Podemos inclusive falar de uma mundialização das desigualdades. Trata-se de um fenômeno espetacular. Há cerca de 20 anos, as diferenças entre os países diminuíram. As rendas medidas na China, Brasil ou Argentina se aproximaram das da Europa.
No entanto, em cada um desses países, as desigualdades aumentaram. Ao mesmo tempo em que a China se desenvolvia, as desigualdades se multiplicaram de forma vertiginosa. Esse problema concerne ao conjunto dos países. A Europa é o caso mais emblemático porque o aumento da desigualdade surge logo depois de um século de redução das desigualdades.
Entre a Primeira Guerra Mundial e a primeira crise do petróleo, nos anos 70, na Europa e nos EUA houve uma redução espetacular das desigualdades. Podemos dizer que, para a Europa, o século 20 foi o século da redução da desigualdade. Agora estamos no século da multiplicação das desigualdades.
No entanto, em cada um desses países, as desigualdades aumentaram. Ao mesmo tempo em que a China se desenvolvia, as desigualdades se multiplicaram de forma vertiginosa. Esse problema concerne ao conjunto dos países. A Europa é o caso mais emblemático porque o aumento da desigualdade surge logo depois de um século de redução das desigualdades.
Entre a Primeira Guerra Mundial e a primeira crise do petróleo, nos anos 70, na Europa e nos EUA houve uma redução espetacular das desigualdades. Podemos dizer que, para a Europa, o século 20 foi o século da redução da desigualdade. Agora estamos no século da multiplicação das desigualdades.