Reunião dançante...




Primeira mulher a um posto de oficial superior


Dalva Maria Carvalho Mendes, foi promovida de capitã de mar e guerra para contra-almirante, terceiro cargo mais importante da força (Divulgação da Marinha)



Brasília – A presidenta Dilma Rousseff assinou hoje (23) a promoção da primeira mulher a alcançar o posto de oficial superior nas Forças Armadas. A integrante da Marinha, Dalva Maria Carvalho Mendes, foi promovida de capitã de mar e guerra para contra-almirante, terceiro cargo mais importante da força.

Formada em Medicina, com especialização em anestesiologista, a contra-almirante Dalva ingressou na Marinha em 1981, na primeira turma do Corpo Auxiliar Feminino de Oficiais. Durante quase toda sua carreira trabalhou no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, chegando ao cargo de vice-diretora. Atualmente é diretora da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória. A contra-almirante tem ainda curso de Política e Estratégia Marítima da Escola de Guerra Naval.

A promoção da contra-almirante Dalva foi assinada durante reunião entre a presidenta Dilma Rousseff e o ministro da Defesa, Celso Amorim.

A Marinha foi a primeira força a autorizar o ingresso de mulheres, a partir de 1980, restrita ao já extinto Corpo Auxiliar Feminino da Reserva da Marinha, tendo perfil de carreira próprio e acesso limitado a determinados cargos e ao serviço em terra. 

Entre 1995 e 1996, foi estendido o acesso das oficiais aos corpos de saúde e de engenheiros navais. Em 1997, a participação das mulheres foi novamente estendida e hoje elas podem também participar de áreas como o corpo de intendentes e auxiliar da armada.Também foram assinadas as promoções de outros militares. Ainda não foi definida a data da cerimônia de apresentação dos promovidos à presidenta Dilma.

Edição: Fábio Massalli

Postado no Porta EBC em 23/11/2012


Vozes-Mulheres de escritoras e intelectuais negras


Alice Walker (1944-) autora de A cor púrpura


A voz da minha bisavó ecoou
criança nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.

(Vozes-mulheres, de Conceição Evaristo)



A personagem que ilustra a Blogagem Coletiva Mulher Negra 2012 é Bell Hooks, autora de Alisando nossos cabelos.

Esse texto integra a Blogagem Coletiva Mulher Negra, que conjuga o dia da Consciência Negra com o dia do Combate à Violência contra a Mulher. 

A luta anti-racista e anti-sexista se tratam de lutas por emancipação. Acreditando na potencialidade da arte como instrumento de libertação, tem tudo a ver com esses temas uma reflexão sobre como as mulheres negras tem subvertido o lugar de subalternidade em que a sociedade as encerra quando se tornam intelectuais e escritoras.

A intelectual negra bell hooks (que escolheu grafar o nome assim mesmo, em letras minúsculas) é um exemplo da importante conjugação entre militância e vida acadêmica. 

Em um de seus textos, ela mostra como a representação das mulheres negras nos diversos meios de comunicação forma uma percepção coletiva de que elas estão no mundo principalmente para servir aos outros. 

O corpo da mulher negra, desde a escravidão até hoje, “tem sido visto pelos ocidentais como o símbolo quintessencial de uma presença feminina ‘natural’, orgânica, mais próxima da natureza, animalística e primitiva”. 

Essa formulação discursiva que encerra a mulher negra em seu aspecto biológico – seja como extremamente sexual ou como a figura da “mãe preta” – atua para tornar o domínio intelectual um lugar interdito, já que “mais do que qualquer grupo de mulheres nesta sociedade, as negras têm sido consideradas ‘só corpo, sem mente’”.

bell hooks entende que ‘intelectual’ é muito mais do que um cara que lida com conhecimento. Ele é – ou deveria ser – “alguém que lida com idéias transgredindo fronteiras discursivas, porque ele ou ela vê a necessidade de fazê-lo”. 

É nesse sentido que ela afirma que “o trabalho intelectual é uma parte necessária da luta pela libertação, fundamental para os esforços de todas as pessoas oprimidas e/ou exploradas, que passariam de objeto a sujeito, que descolonizariam e libertariam suas mentes”. 

Assim, é essencial para a luta de libertação das mulheres negras frente ao sexismo e ao racismo que elas ocupem este espaço ‘proibido’ do trabalho intelectual, subvertendo e ressignificando elementos da ideologia hegemônica.

O papel das escritoras negras é primordial nesse processo, pois na recusa de serem apenas objetos sobre os quais se formulam discursos, essas mulheres tornam-se produtoras de uma literatura que disputará espaço com as vozes que perpetuam os estereótipos. 

Através desse “assenhoramento da pena”, para usar a expressão de Conceição Evaristo (de quem já falamos por aqui), as escritoras negras buscam inscrever na literatura imagens de uma auto-representação.

Maria Firmina dos Reis

Por ser uma forma literária contra-hegemônica, a escrita de mulheres negras tem sido sujeita à marginalização, ao desconhecimento e à desvalorização intelectual. Isso tudo apesar de sua incontestável presença ao longo da história. 

Aqui no Brasil, são consideradas fundadoras desse discurso feminino negro a ficcionista Maria Firmina dos Reis (1825-1917) e a poeta Auta de Souza (1876-1901). 

Para dar fim a esse silenciamento é tão importante dar a conhecer a existência dessas mulheres e propagar sua obra. As mulheres negras pensam, escrevem, fazem ciência, literatura, fazem tudo que cabe a qualquer mulher, a qualquer ser humano fazer.


Bárbara Araújo

professora de história, feminista, anticapitalista, capoeirista, flamenguista e poeta sazonal.


Postado no blog Blogueiras Feministas em 21/11/2012


A palavra tem poder



Jornalista há anos, poeta há algum tempo, eu devia saber disso desde sempre.

Mas faz pouco tempo que descobri a força da palavra, em seu sentido mais amplo. Foi por meio do feminismo, de ver como a violência contra as mulheres se manifesta, principalmente, no campo do simbólico. 

Foi aí que vi a força da piadinha, do apelido engraçadinho, daquele meme bobinho que reproduz a dicotomia da mulher-pra-casar e da mulher-pra-transar. Vi a força reafirmadora do discurso na propaganda, nas revistas. E vi o quanto eu, mesmo querendo ser certa, errava. Porque reproduzia a linguagem sem questionar. Nós jornalistas sabemos – ao menos em tese – que a linguagem repetida sem questionamento vira clichê. 

O que aprendi no ativismo é o lado mais perverso do clichê: o estereótipo. Palavra repetida tem força de criação. De profecia. Forma o mundo e inventa categorias inteiras. Agrupa as pessoas de certas formas e não de outras, e o que poderia ser apenas uma escolha de conjunto acaba sendo a escolha de um mundo.

É aquilo: a palavra tem poder. O discurso tem força. Não é a única coisa a ter força, existem outros tipos de violência no mundo, muitas delas além do discurso. Mas a palavra inegavelmente é forte o suficiente para perpetuar e criar realidades.

E justamente por isso, é preciso ter paciência. Muita mesmo. A palavra usada como arma – mesmo que seja de defesa – pode ferir. A agressividade é uma estratégia que pode ganhar o respeito, mas junto com o respeito vêm o medo e o silenciamento. Isso, talvez, seja uma forma de alienação. 

E se a gente quer mudar as coisas, talvez alienar as pessoas do nosso discurso não seja a melhor forma de agir. Não que todo mundo precise ser feminista limpinha fofinha adorável, não é isso. Tem que poder ser contundente, falar o que pensa. Mas a gente, mais que ninguém, sabe que palavra tem força. E se a gente solta sem pensar, aquilo volta. 

Ação e reação. Se estou de bike e um carro me fecha na rua e quase me mata, quero muito xingar o desgracento até o fim dos dias, rogar praga sobre seus descendentes e os filhos de seus descendentes até a sétima geração. Mas se eu faço isso – e já fiz muitas vezes – passo o resto do trajeto com medo, apavorada de o cara ficar puto e se vingar. Ou de se vingar em outro ciclista, depois. 

Não que eu precise ficar calada ali, bicicleteirinha com vergonha de existir, pedindo desculpas por estar no cantinho da rua. Não. Mas posso me manifestar de outras formas. Dar um tchauzinho. Mandar beijinho. Perguntar por que a pessoa fez aquilo. Cantar Gangnam Style em versão heavy metal. Sei lá. Qualquer coisa que não seja continuar o ciclo de agressão.

Justamente porque a palavra tem tanto poder, a gente precisa se conter. Por mais certa que a gente ache que esteja. Por mais justa. Por mais que a nossa causa seja a correta. Porque a palavra recebida como arma também tem força e machuca.

E as pessoas são só pessoas, sabe. Que elas vão errar é líquido e certo, faz parte de ser pessoa, de ser gente. Algumas irão pedir desculpas, outras não. Algumas irão se odiar por semanas, outras irão criar casquinha. 

Mas e aí, o que aquilo adiantou? Serviu de escape momentâneo, de catarse, mas e daí? Gerou felicidade, trouxe gente nova para a discussão, ajudou a ampliar o debate? Na maioria das vezes, não. Essas divisões são uma catarse coletiva que podem servir como momento de pertença para grupos excluídos. Mas que no fim das contas, aliena um monte de gente que poderia ser um aliado mais próximo.

É preciso aprender a debater, a discordar, sem partir pro xingamento. Aprender a se sentir ofendidas sem achar que isso é justificativa pra perseguições e ameaças, ou pra incentivos a perseguições e ameaças. Tem que ser hippie nessa hora, gente, não tem jeito. Quase budista. 

Essas brigas, essas tretas, no longo prazo não significam nada. Eu sei que faz parte do ser humano. Sei também que já perdi as estribeiras, rodei as tamancas e fiz todos os clichês esquentadinhos. E sei que vou fazer de novo. Mas a gente precisa começar a repensar isso, achar formas de não cair nessa.

Acredito totalmente em discutir e discordar. Mas, para a sociedade que a gente quer, é importante o processo. Como a gente vai chegar lá. E se pra chegar lá a gente precisar usar de armas que sempre foram usadas contra a gente, e a gente precisar apontar dedos contra colegas o tempo todo, tem algo errado.

A palavra tem poder. Por isso, temos que pensar bem antes de apertar o send naquele e-mail raivoso, de dar “curtir” num comentário de ódio, de chamar de nazista alguém que só está discordando. 

O processo importa. O discurso também. Não é fácil, nem automático. Por isso é que é preciso lembrar sempre, refletir sempre. 

E aí é aquela coisa, cada uma começa por si. Revendo as próprias atitudes, antes de apontar dedos. Olhando de frente para o nosso teto de vidro. Que é o que dá pra fazer.


Jeanne Callegari

Jornalista, ciclista, poeta saindo do armário.


Postado no blog Blogueiras Feministas em 19/11/2012


Vem aí a Arena Coscarque






Marcelo Carneiro da Cunha

Um dia da Consciência Negra no 20 de novembro cria enormes possibilidades de combinação com o dia da Consciência Republicana, também conhecido como o 15 de novembro, e nessas o povo foi embora na quarta-feira e não foi mais visto. 

Penso que se os meus estimados gaúchos soubessem como São Paulo fica ótima com 3 milhões de habitantes a menos viriam todos para cá, reconstituindo o problema, mas agora com novo sotaque. Sério, eu penso nessas coisas.

E amigos meus estavam hoje debatendo os estádios do Internacional e Grêmio, assunto que se torna mais intenso à medida em que se aproximam os dias finais do nosso velho e estimado Olímpico.

Basicamente o Inter apostou na continuidade, continuando no mesmo lugar e com o mesmo estádio, só que recapado. Já o imortal tricolor sacudiu a poeira, deu a volta por cima e optou por se mandar da Azenha para novos e maiores ares e arenas.

Quem acertou mais, quem errou mais, estimados sulvinteumenses?

Não é por morar em SP e ser pai de um provável futuro corintiano que eu me abstenho de dar opinião furada em um tema dessa relevância. Eu posso ser um ex-morador de Porto Alegre, mas sigo tão gremista quanto era, acho, apesar da memória se tornar traiçoeira com o passar dos séculos.

Pois eu acredito que o Grêmio acertou e o Inter errou, e, ao final do processo, um vai estar no mesmo lugar, apenas com a maquiagem retocada, e o outro vai estar posicionado para ocupar um outro espaço nesse século que inicia.

Um outro espaço começa, necessariamente, por cair fora da Azenha, não lhes parece? Eu posso não morar na cidade e não ir até aquele bairro a pelo menos 15 anos, mas nada aconteceu, acontece ou vai acontecer por ali, não é mesmo? Alguns lugares se especializam em anti-acontecimentos, e vivem bem assim. Teresópolis, Partenon, Glória, Azenha, todos aqueles destinos antigos dos bondes que partiam da praça ali em frente ao Mercado Público. Sair dali só pode fazer bem, é o que me parece.

Já o Inter fincou pé naquela avenida que dá passagem à zona sul e ao território do pessoal que vai ao supermercado de pijama aos domingos, não é mesmo? E insiste em reformar o Beira-Rio, o que me parece um erro. Não existe muito como arrumar coisas mal planejadas e mal construídas, e praticamente tudo que fizemos nos anos 50 e 60 se inclui em ambas categorias. Éramos um país mais pobre e com mania de fazer coisas grandes. Claro que dali não poderia sair muita qualidade, e não saiu mesmo.

Eu tive ótimos momentos olhando o que acontecia no gramado do Olímpico, e acho belíssima a imagem daquela torcida toda  em azul.

Mas também lembro de me sentir desrespeitado como torcedor e cidadão, e bastava ir a um bar ou banheiro, duas coisas igualmente construídas no mesmo concreto e com a mesma visão de qualidade nenhuma, para me sentir no que os século 20 tinha de pior para nos oferecer.

Manter essas estruturas, tentar reformá-las, me parece um erro. Não acho que elas tenham muito jeito, como não sei se a Azenha tem muito jeito. Melhor deixar pra lá e mudar de ares, é o que eu penso. E por isso penso que o Grêmio acertou mais, mesmo com aqueles vidros azuis com jeitão de aeroporto da Infraero ou templo da Universal que a nova arena tricolor parece que vai portar.

O novo local vai ficar no meio caminho entre Porto Alegre e suas muitas cidades vizinhas, ampliando o universo de torcedores e o poder de atração do clube e sua marca. Tudo ali parece remeter para o futuro, embora as favelas da região não tenham ainda informado o que pretendem fazer consigo mesmas.

De resto, e como contribuição, deixo uma sugestão de nome para o novo estádio, que vai ser nomeado por um patrocinador, pelo que eu entendo. Se for um nome muito internacional, muito amplo, como Samsung, Santander, Apple, já vejo algum Fagundes protestando.O Banrisul ou a Panvel não vão querer patrocinar apenas um dos lados e a Gerdau não me parece mais tão ligada em assuntos locais.

Portanto, e pelo aspecto de reforço à ideia de buscarmos todos um melhor condicionamento físico, que tal Arena Coscarque? 

É nosso, faz bem, e já foi até proibido pela Anvisa. Tem todas as vantagens e poucas desvantagens, excluindo-se o fato de que não deve ser capaz de patrocinar o que quer que seja, e assim o clube pode aguardar o surgimento de um patrocinador de verdade e global e o povo do RS nem vai resistir ao negócio, louco por se livrar de um nome tão horroroso. Vejam quantas vantagens!

Clube de futebol tem que se concentrar no seu negócio principal, que deveria ser o futebol. Gerenciar estádios faz tanto sentido quanto produzir as próprias chuteiras. 

Arena Coscarque tem as virtudes de ser, ao mesmo tempo, inigualável e sem sal, nomeando sem desnomear. O time vai ter que se puxar para ficar à altura do seu novo estádio. Que faça isso sem distrações ou concorrência de outros parceiros minimamente à sua altura. Essa é a sugestão, e espero que seja levada a sério pelo Fabio Koff ou quem quer que seja que esteja na presidência do clube.

Fica a dica, e um bom futuro a todos nós.

Postado no blog Sul 21 em 22/11/2012


Nota

Coscarque é um chá emagrecedor.




Tempo e trabalho



Por Alcir Martins *

Em 1847, na Inglaterra, uma lei passou a limitar a jornada de trabalho em dez horas diárias. Sim, dez horas diárias! Se a este quadro somarmos que não havia descanso semanal remunerado, nem férias anuais, nem garantias previdenciárias ou regulação salarial, formamos um cenário dramático que parece ficcional aos olhos do século XXI. Apesar de ainda convivermos com várias modalidades de trabalho precarizado, ao menos nos textos legais se reconhece a existência de direitos às trabalhadoras e trabalhadores.

No início dos anos 2000, na França, a Lei Robien estabeleceu jornadas de trabalho de 35 horas semanais, com políticas transitórias e incentivos para garantir a manutenção dos salários num período de adaptação e confirmação da nova realidade laboral. Os mais de 150 anos que separam uma legislação da outra viram acontecer alterações substanciais no nosso modo de produção e nas relações de trabalho. Absorvê-las para dentro do mundo do trabalho, a partir de uma perspectiva da classe trabalhadora é fundamental.

No Brasil, em 2003, o Decreto Presidencial 4.836 avançou na discussão sobre a jornada diária, possibilitando que o serviço público organize turnos contínuos de trabalho, para atender por mais tempo e com mais qualidade ao público. Embora a iniciativa privada e o setor público tenham lógicas diferentes, é importante conectar ambas as lutas por jornadas mais humanizadas, pois no fundo são uma luta só. Ambas colocam frente a frente o tempo de vida e o tempo do lucro, seja esse lucro medido pela mais-valia que vai para o cofre particular do patrão ou apropriada pelo Estado, que a redistribui mais ou menos justamente para a sociedade.

Os avanços tecnológicos fizeram o tempo de trabalho necessário recuar e a reorganização das jornadas de trabalho, comprovadamente, eleva a produtividade por hora trabalhada. As rotinas de trabalho de anos atrás estão imensamente mais ágeis. Imaginem o tempo que se gastava para elaborar, redigir e entregar um documento simples há 10 ou 20 anos atrás? Utilizava-se a máquina de escrever e não o computador. A informação só podia circular em dimensões físicas e hoje, virtualizada na Internet, cruza e contorna o mundo todo em instantes. As linhas de produção dos mais diversos setores tiveram avanços enormes em termos tecnológicos. Há um acréscimo inegável da produtividade e que pode ser amplificada pela jornada de trabalho reduzida.

Estudos franceses sobre os impactos da Lei Robien, comprovaram a geração de mais postos de trabalho e, em especial, o incremento da produtividade por hora trabalhada. Além disso, notou-se uma queda sensível nos índices de adoecimento por questões laborais e afastamentos do trabalho para tratar da saúde.

Esse conjunto de fatores garantiu que a mais-valia não fosse alterada negativamente, mantendo os lucros dos empregadores. Ou seja, não se trata de uma revolução (ainda!) mas apenas de redistribuir entre todos, os frutos do desenvolvimento tecnológico que deve pertencer a toda a humanidade. As mediações propostas na experiência francesa de limitação de jornada, por exemplo, buscavam ampliar o nível de emprego, apoiando-se em duas razões diretamente proporcionais: aproveitamento da tecnologia e potencialização da produtividade por hora trabalhada.

Em síntese, o que está dito acima, embora aponte para concepções teóricas e práticas bastante avançadas para o momento em que vivemos, está longe de se colocar como elemento subversivo ou revolucionário. No nosso tempo ainda horroriza ver o exército de mão-de-obra de reserva; batalhões de desempregados ao lado de potencial abundância negligenciada e é para combater esta mazela que a redução da jornada de trabalho pode ser discutida primeiramente pela sociedade.

Cada vez mais o conhecimento humano possibilita que se produza mais com menor utilização de trabalho vivo. No entanto, a jornada de trabalho é, entre outras coisas, um mecanismo de controle dos trabalhadores. Não foram poucos os exemplos em que setores da economia, dos serviços a plantas industriais, conseguiram manter níveis de produção apesar da diminuição da presença humana – seja por rearranjos, desemprego ou greves. Talvez sem querer, o capitalismo demonstrou a possibilidade que a humanidade desfruta hoje de ampliar os excedentes de tempo livre do trabalho e, aos poucos, ir se liberando do trabalho.

Esta possibilidade fundamental é o objeto de uma importante disputa: se, por um lado, os capitalistas tendem a transformá-la em diminuição do emprego, jogando cada vez mais gente ao desemprego ou impedindo o acesso a postos de trabalho; de outra parte, pela perspectiva da classe trabalhadora, a potenciação tecnológica aplicada ao mundo do trabalho deve ser revertida em mais tempo livre, através da redução das jornadas de trabalho e de ampliação da força de trabalho, com mais gente trabalhando.

Lembrando que, desta forma, ainda seguiriam praticamente intactas as relações de produção e somente quando nos for possível questionar a obrigação de trabalhar pra viver estaremos avançando para uma demanda revolucionária, que altere, de fato, o estado das coisas para que todos tenham vida em abundância.

* técnico em assuntos educacionais na UFSM e coordenador de Comunicação Sindical da ASSUFSM

Postado no blog Sul 21 em 23/11/2012