Carlos Augusto Vieira da Costa
A explosão de comentários depreciativos e jocosos sobre a condenação de José Dirceu nas redes sociais me fez pensar sobre o que essas pessoas sabem que eu não sei.
Será que elas sabem que durante o Regime Militar, após o AI-5, o Supremo Tribunal Federal sofreu intervenção do Poder Executivo, que redundou na cassação de três Ministros?
Será que elas sabem que a sociedade brasileira, com exceção de alguns poucos, fechou os olhos e se calou diante do golpe militar?
E que dentre esses poucos havia um jovem estudante de direito chamado José Dirceu, que por conta da sua insurgência foi preso e expulso do país? E que depois de expulso, voltou clandestinamente para colaborar com a resistência, colocando a sua vida em risco?
Na verdade, no seu caso, se fosse pego pelo regime, o melhor que poderia lhe acontecer seria morrer, pois o que o esperava era muito pior.
Então, se não sabem, é bom que saibam, pois num país onde muitos marmanjos barbados se borram de medo diante de um mirrado pivete no sinaleiro, fazer o que Dirceu fez pode ser considerado um ato de heroísmo.
Mas não é só isto.
Será que elas sabem que quem indicou Joaquim Barbosa para o STF foi Lula? E que além de Barbosa coube a Lula indicar outros sete ministros entre os 11 integrantes, numa prova inequívoca de que não houve aparelhamento da Suprema Corte pelo PT?
Será que eles sabem que para condenar Dirceu o STF foi buscar no direito americano uma teoria (teoria do domínio do fato) totalmente estranha à nossa tradição jurídica, pois do contrário não seria possível condená-lo por ausência de provas materiais sobre sua participação?
E que pouco antes do julgamento do mensalão o STF havia declarado a nulidade de toneladas de provas produzidas pela operação Satiagraha, da Polícia Federal, incriminadoras do banqueiro Daniel Dantas, fazendo de conta de que nada fora descoberto?
Por fim, será que eles sabem que o mensalão foi uma criação do PSDB do estado de Minas Gerais, para reeleição do governador Eduardo Azeredo no ano de 1998? E que a corrupção não foi uma invenção do PT, nem começou no governo Lula?
Essas considerações, é bem verdade, não impedem que Zé Dirceu possa ser chamado à responsabilidade e eventualmente sentenciado por crime cometido e provado.
Todavia, dada a grandeza da sua atuação na defesa da democracia brasileira, qualquer condenação de sua pessoa deveria ser precedida de solene constrangimento, tal qual Pilatos que lavou as mãos antes de entregar Jesus para crucificação, e não do modo atrabiliário como foi feito.
De qualquer maneira, não preocupa tanto a via crucis de Dirceu, que não deve significar muito perto dos riscos que correu durante o Regime Militar.
Preocupa mais o fato da nossa sociedade não saber reconhecer na coragem e valentia de Dirceu valores de conduta merecedores de homenagens, e que marmanjos barbados que temem uma ida a pé até a padaria sejam mais valorizados.
Isto sim preocupa, pois nesse ritmo não tardará para nos transformarmos num país de panacas, ou de qualquer outro adjetivo que aceite uma rima.
* Carlos Augusto Vieira da Costa
Procurador do Município de Curitiba
Postado no blog A justiceira de Esquerda em 15/10/2012