por Mauro Santayana
Todos os julgamentos são políticos, quando os crimes prováveis se cometem contra a República. São políticos, se levamos em conta que as vítimas são os membros da comunidade lesada, no caso em que tenha havido os delitos apontados. A partir desse raciocínio, não há como desacreditar, in limine, o volumoso processo contra parlamentares, servidores do Poder Executivo, ministros de Estado, publicitários e outros, acusados de desviar recursos públicos, mediante ardilosos expedientes.
Se as provas forem robustas e as leis penais violadas, o julgamento técnico suportará o juízo político. Se não forem suficientemente sólidas, ainda que sugiram a probabilidade do delito, o Supremo Tribunal Federal (STF), como é de sua história e natureza, na obediência ao princípio de que a dúvida os beneficia, absolverá os réus.
Tantos anos depois da denúncia, a nação quer conhecer a verdade, pelo menos a verdade que os autos, sob o exame do STF, indicarão. É certo que não será toda a verdade, e é provável que muitos portem culpas alheias, mas os juízes, e principalmente os mais altos magistrados do país, não julgam com provas secretas. Eles se aterão – como impõem a natureza humana e a inteligência de quem julga – aos documentos reunidos pela Procuradoria-Geral da República.
Ainda que os juízes venham a condenar os réus, seria exagerado considerá-lo o "julgamento do século" e a sentença política final contra o PT. A História não é a imagem de manchas negras do pecado sobre o fundo imaculado da inocência. Ela se faz da combinação aleatória entre os vícios e as virtudes. O Partido dos Trabalhadores, com todos os erros que tenha cometido, contribuiu – ao suportar a carreira e a candidatura de Lula – para o grande avanço social no país. Entre outros de seus méritos, Lula devolveu aos brasileiros a parcela de autoconfiança que perdera durante o governo francamente entreguista e submisso aos poderosos do mundo, de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
Não se pode mais prolongar a suspeita. Se os acusados são inocentes, do ponto de vista da legislação penal, que tenham os seus direitos restaurados e sua honorabilidade recuperada. Não obstante isso, estarão sujeitos ao julgamento da opinião pública. De qualquer forma, depois da decisão do Supremo, os fatos passam oficialmente ao arquivo da História.
Processos como esse podem contribuir para a reconstrução da República, de acordo com as exigências do presente. Está faltando bom senso às nossas instituições republicanas, desde a violação da Carta de 1946, pelo golpe militar. A Constituição de 1988 foi amputada, ex abrupto, pelas emendas antinacionais impostas por Fernando Henrique. E quando lhe falta o senso comum, conforme a síntese ético-lógica de George E. Moore, todo pensamento filosófico – incluído o político – é falso. Lula exerceu o cargo com o senso comum reclamado por Moore, mas não dispunha de poder suficiente para reconstruir todo o edifício constitucional do país.
Falta bom senso a um sistema que se estrutura sobre grupos de interesse corporativo – como as bancadas do agronegócio, dos banqueiros, dos industriais paulistas, das multinacionais –, e não sobre ideias e doutrinas que busquem identificar e defender o interesse comum da nacionalidade. Falta bom senso a um sistema que se declara fundado na independência dos três poderes, mas que se exerce na prática da promiscuidade cômoda para os que dela se aproveitam, e inaceitável aos homens de bem.
Ainda que esse mal seja comum a todas as sociedades políticas contemporâneas, em nosso caso o problema parece maior, o que é natural, porque é dentro de nossas fronteiras que vivemos, submetidos às contingências próprias dessa circunstância. E, com todas as dificuldades, a pressão do povo tem contribuído para o aprimoramento de nossas instituições.
Postado no blog DoLadoDeLá em 02/08/2012