Por Marino Boeira
Um canapé feito com queijo de cabra, uma pequena prova de vinho branco da Serra Gaúcha, um biscoito integral, tudo isso certamente já lhe foi oferecido para degustação nos supermercados da cidade, por aquelas mocinhas simpáticas sempre com um sorriso encantador, que possivelmente serviria também para lhe oferecer um novo dentifrício capaz de deixar alvos os dentes de qualquer fumante inveterado. Caso você aceite, por exemplo, um pequeno gole daquela vinho branco, terá que ouvir o discurso, que a pobre moça teve que decorar e que agora despeja numa torrente, para não esquecer nenhum adjetivo, sobre as qualidades do vinho, incluindo o fato de ter sido feito de videiras selecionadas, de ter um teor alcoólico de 12 graus e de se harmonizar com peixes e frutos do mar. Então, é bom passar rápido por estes locais e ir direto ao que lhe interessa nas prateleiras, ainda mais se você for um apreciador do Malbec argentino.
É o que eu tentava fazer um dia desses num daqueles imensos supermercados da Avenida Ipiranga. O novo item na minha listinha de compras marcava papel higiênico. E lá estava eu diante de uma enorme prateleira com um mundo de marcas de papel higiênico: com ou sem perfume, colorido, neutro, com ilustrações, folhas simples, folhas duplas, um mundo de opções. Quando localizei o rótulo conhecido e avancei para apanhar a embalagem, uma daquelas moças sorridentes criadas pela imaginação sempre fértil dos marqueteiros de vendas, se postou diante de mim com a pergunta previsível.
O senhor conhece este papel higiênico ? Nas mãos, uma embalagem colorida, certamente de uma nova marca há pouco lançada no mercado e que precisava do aval de consumidores como eu, pouco afeitos a novas experiências de consumo, ainda mais de um produto tão pouco atraente como um rolo de papel higiênico.
Não, eu não conhecia e não tinha nenhum interesse em verificar na prática como é imensa hoje a liberdade de escolha de produtos de consumo, inclusive de um produto com uma destinação tão pouco nobre. Era a tal liberdade que nós, habitantes de um país democrata , onde existe a livre iniciativa, temos e aqueles outros, que por ventura ainda vivam em regimes comunistas, não terão nunca. Não estava sendo um bom democrata ao deixar de valorizar mais esta possibilidade de escolha, mas eu queria apenas completar as compras da minha listinha e chegar logo ao caixa antes que as filas se tornassem ainda maiores.
Minha negação, longe de desestimular a simpática mocinha, deu a ela novos argumentos. Eu teria que conhecer aquela nova maravilha posta a nosso serviço diário. Então, para o meu espanto, ela desenrolou um pedaço de papel do rolo que tinha nas mãos e começou a falar das qualidades do produto. É tão sedoso quanto este que o senhor ia comprar. Já usava o verbo no passado, certa que tinha abalada a minha decisão de compra. E foi despejando outras qualidades do produto. Tem também folha dupla, a mesma extensão, 50 metros e… suprema vantagem, custa menos. Temendo que ela quisesse avançar ainda mais na demonstração das qualidades do produto, rapidamente eu disse que sim. Tudo que eu queria era levar para a casa o novo e maravilhoso papel higiênico. Peguei logo duas embalagens e joguei no carrinho, armei meu melhor sorriso de comprador agradecido e me toquei para o caixa, antes que uma nova e sorridente demonstradora me apanhasse pelo caminho.
Você quer saber se o produto que levei para casa correspondeu às expectativas? Não sei. Sem querer decepcionar os publicitários, marqueteiros e defensores da eficiência da propaganda nos pontos de venda, ainda penso que papel higiênico é tudo igual ou pelo menos, que a coisa mais parecida com uma marca de papel higiênico é outro marca de papel higiênico.
Marino Boeira é professor universitário.
Postado no blog Sul21 em 01/08/2012
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