A crença míope nos superpoderes de blogueiros



Por Luiz Carlos Azenha

Confesso que, de uns tempos para cá, minha tolerância com a hipocrisia é próxima de zero.

Acho perda de tempo participar de polêmicas cuja função essencial é mascarar a realidade, além de alimentar o desejo de alguns por circo.

Circo move tráfego na rede.

A ação do PSDB relativa aos blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luís Nassif não busca debater o essencial, ou seja, o uso do dinheiro público em publicidade ou propaganda. Se buscasse, haveria de tratar do conjunto: quais são os gastos de governos federal, estaduais e municipais com propaganda? Quanto recebem a Globo, a Veja, a Folha e o Estadão proporcionalmente ao bolo?

Os governos não poderiam reduzir estes custos investindo mais na internet, por exemplo, dada a crescente capacidade de disseminação de informações através das redes sociais? É viável fazer como o agora senador Roberto Requião, que quando governador do Paraná cortou todas as verbas publicitárias, a não ser as de campanhas de utilidade pública? Cabem políticas públicas para promover a pluralidade e a diversidade de opiniões?

Há outras questões, tão interessantes quanto. Deve um partido tentar definir a pauta de um blog eminentemente pessoal? Por que o anúncio de empresas públicas supostamente compra um blogueiro mas não compra um dono de jornal? Crítica é ataque às instituições? Ao criticar o Congresso, o governo federal ou o Judiciário os colunistas dos grandes jornais estariam ‘atacando as instituições’? 

Mas, se o financiamento dos jornais para os quais escrevem — ou das emissoras de rádio e TV nas quais trabalham — é feito parcialmente com dinheiro público, eles podem ‘atacar as instituições’ livremente e os blogueiros não? E a liberdade de expressão e o direito ao contraditório?

Trato destes temas com tranquilidade. O Viomundo, pelo menos por enquanto, é mantido com anúncios Google. 

O Leandro Guedes, que nos representa comercialmente, desenvolve ferramentas para que nosso financiamento seja proporcionado pelos próprios leitores. Desde que começou a fazer isso, há dois meses, não está autorizado nem a enviar os media kits (com dados de audiência, etc) a empresas públicas ou governos federal, estaduais ou municipais. Esperamos que a grande mídia siga nosso exemplo.

[Pausa para gargalhar]

Não sei o que moveu o PSDB. Provavelmente, pela escolha dos alvos, José Serra. Tenho comigo que algum mago, daqueles que cobram fortunas para fazer campanha, tenha concluído que existe uma relação entre a altíssima taxa de rejeição de Serra e a blogosfera/mídias sociais.

Não sei se o diagnóstico está certo ou errado, mas a cura é duvidosa. Parte do pressuposto de que blogueiros sejam capazes de mover legiões de internautas. A crença nisso é uma farsa, muitas vezes alimentada por quem está chegando agora ou está “investido” na blogosfera.

Quem lida com os internautas no dia a dia e respeita a diversidade de opiniões descobre que este é um meio horizontal. Não é estruturado hierarquicamente. Não obedece a comandos. O valor das opiniões não está na autoridade, nem no currículo, nem no status do autor: deriva da qualidade, da lógica, da originalidade da argumentação. Deriva da capacidade de apontar algo que outros não notaram. De desvendar conexões encobertas. De colocar fatos em perspectiva histórica. De ajudar a concatenar e, portanto, fixar ideias que circulavam desconexas no “inconsciente coletivo digital”. Simplificando, quando a piada é boa ganha o mundo.

Aquela foto de Serra sobre o skate, na capa da Folha, pode ter sido feita num momento autêntico de descontração, mas cristalizou a imagem de um candidato tentando parecer o que não é: jovem. Se dezenas de milhares de pessoas perceberam isso ao mesmo tempo e puderam conversar sobre isso nas redes sociais — o que não poderiam ter feito no passado, quando dependiam de passar pelo crivo de um repórter, de um editor e do dono de um grande jornal e de escrever carta para a coluna do leitor – é culpa dos blogueiros?

Acreditar que dois blogueiros — ou duas dúzias — sejam capazes de mover a rede é subestimar a inteligência dos internautas. Ou alguém acredita que tem um comunista escondido embaixo de cada Curtir?

Com ferramentas razoavelmente simples como o twitter e o Facebook, hoje cada leitor pode exercer como nunca seu direito de escolha, de interagir e de se fazer ouvir. É natural que quem vive no mundo das hierarquias rígidas estranhe, se sinta intimidado ou frustrado. O que está em curso nas redes sociais é o equivalente a uma segunda revolução do controle remoto.

Portanto, não estamos diante de uma tentativa do PSDB de defender as instituições ou de zelar pelo dinheiro público. Pode ser uma resposta exagerada ou míope diante de um fenômeno que o partido não consegue entender ou pretendia replicar e não consegue. 

Quem sabe exista um desejo subjacente de controle, de um ‘choque de ordem’ que preceda a privatização da crítica e do conhecimento intelectual, colocando ambos dentro de parâmetros aceitáveis pelo mercado (sobre isso, escreveu Slavoj Zizek). Ou é tentativa de intimidação, pura e simples.


Postado no blog Viomundo em 24/07/2012


Ler é trabalho



 

Nikelen Witter

Uma das minhas grandes conquistas da vida adulta foi fazer com que levassem à sério o tempo em que eu estava lendo. Cresci ouvindo a frase: “Nika, tu que está aí, só lendo, faz tal coisa.” E, veja bem, minha casa não era exatamente uma dessas casas em que se desestimula a leitura. Pelo contrário. Meus pais sempre acharam que minha fúria por ler devia ser alvo de grandes incentivos, mesmo que nenhum dos dois fosse um grande leitor. Para eles, a leitura era um passatempo, algo para se fazer quando não se tem mais nada para fazer. Já eu sempre fui uma viciada, no amplo e mau sentido da palavra. Aprender a ler foi minha principal meta em toda a primeira infância e, logo, eu queria devorar qualquer coisa escrita que me passasse pela frente. E eu preferia brincar sem outras crianças por perto para poder deixar a imaginação alimentada de histórias voar sem ter de ficar dando boletins sobre isso. Ou seja, chata desde criancinha.
Sei, você lê isso e pensa: “não, de forma alguma, uma criança imaginativa devia ser adorável”. Olhe o quadro com mais atenção. Meus pais precisavam justificar aos amigos uma menina que distraia com a presença de letras em qualquer lugar – paredes, jornais, bulas de remédio – a ponto de não ouvir, não responder e não se interessar pela presença das outras pessoas. Pior: como explicar às outras crianças que eu, sentada, olhando para uma parede, fazendo expressões e rindo sozinha, estava brincando? Minha pobre irmã chorava. Alguns adultos deviam questionar minha sanidade, mas, nos idos dos 80, se você tinha boas notas era mentalmente são até prova em contrário ou até trucidar o gato do vizinho. Nunca fiz nenhuma das duas coisas, logo, era só chata, não louca.
Na adolescência, eu passei a sumir. Cada novo livro eram dois dias sem que as pessoas me vissem mais do que para as refeições (por vezes, nem isso). Os vizinhos acreditavam que meus pais tinham apenas uma filha e eu era uma visita ocasional. Ainda assim, para todos em meu em torno, a minha leitura não era uma vocação, mas um passatempo, nada sério. Isso se estendeu até a época da faculdade. “Faz tal coisa, Nika, depois tu volta a ler”. Num dado momento, entramos num debate sobre o tempo. “São apenas 15 minutinhos, filha.” Ora, 15 minutinhos são 5 a 10 páginas de texto (dependendo do texto). Isso é um mundo, uma imensidão. E, de 15 em 15 minutinhos se vão meias e uma horas e o que atrasa é a minha leitura. Isso porque eu não estou fazendo nada, só lendo. Ora, eu estou lendo! E ler também é trabalho (na faculdade é duas vezes isso).
Minha conquista de espaço, porém, nem foi das mais árduas. Tenho alunos que relatam situações ainda piores. No mundo rural gaúcho ler muito enlouquece, e com tanto o que fazer, uma sombra e um livro é coisa de quem não quer trabalhar, isso sim! Somam-se outros argumentos. Vá brincar ao invés de ficar “só lendo”. Vá viver ao invés de ficar “só lendo”. Vá se divertir ao invés de… Vai trabalhar, vagabundo.
Minha reivindicação – igual a que fiz em casa há tantos anos – é que: ler também é trabalho. E sim é diversão e brinquedo e vida. Quem lê não está fazendo “nada”. Está viajando, construindo, crescendo. Está lendo. Traduza 15 minutos em páginas e as páginas em conhecimento e sensações e verá o quanto eles custam ao leitor que larga seu livro. Seja tolerante com os leitores, pois se tem algo que eles não estão fazendo é “só” lendo.
Postado no blog Sapatinhos Vermelhos em 24/07/2012

Serra quer censurar a blogosfera




Por Altamiro Borges

O PSDB apresentou nesta segunda-feira uma representação na Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) em que pede a investigação dos patrocínios de empresas públicas a sítios e blogs “ofensivos aos partidos de oposição”. A iniciativa foi tomada após mais um ataque histérico de José Serra, que na sexta-feira acusou o PT de sustentar “uma tropa nazista” na internet e voltou a destilar o seu ódio contra o que ele batizou de “blogs sujos”, durante palestra para milicos saudosos da ditadura na campanha presidencial de 2010.

Atentado à liberdade de expressão

A iniciativa do PSDB visa intimidar as poucas empresas estatais e governos que anunciam em blogs não corporativos, sem vínculos com os impérios midiáticos. Ela confirma a falsidade dos tucanos quando bravateiam em defesa da liberdade de expressão. Na prática, a representação no PGE objetiva asfixiar financeiramente os blogs independentes que possuem publicidade devido a sua audiência. Ou seja: o PSDB defende a censura. Não há outro nome para esta ação autoritária, que lembra o período da regime militar!

Entre os citados na representação estão os sítios dos blogueiros Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif. “Esses blogs financiados com dinheiro público tornaram-se meras extensões do governo e de suas campanhas”, esbraveja o presidente nacional do PSDB, o deputado Sérgio Guerra (PE). Além da investigação dos anúncios, a representação também exige que se apure “o desvio, ainda que indireto, de recursos públicos para a propaganda eleitoral do PT”.

Amorim e Nassif responde ao ataque

Diante de mais esta tentativa grotesca de censura, os dois blogueiros reagiram imediatamente. Paulo Henrique Amorim, sempre irreverente, afirmou que a atitude do PSDB demonstra que José Serra “se encaminha para o fim da linha”. Ele lembrou que outros direitistas, como o ministro Gilmar Mendes e a Folha tucana, já tentaram destruir o seu blog e não conseguiram. “Não adianta”.

Já Luis Nassif argumentou que a ação tucana visa intimidar as empresas anunciantes. “O que Serra pretende é calar qualquer voz crítica em relação a ele, como usualmente faz com jornalistas da própria velha mídia”. “Que José Serra é a mais perfeita vocação de ditador que a política moderna conheceu ninguém dúvida. Ninguém escapa dos seus arreganhos totalitários”.

A verdadeira mídia "chapa branca"

A representação do PSDB, seguindo as ordens do truculento candidato tucano à prefeitura de São Paulo, não tem qualquer consistência. Caso o PGE acate, ela será obrigada a investigar os mais de R$ 1 bilhão em publicidade anual do governo federal aos veículos da velha mídia, que servem para pagar os régios salários de vários blogueiros amestrados. Ela também precisará apurar as sinistras relações do governo tucano de São Paulo com a velha mídia – via subsídios, anúncios publicitários e compras de milhares de assinaturas.

Estes veículos e alguns de seus blogueiros raivosos é que são, de fato, financiados com dinheiro público, no pior estilo “chapa branca”. Há muito tempo eles fazem campanha da oposição demotucana, seja blindando seus crimes ou atacando seletivamente as forças de esquerda. Serra nutre sólidas relações com os barões da mídia, mas não tolera a crítica da blogosfera independente. Daí porque o PSDB investe contra os “blogs sujos”. O partido, cada vez mais à direita, quer censurá-los, num nítido atentado à liberdade de expressão.

Postado no Blog do Miro em 24/07/2012
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Obrigação de assistir à Globo


MANIPULAÇÃO


Kais Ismail*


Levei meus dois filhos pequenos para um passeio cultural: atravessar o Guaíba, de catamarã, uma vez que o caçula comentou que nunca havia andado de barco. Minha alegria foi por água abaixo quando embarcamos e nos deparamos com quatro telas imensas exibindo a programação da Globo, em volume alto. Era o Vídeo Show, e estavam a comentar sobre as brigas e baixarias de uma novela que é desapropriada para menores de 12 anos. O meu caçula tem quatro anos e não conseguiu tirar os olhos da tela, sem apreciar a beleza do rio e do passeio.

Devido ao incidente, pretendo lançar uma campanha (abaixo-assinado) e até procurar o Ministério Público para mudar essa prática nefasta, que acho ser possível e que venha a ter o apoio tanto do governo quanto da população.

Por que somos obrigados a assistir à TV Globo em repartições públicas?

Quem já não se indignou por ter sido obrigado a assistir à TV Globo enquanto aguardava o atendimento em alguma repartição pública?

Ter que aturar Ana Maria Braga dentro do prédio da Receita Federal, ou VALE “A PENA” VER DE NOVO em fila da Caixa Econômica Federal, ou Vídeo Show dentro de uma prefeitura, pode não ser ilegal, mas é imoral, pois pagamos A PENA por assistir a toda aquela chatice alienante.

De acordo com o art. 5, inc LXXIII da Constituição Federal, “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

É IMORAL o benefício que o governo federal (ou estadual, ou municipal, que também se utilizam dessa prática) concede à Rede Globo pela exclusividade de exibição de seus programas em repartições públicas. A audiência que os governos garantem à Rede Globo é indecorosa e antidemocrática, pois deveriam, então, exibir todos os canais de televisão. São milhões de espectadores. Sem dúvida alguma, dezenas de milhões.

A desculpa esfarrapada para que 99% dos aparelhos das repartições públicas estejam automaticamente sintonizadas na TV Globo é “por causa do sinal”. Ora, isso não nos convence há mais de 10 anos; pois, com o avanço tecnológico do setor das comunicações, em geral, e, especificamente, com a internet, aquilo que ainda existe de melhor (ou menos pior) pode e deveria ser oferecido.

Nosso tempo é valioso, e, enquanto somos obrigados a ficar parados, esperando atendimento, deveríamos ser contemplados com coisas que nos compensem a perda de tempo de espera; ou seja, pagar A PENA pelo que “se deve”, assistindo a programas educativos e verdadeiramente informativos, adequados ao ambiente, e não sendo obrigado a acompanhar reprises de cenas de baixaria de uma novela, na qual duas mulheres se esbofeteiam e se ameaçam de morte.

Provavelmente você, leitor, já assistiu à TV Globo dentro de uma repartição pública, mas já imaginou que, em cada canto desse enorme Brasil, há uma repartição pública com aparelho(s) ligado(s), exibindo a programação da Globo? Eu suponho que a soma de todos os aparelhos de tevê que existem dentro de repartições públicas chega a milhões. É fácil supor essa quantidade, se imaginarmos todas as repartições públicas do Brasil. Em cada canto deste país há uma repartição pública com um televisor ligado exibindo programas da TV Globo. Seja numa delegacia de polícia ou num hospital.

Em relação ao atual índice de audiência da Globo, quanto, dessa fatia nacional, os aparelhos de repartições públicas, oferecidos pelos governos, representam no contexto? Pra quanto iria o índice de audiência da Globo se o governo fosse justo e cortasse esse privilégio concedido por não sei quem?

Eu quero levar ao conhecimento do Ministério Público e solicitar que tomem as devidas providências. Mas, provavelmente, também no Ministério Público deve haver uma sala de espera com uma tv ligada na Globo.

*Kais Ismail. Publicitário. Texto publicado originalmente no site Agência Assaz Atroz.

Postado no blog Contraponto em 22/07/2012

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Professores em greve: “tremenda falta de Educação”




Tremenda falta de Educação

Por Décio Luís Semensatto Jr.Denilson Soares CordeiroMárcia Aparecida JacominiMarian Ávila de Lima e Dias e Virgínia Junqueira — docentes da Universidade Federal de São Paulo

“Nenhum teste de sociedade justa é tão claro e decisivo como a sua propensão em tributar para desenvolver e sustentar um forte sistema educacional para todos os seus cidadãos.” [John K. Galbraith, A sociedade justa: uma perspectiva humana, p.83]

Todos os que trabalham e se interessam pela construção da universidade pública universal, gratuita e de qualidade sabem que vivemos hoje sob uma política de desqualificação sistemática da atividade docente proveniente, por um lado, da opção política de manter um superávit primário com vistas ao pagamento dos juros da dívida pública e, por outro, da incompetência administrativa do governo para com os assuntos da educação.
Desde 2011, foram feitas insistentes propostas ao Ministério da Educação de revisão do plano de carreira dos docentes das Universidades Públicas Federais, de exigências de cumprimentos dos acordos e prazos para realização de obras de infraestrutura e de constituição de equipes de estudos e discussão para consolidar com qualidade  a expansão do ensino superior federal.

Todas as propostas foram invariavelmente desprezadas pelo governo, o que nos levou a instaurar, democraticamente, o processo de deflagração da greve nacional como meio de sensibilização e envolvimento de todos diante de tão emergencial situação. E, como vemos, a adesão é quase total: 56 das 59 universidades federais estão em greve. Docentes, estudantes e técnico administrativos já formam comitês unificados de reivindicação em quase todos os estados do Brasil. Para nós, a greve além de legítimo instrumento de mobilização e reivindicação, é importante ocasião de educação política, de organização das categorias envolvidas no trabalho universitário e de constituição de reflexão crítica coletiva sobre as relações entre educação, sociedade e políticas de Estado.

A greve representa hoje um regime de exceção dentro de outro. É, por isso, uma oportunidade para compreender a conformação que resulta na atual política educacional. A excepcionalidade que a greve instaura permite modificar o ponto de vista a partir do qual nos vemos em permanente atrelamento durante a vigência da chamada “normalidade”. Essa espécie de abalo permite que se ofereçam as condições para pensar de outro modo o curso dos acontecimentos, inclusive as forças que os determinam e as que resultam em consequências. E disso sobressai, inclusive, os sentidos políticos que erigem como “natural” o que na verdade é “escolha”, portanto, construção interessada e orientada por preferências e decisões, dentre outras, de natureza política.

Nosso problema (de todos) tem sido que essa construção do real se pauta por e se caracteriza como um estado de exceção permanente, e se constitui como o paradigma dominante para os governos na política contemporânea. Que outro motivo seria tão determinante do desrespeito sistemático dos direitos humanos em tão variadas e amplas esferas? Que outra razão explicaria que os seres humanos (quando não considerados como meros consumidores) têm se tornado um estorvo em muitos projetos, sejam mercantis, científicos ou políticos?

É disso que se está falando quando se torna “natural” passar a responsabilidade total pela carreira dos docentes, por exemplo, ao departamento financeiro da União. É disso que se trata quando vamos nos acostumando com a precariedade como dado “normal” na Educação brasileira. É contra isso que nos manifestamos quando mudamos o rumo dos acontecimentos instaurando um processo democrático, social e político de reflexão sobre uma ordem que gera incessantemente descalabros e aprofunda cada vez mais o que de pior se produziu em matéria de política e de educação na história.

A circunstância que deixa pessoalmente muitos docentes indignados, seja pela carência ou inexistência de suas bibliotecas, de seus laboratórios, de suas salas de aula, das instalações, enfim, de seus campi constitui-se como um momento no sistema conjunto de uma cultura que desqualifica toda a Educação e, em particular, todo o trabalho docente, cultura na qual, segundo Adorno, “o professor se converte lenta, mas inexoravelmente, em vendedor de conhecimentos, despertando até compaixão por não conseguir aproveitar melhor seus conhecimentos em benefício de sua situação material.”

No entanto, isso deve servir para que cada um, individualmente, compreenda que para além das mazelas imediatas que nos cercam há questões de fundo a determinarem todas essas precariedades, e a ocasião da greve representa o momento oportuno de enxergamos um pouco mais adiante no sentido dessa radicalidade que poderá, se nos mantivermos unidos, constituir uma experiência engrandecedora de luta coletiva e um verdadeiro e inédito avanço das forças educacionais na ainda triste história deste país.

Nosso apelo, por isso, é no sentido de união, tanto dos docentes quanto de estudantes e técnicos administrativos, de ampliação e aprofundamento do debate, de estudo das propostas e das alternativas, de esclarecimento dos eixos de reivindicação e da consolidação dos canais que têm permitido a formação de uma atmosfera intelectual crítica de atenção para com os meandros decisórios que resultam nas políticas de Estado para a educação e para a universidade no Brasil.

Postado no blog Escrevinhador em 23/07/2012


Dias de chuva




Gosto dos dias de chuva...
Do cheiro da terra
Quando deságuam as primeiras nuvens...
Da dança das goteiras
Quando ultrapassam os beirais da casa.
Gosto das lembranças dos dias de chuva...
De correr de pés descalços na enxurrada,
Fechava os olhos sorrindo quando ouvia os trovões.
Depois, arremessava pedrinhas nas poças d’água
E inventava uma cachoeira...
Gosto dos dias de chuva...
Caindo mansa sobre o telhado
Como quem baila uma canção de amor.

(Sirlei L. Passolongo)


Postado no blog Cantinho da Margarida