Por Izaías Almada
Naquela que é, talvez, uma de suas peças mais estudadas, comentadas e encenadas, a tragédia de “Hamlet”, o dramaturgo William Shakespeare descreve em cena do Segundo Ato, a conversa entre Polônio, pai de Ofélia e o próprio protagonista, que caminha fingindo ler um livro. Perguntado sobre o que está lendo, Hamlet, no seu exercício de dissimulada loucura responde: “Palavras, palavras, palavras, nada mais que palavras…”.
Sem fingir loucura, mesmo porque ela parece se insinuar cada vez mais em cada esquina das cidades em que vivemos, nos parlamentos, na imprensa e nos tribunais de justiça, peço licença ao mestre inglês para usar a sua frase e com ela tentar configurar alguns indícios das pequenas tragédias dos nossos dias:
01 – O senador Demóstenes Torres faz um discurso para um plenário vazio de homens e de ideias: palavras, palavras, palavras…
02 – as convenções partidárias homologam seus candidatos de olho no butim: palavras, palavras, palavras…
03 – Constituída a CPI da Privataria Tucana e…: palavras, palavras, palavras… Nada mais que palavras…
04 – Revolta e resistência em sites, blogues e reuniões ao golpe que destituiu Lugo no Paraguai: palavras, palavras, palavras…
05 – Outro mundo é possível, ouve-se dizer há alguns anos: palavras, palavras, palavras…
06 – A CPMI Veja/Cachoeira/Demóstenes avança em perguntas e recua em alguns silêncios: palavras, palavras, palavras…
07 – Nova Lei de Meios no Brasil ganha grandes promessas e muitas gavetas: palavras, palavras, palavras…
08 – A tortura é crime imprescritível. A Comissão da Verdade não tem poder de punir, portanto: palavras, palavras, palavras…
09 – Por vezes o realismo político exige alianças espúrias… E daí? Palavras, palavras, palavras…
10 – Não há mais clima para golpes de estado no Brasil: palavras, palavras, palavras…
11 – Honduras, Colômbia, Chile, México, Paraguai: palavras, palavras, palavras…
12 – Precisamos mudar São Paulo: palavras, palavras, palavras…
13 – A Veja continua a mentir, A Folha continua a mentir, a Globo continua a mentir e nós não fazemos nada, ou melhor: palavras, palavras, palavras, nada mais que palavras…
14 – Eu escrevo esse artigo e leio outros artigos: palavras, palavras, palavras…
15 – Comentários nesse e em outros blogs, favoráveis ou contrários: palavras, palavras, palavras…
16 – Enquanto a direita age, a esquerda discute: palavras, palavras, palavras…
Fico com a sensação de que se o protesto digital substituir de vez o protesto das ruas, o capitalismo – seja ele selvagem ou civilizado, progressista ou conservador, ortodoxo ou heterodoxo – por pior que seja, ainda nadará de braçada por muitos e muitos anos.
“O resto”, ainda fazendo minhas as palavras de Hamlet, “o resto é silêncio…”.
Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros “Teatro de Arena, uma estética de resistência”, da Boitempo Editorial e “Venezuela, povo e Forças Armadas”, Editora Caros Amigos.
Postado no blog O Escrevinhador em 06/07/2012