Marcha das Vadias: Não encontrei uma só mulher correta entre elas
Ardilosa, traiçoeira, imperfeita, costela de Adão, estrada por onde adentrou o pecado. A menstruação? Castigo! As dores do parto? Castigo! O ser mulher está envolto em um misto de dor, vergonha e maldição. Existe uma prece matinal que diz: “Abençoado seja Deus, Rei do universo que não nos fez mulher”.
Alguns grupos de jovens de comunidades religiosas promoveram aqui em Porto Alegre, uma série de ações de repudio a Marcha das Vadias, colocando que as mulheres não são vadias e sim princesas delicadas de deus, que são mães honradas. Poucas pessoas sabem, mas frequentei a Igreja Católica até meus 17 anos. Fiz primeira comunhão, crisma, ia em grupo de oração, missa toda a semana e quando comecei a questionar algumas coisas fui colocada a parte… E que bom que fui colocada a parte!
Lembro que na minha adolescência havia um seminarista muito “promissor” na igreja e este acabou se apaixonando por uma amiga, saiu do seminário e começaram a namorar. No dia que a noticia veio a tona, me recordo que fiquei horrorizada, pois essa moça tinha “desviado” o garoto. Lembro-me das senhoras comentando como ela tinha feito a cabeça dele, como ela tinha seduzido, como ela tinha lançado de artimanhas para corromper o pobre rapaz. Ela não era uma mulher correta.
Marcha das Vadias de Porto Alegre/2012. Foto de Ana Rita Dutra.
A culpa é um conceito central quando pensamos nessa mulher legitimada pela patriarcado. Ela tem culpa por ter nascido mulher, ela tem culpa pelo desvio do comportamento masculino, ela tem culpa sobre o seu corpo, ela tem culpa até pela violência que ela sofre. Ela é naturalmente inacabada e imperfeita. E, essa imagem de imperfeição dá o toque para a forma como se encaminha sua vida. Ela tem a mente inferior, ela precisa de um homem para tomar conta dela.
Quando converso com as mulheres sobre a forma como foi o período inicial de sua vida adulta, estas, em sua grande maioria, ouviam com frequência que precisavam de um homem para controlar seas atos, para cuidar delas. Quando os namoros se prolongavam vinha a frase: mas quando ele vai te assumir? Não estou falando de conversas de 1960, falo aqui de conversas que acontecem em 2012.
Marcha das Vadias de Porto Alegre/2012. Foto de Ana Rita Dutra.
A Marcha das Vadias foi um dos assuntos mais comentados nos últimos dias, e trouxe consigo um questionamento sobre a culpa da mulher, sobre esses conjuntos de concepções machistas, patriarcais que culpabilizam a mulher até pela violência que ela sofre. A Marcha das Vadias não é uma manifestação pura e simplesmente sobre sexo, é uma ação sobre violência, sobre a liberdade de ir e vir da mulher, sobre o direito da mulher sobre seu corpo. Corpo dela, corpo único, corpo belo.
Quando vejo a sociedade se manifestando sobre a Marcha das vadias dizendo que: “Elas se vestem como vadias e depois não querem ser tratadas como uma”; vejo ser exposta a mais pura essência do machismo, a profunda raíz que divide as mulheres entre corretas, merecedoras do respeito, atenção e dedicação e as incorretas, as vadias, que podem ser humilhadas, agredidas, violadas, excluídas. Me inquieta a disseminação dessa frase, me inquieta que tantas pessoas não percebam a essência horrorosa, cruel, assassina que esta por de trás disso. Quer dizer que existe uma forma de tratar vadias? Quer dizer que temos o direito de violentar uma mulher porque ela usa saia curta, porque ela esta nua numa esquina? É isso?
Penso que, nas criações de meninos e meninas, reforçamos essa triste ideia. Reforçamos implicitamente que ela deve se comportar de tal forma, para não parecer uma vadia, pois se ela for uma vadia poderá ser agredida, e se isso acontecer? Não adianta chorar, ela que provocou. Castramos e retiramos das meninas toda e qualquer expressão que possa ter relação com a mínima sexualidade. Pois, a minima sexualização na mente inferior feminina pode culminar no nascimento de uma vadia, que um dia ainda vai envergonhar a família. Simone de Beavouir nos diz, na parte II do Segundo Sexo, como nos fala sobre a exaltação do pênis do menino e a anulação dos órgãos genitais da menina:
"A sorte da menina é muito diferente. Nem mães, nem amas tem reverência e ternura por suas partes genitais; não chamam a atenção para esse órgão secreto de que só o invólucro se vê e não se deixa tocar; em certo sentido, a menina não tem sexo. Não sente essa ausência como uma falha; seu corpo é evidentemente uma plenitude para ela, mas ela se acha situada no mundo de um modo diferente do menino e um conjunto de fatores pode transformar a seus olhos a diferença em inferioridade." (p.14)
Marcha das Vadias de Porto Alegre/2012. Foto de Ana Rita Dutra.
Essa mesma lógica que a Grande Simone de Beauvoir compartilha conosco em 1949, ainda está presente em 2012. Ainda está presente na idealização de uma mulher correta, uma mulher anulada totalmente de sua sexualidade. E, quando essa sexualidade existe ela deve ser vivenciada para o parceiro, dentro de uma relação fechada e que é aceita socialmente. Qualquer relação fora desta regra coloca a mulher como vadia e culpada por toda e qualquer violência que venha a sofrer.
Dia 27 de maio, aconteceu a Marcha das Vadias de Porto Alegre. Alguns veículos de comunicação estimam mais de 2 mil pessoas. Para algumas pessoas deve ter sido a maior quantidade de mulheres que merecem ser estupradas e são a vergonha da família por metro quadrado.
Marcha das Vadias de Porto Alegre/2012. Foto de Ana Rita Dutra
A organização do evento, em grande parte passando pelas redes sociais obteve uma grande resposta, uma resposta positiva. Na Marcha das Vadias do ano passado, creio que éramos menos de 100 mulheres. Lembro-me de ter ficado emocionada com a participação dessas pessoas levantando seus cartazes e dizendo: A culpa nunca é da vítima! Esse ano ocorreu a adesão de mais pessoas, e mesmo que se levante a questão de que algumas pessoas estavam ali sem estarem envolvidas realmente com a problemática, o que pude observar foi que a maioria dos participantes estavam engajados na luta pelo fim da violência contra a mulher, levantando suas bandeiras.
Entre tantos grupos que participaram do evento, destaco um grupo de mulheres defensoras do parto normal humanizado que participaram da Marcha com seus bebês no sling, trazendo cartazes lembrando que a violência obstétrica também é violência contra a mulher. Emocionou-me também as mulheres lésbicas, gritando bem alto: O amor não tem idade, sou lésbica na maturidade. Teve também um senhor, já de avançada idade, que acompanhou toda a Marcha e pedia para que alguns jovens o ajudassem com a bengala na hora em que todos gritavam: “Quem não pula é machista”. Este senhor estava lá querendo pular. Apoiando a luta por um mundo com muito mais liberdade, respeito e sem violência.
Não tenho como citar aqui todos os grupos que participaram, que se engajaram na realização da Marcha de Porto Alegre, mas posso colocar para o resto do Brasil que foi um momento muito importante, emocionante, onde o feminismo tomou as ruas e mostrou a sua força. Mostrou para que veio.
Não encontrei uma só mulher correta entre todas elas… Que bom! Que bom que o que é considerado incorreto em um sistema opressor, violador, esta tomando as ruas. E que cada vez mais possamos ressignificar palavras. Possamos agir e lutar para manter os direitos já conquistados e revindicar novos direitos.
Coloque mais feminismo no seu feminino!
Pesquisadora, educadora, especialista em Memória Social e Identidades Culturais Blogueira e feminista! Defensora dos direitos sexuais e reprodutivos, da liberdade religiosa, dos direitos das mulheres e meninas! Lutadora e sonhadora! Acredito sim num mundo melhor agora!!!
Postado no blog Blogueiras Feministas em 01/06/2012
Os Trapalhões
Ninguém acerta todas. Nem Lula. Jamais deveria ter se encontrado com Gilmar no escritório de Jobim. Todos saíram do episódio com suas imagens arranhadas porque, diante de tantas versões sobre o mesmo fato, a opinião pública enxerga sempre um sinal de que alguma coisa nesta história não fecha. Agora, depois de tudo, Gilmar joga o jogo que sabe. Jobim tenta livrar a cara dele e de seu PMDB. E Lula? Bom, ele ainda é o marechal da banda. A charge é do Berzé.
Postado no blog DoLadoDeLá em 31/05/2012
O risco de ser mulher: depois da lei Maria da Penha, Brasil ainda é o sétimo país em feminicídio
A violência contra a mulher atualmente se configura como nada menos do que um problema crônico no conjunto de relações sociais. Impregnada de uma herança histórica estruturada em torno do “pater familias” ou do “poder do pai”, que deu vazão a todo um modelo de sociedade patriarcal centrada no poder do homem, na sua supremacia, a sociedade atual ainda continua profundamente machista e regada por um preconceito ácido ou, algumas vezes, sutil, que não raro vem das próprias mulheres.
Mesmo com a evolução do movimento feminista ao longo dos anos e épocas, ser mulher ainda continua sendo tarefa de alto risco. Isso porque as conquistas trazidas com a Lei Maria da Penha deveriam evitar que os casos de violência contra a mulher aumentassem, mas eles ainda somam um número expressivo que não pode passar despercebido.
Um levantamento recente, feito com base em dados secundários, obtidos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) – ambos do Ministério da Saúde, colocou o Brasil na sétima posição em feminicídio, em um ranking de 84 países, e mostrou a permanência deste velho e delicado problema ao revelar que foram assassinadas, entre 1980 e 2010, 91.932 mulheres. Quase a metade dos casos, 43.486 mortes, ocorrendo apenas na última década.
Além disso, o levantamento confirmou uma realidade que atravessa historicamente a questão: a renovação da violência na figura do homem. Este apenas muda a sua função dentro da estrutura familiar. O agressor primeiro é o pai, depois converte-se no marido e, quando a mulher é mais velha, nos próprios filhos.
A impressão é de que se está em um emaranhado sem fim, onde silêncios, medo e sentimentos extremos que não raro passam pelo amor obsessivo ou até pela loucura escorrem por entre os pontos traumáticos da relação homem e mulher.
O desafio é grande para começar a alterar essa realidade, não só pelo seu peso histórico, como também pelo preconceito e falta de garantias que a mulher encontra para “assumir sua liberdade”. O preço de ser mulher e ser realmente livre, o que vai muito além de meras palavras, é alto, e é o Estado que deve responder por ele diminuindo aos poucos o seu custo por meio de sérias e efetivas políticas que começem a transferir o poder da figura do homem para a figura da mulher.
A mulher só terá coragem suficiente para dizer, se ela souber que cairá em terra firme. O que inclui o afastamento efetivo do homem que lhe inflige violência e o amparo material (como a posse da casa, por exemplo, guarda dos filhos, e todas as demais formas de independência financeira a serem garantidas pelo Estado). Enquanto o horizonte da liberdade para a mulher continuar sendo um sinuoso precipício, nada mudará.
Postado no blog Educação Política em 30/05/2012
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