O caso Xuxa e o marketing da desgraça


Juremir Machado da Silva


Xuxa abriu o coração no último domingo.
Contou que foi abusada sexualmente quando menina.
Só se fala disso.
Os especialistas garantem que a atitude dela ajudará no combate a esse tipo de crime.
Foi um dramalhão terrível.
De quebra, Xuxa alavancou a audiência do Fantástico, cada vez menos fantástica, e voltou ao palco.
A eterna chatinha andava em baixa.
A sua confissão não veio de nada. Foi calculada, estudada, planejada como uma boa estratégia de marketing.
A mídia deitou e rolou. Xuxa deu aos jornalistas a oportunidade de usar todos os clichês que mais adoram, da atitude corajosa ao abriu o coração usado por mim acima. Um carnaval de sentimentos, lágrimas, traumas e audiência.
Pensar que foi só marketing pode ser criticado como um olhar mesquinho.
Achar que foi só um surto de consciência remete certamente a um oceano de ingenuidade.
A lei maior do marketing é: quando nada mais surtir efeito, recorra a um drama pessoal.
Nada mais contudente do que uma celebridade, uma gata borralheira transformada em princesa, que revela os traumas mais íntimos, tristes, sórdidos, capazes de produzir identificação com qualquer um, qualquer mortal.
Eu pensava que Xuxa havia crescido em Santa Rosa.
Fiquei sabendo que, como Ronaldo Fenômeno, viveu mesmo foi no subúrbio carioca, em Bento Ribeiro.
De repente, Xuxa enfatizou seu lado classe C.
Será que até o abuso sexual depende agora do departamento de marketing para vir à luz.
Dilemas do mundo hipermoderno.




Postado no Blog Juremir Machado da Silva em 24/05/2012

Garfield descendo escada...






E na CPI...


No picadeiro da CPI


cara de paisagem. monet



Pô, ema! A triste vitória da gente que já não é gente...






(*) Cristiano Antunes Souza
Neste 22 de maio, em que celebramos o Dia Internacional da Biodiversidade, bebo da fonte de dois dos meus mais diletos mestres de poesia para falar sobre o tema. Porque mais do que reconhecer todas as formas de vida existentes como legítimas possuidoras da Terra, tal como nós, e a importância – óbvia – delas todas para nossa própria sobrevivência, as mensagens destes artistas me auxiliam a procurar viver sob uma outra perspectiva, para mais além da técnica e para mais perto do sonho de uma sociedade melhor.
Manoel de Barros, pantaneiro transmutador de palavras, sábio da língua dos musgos e dos passarinhos e douto em apreciação de insignificâncias, cedo me fez voltar a visada para respeitar o que é pouco, cultivar o que é menos, aceitar o que é diferente. Tudo o que é capaz de engravidar a manhã ou colocar arco-íris no olho das máquinas.
Dom Jaime Caetano Braun, payador missioneiro, xucro filósofo das paisagens vivas da pátria grande, que dilatou com seus versos-denúncias uma sabedoria nativa imorredoura, e que nos deixou sobre os encantos do início da primavera este clamor:
(…) E o homem, defronte a isso, até parece impossível… vai se tornando insensível, por força de algum feitiço… é um criminoso, um omisso, da forma mais inconsciente, gente, que já não é gente, buscando outra trajetória, depois da triste vitória, de matar o meio ambiente (…)
Pois agora, testemunhas desta crise civilizatória sem precedentes de nossa humanidade, onde o respeito à diferença e à diversidade de vidas se faz mais do que urgente, reparto essas linhas (que não são inéditas mas muito propícias), inspiradas na leitura destes dois gênios do nosso Brasil. E desejo que recobremos forças e esperanças para lutar por um outro mundo, ainda que pareça impossível, mesmo que pareça tão estranho quanto falar com animais.
Pô, ema!
- Pô, ema!
Viste a perdiz?
O bacurau, o quero-quero, a buraqueira…
Viste a tachã, a saíra, o biguá?
O tucano, a garça, a saracura…
Viste cisnes, gaviões, carcará?

- Pô, ema!
em tuas andanças,
que outro bicho de pena
tens visto nos campos pampeiros?
seriema, jacú, jaçanã?
quem tens visto nos banhadões,
no meio das corticeiras….
ratão, capivara, gambá?
e n’alguma beira de açude,
trançado n’os aguapé:
lontra, mão-pelada, jacaré?
- Pô, ema!
o que tu me conta:
tatú? veado? tamanduá?
perdidos nos baita potreiros
onde verdeja o alecrim…
o que tu acha, campeira!
dos outros bichos que há…
de pêlo, de couro ou de cheiro,
tens visto, por aí, assim?
- Pô, ema!
se pudesses ver nos meus rios…
no meio das muitas marrecas,
bem na época do dourado,
surgir um pato-bagual!
- Pô, Ema, se tu visses…
de dentro destes matagais,
gatos, sorros, bugios!
serpentes, rãs, pererecas…
urutau, bicho-pau, arlequim!
- Pô, ema!
será que o homem não vê?
em meio a duas orquídeas,
no alto do figueirão,
escondido na barba-de-pau!
um filhote de forneira…
clamando por mais compreensão!
Poema de “pô, ema’s!”
viventes da nossa pampa,
ocupando tantos lugares,
diversos e todos parentes…
quem sabe não fica a semente
ou ovo – destes teus versos,
p’ra educar toda gente!

Recado da natureza…
rima livre, singeleza…
quem sabe não fica a semente?
(*) Biólogo
Postado no blog RS Urgente em 22/05/2012

1964: Golpe Militar a serviço do Golpe de Classe




Fotos entre os anos de 1964 - 1975 
Ditadores e os que os apoiaram 
Leonardo Boff


O objeto da Comissão da Verdade deve, sim, tratar dos crimes e dos desaparecimentos perpetrados pelos agentes do Estado ditatorial. É sua tarefa precípua e estatutária. Mas não pode se reduzir a estes fatos. Há o risco de os juízos serem pontuais. Precisa-se analisar o contexto maior que permite entender a lógica da violência estatal e que explica a sistemática produção de vítimas. Mais ainda, deixar claro o trauma nacional que significou viver sob suspeitas, denúncias, espionagem e medo paralisador.


Neste sentido, vítimas não foram apenas os que sentiram em seus corpos e nas suas mentes a truculência dos agentes do Estado. Vítimas foram todos os cidadãos. Foi toda a nação brasileira. Para que a missão da Comissão da Verdade seja completa e satisfatória, caberia a ela fazer um juízo ético-político sobre todo o período do regime militar.

Importa assinalar claramente que o assalto ao poder foi um crime contra a constituição. 

Configurou uma ocupação violenta de todos os aparelhos de Estado para, a partir deles, montar uma ordem regida por atos institucionais, pela repressão e pelo estado de terror.

Bastava a suspeita de alguém ser subversivo para ser tratado como tal. Mesmo detidos e sequestrados por engano como inocentes camponeses, para logo serem seviciados e torturados. 

Muitos não resistiram e sua morte equivale a um assassinato. Não devemos deixar passar ao largo os esquecidos dos esquecidos que foram os 246 camponeses mortos ou desaparecidos entre 1964 e 1979.

O que os militares cometeram foi um crime lesa-pátria. Alegam que se tratava de uma guerra civil, um lado querendo impor o comunismo e o outro defendendo a ordem democrática. Esta alegação não se sustenta.

O comunismo nunca representou entre nós uma ameaça real. Na histeria do tempo da guerra-fria, todos os que queriam reformas na perspectiva dos historicamente condenados e ofendidos – as grandes maiorias operárias e camponesas– eram logo acusados de comunistas e de marxistas, mesmo que fossem bispos como o insuspeito Dom Helder Câmara. 

Contra eles não cabia apenas a vigilância, mas para muitos a perseguição, a prisão, o interrogatório aviltante, o pau-de-arara feroz, os afogamentos desesperadores. Os alegados "suicídios” camuflavam apenas o puro e simples assassinato. Em nome do combate ao perigo comunista, assumiu-se a prática comunista-estalinista da brutalização dos detidos. 

Em alguns casos se incorporou o método nazista de incinerar cadáveres, como admitiu o ex-agente do Dops de São Paulo, Cláudio Guerra.

O grande perigo para o Brasil sempre foi o capitalismo selvagem. Usando palavras de Capistrano de Abreu, nosso historiador mulato, "capou e recapou, sangrou e ressangrou” as grandes maiorias de nosso povo.

O Estado ditatorial militar, por mais obras que tenha realizado, fez regredir política e culturalmente o Brasil. 

Expulsou ou obrigou ao exílio nossas inteligências e nossos artistas mais brilhantes. Afogou lideranças políticas e ensejou o surgimento de súcubos que, oportunistas e destituídos de ética e de brasilidade, se venderam ao poder ditatorial em trocas benesses que vão de estações de rádio a canais de televisão.

Os que deram o golpe de Estado devem ser responsabilizados moralmente por esse crime coletivo contra o povo brasileiro.

Os militares já fora do poder garantiram sua impunidade e intangibilidade graças à forjada anistia geral e irrestrita para ambos os lados. Em nome deste status, resistem e fazem ameaças, como se tivessem algum poder de intervenção que, na verdade, é inexistente e vazio. A melhor resposta é o silêncio e o desdém nacional para a vergonha internacional deles.

Os militares que deram o golpe imaginam que foram eles os principais protagonistas desta façanha nada gloriosa. Na sua indigência analítica, mal suspeitam que foram, de fato, usados por forças muito maiores que as deles.

René Armand Dreifuss escreveu em 1980 sua tese de doutorado na Universidade de Glasgow com o título "1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe" (Vozes 1981). Trata-se de um livro com 814 páginas das quais 326 de documentos originais. Por estes documentos fica demonstrado: o que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar.

A partir dos anos 60 do século passado, se formou o complexo IPES/IBAD/GLC. Explico: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Grupo de Levantamento de Conjuntura (GLC). Compunham uma rede nacional que disseminava ideias golpistas, composta por grandes empresários multinacionais, nacionais, alguns generais, banqueiros, órgãos de imprensa, jornalistas, intelectuais, a maioria listados no livro de Dreifuss. O que os unificava, diz o autor, "eram suas relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado” (p.163) para que fosse funcional a seus interesses corporativos. O inspirador deste grupo era o General Golbery de Couto e Silva, que já em "1962 preparava um trabalho estratégico sobre o assalto ao poder” (p.186).

A conspiração, pois, estava em marcha há bastante tempo. Aproveitando-se da confusão política criada ao redor do presidente João Goulart, tido como o portador do projeto comunista, este grupo viu a ocasião apropriada para realizar seu projeto. Chamou os militares para darem o golpe e tomarem de assalto o Estado. Foi, portanto, um golpe da classe dominante, nacional e multinacional, usando o poder militar.

Conclui Dreifuss: "O ocorrido em 31 de março de 1964 não foi um mero golpe militar; foi um movimento civil-militar; o complexo IPES/IBAD e oficiais da ESG (Escola Superior de Guerra) organizaram a tomada do poder do aparelho de Estado” (p. 397). Especificamente, afirma: "A história do bloco de poder multinacional e associados começou a 1º de abril de 1964, quando os novos interesses realmente tornaram-se Estado, readequando o regime e o sistema político e reformulando a economia a serviço de seus objetivos” (p.489). Todo o aparato de controle e repressão era acionado em nome da Segurança Nacional que, na verdade, significava a Segurança do Capital.

Os militares inteligentes e nacionalistas de hoje deveriam dar-se conta de como foram usados por aquelas elites oligárquicas que não buscavam realizar os interesses gerais do Brasil; mas, sim, alimentar sua voracidade particular de acumulação, sob a proteção do regime autoritário dos militares.

A Comissão da Verdade prestaria esclarecedor serviço ao país se trouxesse à luz esta trama. Ela simplesmente cumpriria sua missão de ser Comissão da Verdade. Não apenas da verdade de fatos individualizados; mas, da verdade do fato maior da dominação de uma classe poderosa, nacional, associada à multinacional, para, sob a égide do poder discricionário dos militares, tranquilamente, realizar seus propósitos corporativos de acumulação. Isso nos custou 21 anos de privação da liberdade, muitos mortos e desaparecidos e de muito padecimento coletivo.



Leonardo Boff é teólogo, filósofo, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra e escritor.
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Postado no blog Brasil de Fato em 23/05/2012
Obs.: Trechos do texto grifados por mim. Fotos acima colocadas por mim.

Caso de racismo engavetado pelo casal Gurgel vem à tona


O caso do senador Demóstenes Torres não foi o único processo engavetado pelo casal Roberto Gurgel-Claudia Sampaio. Segundo Elio Gaspari, ambos também esconderam no fundo da gaveta um processo movido por um estudante negro contra um ministro do STJ

racismo gurgel stj ari pargendler
Foto: Ari Pargendler, ministro do STJ e acusado de racismo. Caso foi engavetado por Roberto Gurgel e Cláudia Sampaio
A Procuradoria-Geral tarda, e tarda
Em outubro de 2010 o estudante Marco Paulo dos Santos, um negro evangélico de 24 anos, era estagiário no Superior Tribunal de Justiça, foi à agência do Banco do Brasil que funciona no prédio e esperava sua vez para usar um terminal. Pela sua narrativa, havia um senhor operando a máquina e ele aguardava sua vez atrás da linha demarcatória. A certa altura, o cidadão voltou-se, dizendo: “Quer sair daqui?” Marco explicou-lhe que estava no lugar adequado, mas não convenceu: “Como eu não saí, ele se apresentou: ‘Sou Ari Pargendler, presidente do STJ, e você está demitido. Isso aqui para você acabou“. Pargendler teria puxado o crachá do rapaz para ver seu nome. Uma hora depois, Marco recebeu uma carta de demissão por ter cometido “falta gravíssima de respeito”.
Marco Paulo deu queixa na 5ª Delegacia da Polícia Civil, e uma testemunha corroborou sua versão. Pargendler, presidente do “Tribunal da Cidadania”, não se pronunciou. O processo contra o doutor por agressão moral foi remetido ao Supremo Tribunal Federal, sob sigilo. Felizmente, o ministro Celso de Mello tirou-o do segredo e remeteu os autos à Procuradoria-Geral da República, para que verificasse “a exata adequação típica dos fatos narrados neste procedimento penal”. No dia 17 de dezembro de 2010 o processo foi para as mãos da subprocuradora-geral Cláudia Sampaio Marques. Cadê?
Quando completou-se um ano de espera, Marco Paulo disse ao repórter Frederico Vasconcelos que “entregou o caso nas mãos de Deus”. Fez muito bem, porque, em condições normais, a Procuradoria teria cumprido sua tarefa em dois meses.
No dia 7 de março a doutora Sampaio Marques devolveu o processo e, a dia 14 de abril, ele foi redistribuído para o procurador-geral Roberto Gurgel, seu marido. Explicação? Nem pensar.
Eremildo é um idiota e, ao lembrar que a Operação Vegas ficou para com o doutor Gurgel durante quase três anos, convenceu-se de que não se deve falar do caso de Marco Paulo, pois isso é coisa de “pessoas que estão morrendo de medo do julgamento do mensalão”.
Elio Gaspari

Postado no blog Pragmatismo Político em 22/05/2012