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Aprendendo a falar como o William Bonner





Luiz Carlos Azenha



  A Maria Frô indicou o vídeo acima dizendo tratar-se de uma paródia à tentativa da Globo de pasteurizar a fala do brasileiro.

Não sei se é.

Mas, nos idos de 1980, como repórter iniciante da TV Bauru, afiliada da Globo, testemunhei o trabalho de Glorinha Beutenmüller, que nos ensinou a falar na TV. Na minha geração de repórteres fomos quase todos “alunos” da Glorinha.

Um trabalho competente o dela, que ia muito além do sotaque. Porém, era impensável falar o tradicional “porrrrrta” do interior paulista.

Havia, sim, uma padronização. Curiosamente, a norma não era o carioquês, mas o jeito de falar exibido ainda hoje no Jornal Nacional pelo William Bonner. Uma espécie de paulistanês.

Interpreto isso como extensão do papel que a Globo assumiu durante a ditadura militar, o de fazer a “integração nacional” através das antenas da Embratel e, posteriormente, via satélite. 

Os militares, afinal, morriam de medo de perder a Amazônia para estrangeiros. Criar um mercado nacional de consumo para as multinacionais que se instalavam no Brasil no período, em parceria com empresários brasileiros, foi outro dos objetivos aos quais o “padrão global” supostamente serviu.

O sucesso da TV Diário, no Ceará, é demonstração de que o Brasil está pronto para romper com isso. 

Infelizmente, temos um mercado publicitário ainda muito concentrado, mas é possível prever um futuro em que as emissoras afiliadas busquem mais e mais independência em relação às redes, para atender à demanda por programação local. 

Quando isso acontecer, o padrão global do sotaque único tende a ruir, comido pelas bordas.


Postado no blog Contraponto Pig e no blog Viomundo em 28/11/2013


O Brasil na TV



Fico a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?

(*) Publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de fevereiro de 2012.


O Brasil que se vê na TV está restrito ao Rio e à São Paulo, salvo raras exceções. Exibem-se nas novelas e nos telejornais, lindas paisagens e graves problemas urbanos dessas metrópoles para todo o país. 

Fico a me perguntar o que interessa ao morador de Belém o congestionamento da Marginal do Tietê, exaustivamente mostrado pelas redes nacionais de TV? Não haveria fatos locais muito mais importantes para a vida dos telespectadores do Pará do que as mazelas da capital paulista?

No entanto, o conteúdo que vai ao ar não é determinado pelos interesses ou necessidades do telespectador e sim pela lógica comercial. Para o empresário de TV local é mais barato e mais lucrativo reproduzir o que a rede nacional de televisão transmite, inserindo alguns comerciais da região, do que contratar profissionais para produzir seus próprios programas. 

Para as grandes redes trata-se de uma economia de escala: com um custo fixo de produção, o lucro cresce à medida em que os anúncios são veiculados num número crescente de cidades. 

Isso ocorre porque como qualquer outra atividade comercial a lógica do capital é a da concentração, regra da qual a televisão, movida pela propaganda, não escapa. Só que a TV não é, ou não deveria ser, apenas um negócio como outro qualquer. 

Por transmitir valores, idéias, concepções de mundo e de vida, ela é também um bem cultural e não uma simples mercadoria. Dai a necessidade de ser regulamentada e ter os seus serviços acompanhados de perto pela sociedade.

Como concessões públicas, as emissoras têm obrigação de prestar esses serviços de maneira satisfatória, atendendo às necessidades básicas de informação e entretenimento a que todos tem direito. Caso contrário, caberiam reclamações, processos e punições, como ocorre em quase todas as grandes democracias do mundo.

Aqui, além de não existirem órgãos reguladores capazes receber as demandas do público e dar a elas os devidos encaminhamentos, não temos uma legislação capaz de sustentar esse processo. Por aqui vale tudo.

E quem perde é a sociedade, empobrecida culturalmente por uma televisão que a trata com desprezo. Diretores de emissoras chegam a dizer, preconceituosamente, que “dão ao povo o que o povo quer”.

Um caso emblemático da falta que faz essa legislação é o da produção e veiculação de programas regionais. Se o mercado concentra a atividade televisiva no eixo Rio-São Paulo, cabe a lei desconcentrá-lo, como determina artigo 221 da Constituição, até hoje não regulamentado. 

Sua tramitação é seguidamente bloqueada no Congresso por parlamentares que representam os interesses dos donos das emissoras de TV.

Em 1991 a então deputada Jandira Feghali apresentou um projeto de lei estabelecendo percentuais de exibição obrigatórios para produção regional de TV no Brasil. Doze anos depois, em 2003, após várias concessões feitas para atender aos interesses dos empresários, o texto foi aprovado na Câmara e seguiu para o Senado, onde dorme um sono esplendido até hoje. 

São mais de vinte anos perdidos não apenas para o telespectador, impossibilitado de ver o que ocorre na sua cidade e região. Perdemos também a oportunidade de abrir novos mercados de trabalho para produtores, jornalistas, diretores, atores e tantos outros profissionais obrigados a deixar suas cidades em busca de oportunidades limitadas nos grandes centros.

Mas se os interesses empresariais das emissoras bloqueiam esse florescimento artístico e cultural, as novas tecnologias estão abrindo brechas nessas barreiras. O barateamento e a diminuição dos equipamentos de captação de imagens impulsionaram o vídeo popular e a internet vem sendo um canal excelente de divulgação desses trabalhos. 

Combina-se a vontade e a capacidade de fazer televisão fora das emissoras tradicionais com a necessidade do público de acompanhar aquilo que acontece perto de sua casa ou de sua cidade. 

O que não descarta a necessidade da existência de programação regional nas grandes emissoras, como forma de tornar o Brasil um pouco mais conhecido pelos próprios brasileiros.

Por um Natal sem neve na TV


Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:


A televisão no Brasil não dita apenas hábitos, costumes e valores, mas também o ritmo de vida da maioria da população. Nos dias úteis com seus horários para “donas de casa”, crianças e adultos e nos fins de semana com uma programação diferenciada, supostamente mais adaptada ao lazer. A TV organiza também as comemorações das efemérides ao longo do ano, das quais o ponto alto é o Natal. Com muita antecedência saltam da tela canções da época e muita propaganda, criando clima para o “espírito natalino”.

As crianças são o alvo principal. Se já são bombardeadas com apelos de compra o ano todo, no Natal a pressão cresce. Apresentadoras joviais e alegres conquistam a confiança dos pequenos telespectadores com seus dotes artísticos para, em seguida, atraí-los para as compras, no mais das vezes, desnecessárias. Da classe média para cima é comum ver crianças com brinquedos pouco ou nada usados, comprados apenas como resposta aos apelos publicitários.

Mas a TV não está só na casa de quem pode comprar. Hoje ela é um bem universalizado no Brasil, advindo daí a sensação de exclusão sofrida por crianças cujas famílias estão impossibilitadas de satisfazer seus desejos. Esse desconforto resulta da crença de que o consumo é um valor em si, substituto da cidadania. Só é cidadão quem consome. 

“O que singulariza a grande corporação da mídia é que ela realiza limpidamente a metamorfose da mercadoria em ideologia, do mercado em democracia, do consumismo em cidadania”, diz o professor Octávio Ianni em “Príncipe eletrônico”, artigo que se tornou referência para a discussão do papel político da comunicação nas sociedade modernas.

No Natal, a metamorfose atinge seu auge e segue até a virada do ano. As mercadorias ganham vida na TV e estão à disposição para satisfazer todos os desejos, o mercado oferece democraticamente a todos os mesmos produtos e, ao consumi-los, exerceríamos nossos direitos de cidadãos. São falácias muito bem embaladas em luz, cores e sons sedutores. As regras do jogo são essas. Quem mantém as TVs comerciais são os anunciantes. Apesar disso, as emissoras poderiam ter um pouco mais de criatividade. Não há Natal na TV brasileira sem a milésima reprise do filme Esqueceram de Mim, com neve em quase todas as cenas, ou sem o indefectível “especial”, sempre com o mesmo cantor.

Nem o jornalismo escapa, com colagens em forma de clipes usadas à exaustão mais para reviver sustos já sofridos pelo telespectador do que para informar. Em determinado ano, que pode ser qualquer um, o apresentador famoso abria a resenha na principal rede de TV exclamando: “Um ano de arrepiar em todo o planeta. Incêndios, terremotos, furacões”. E dá-lhe imagens espetaculares, que de notícia pouco têm.

Podia ser diferente? Claro que sim. Poderíamos ter na TV um Natal mais brasileiro e um final de ano criativo (com a publicidade mais controlada). Realizadores não faltam, o que falta são oportunidades para mostrar seus trabalhos. Mais de 200 deles apresentaram pilotos de programas no Festival Internacional de Televisão, realizado em novembro no Rio. Não haveria ali gente capaz de tirar a televisão da rotina desta época?

Criatividade também não falta na produção audiovisual brasileira. Precisamos é de ousadia para mostrá-la ao público oferecendo bens culturais capazes de enriquecê-lo espiritualmente. Ou como dizia um diretor da BBC, a melhor TV do mundo: “Temos a obrigação de despertar o público para ideias e gostos culturais menos familiares, ampliando mentes e horizontes, e talvez desafiando suposições existentes acerca da vida, da moralidade e da sociedade. A televisão pode, também, elevar a qualidade de vida do telespectador, em vez de meramente puxá-lo para o rotineiro”.

Belo desafio, não? Feliz Natal.



Postado por Miro no Blog do Miro em 20/12/2011