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Tirando tatu em público



Por Ian Ramil (*)

Ando com vontade de dizer algumas coisas e resolvi fazer isso sem nenhuma elegância ou parcimônia:
1) Aquele tatu até era bonitinho, mas nem de longe era patrimônio público (como muito imbecil ta dizendo por aí). Aquele tatu era na verdade uma propaganda gigante da Coca-Cola num espaço público (pra quem não se deu conta, tinha a marca estampada no peito dele). Pois então, algumas pessoas pensam que o espaço público é do povo, que publicidade maquiada é errado e nocivo pra sociedade e resolveram, no calor do protesto, que usariam o tatu como símbolo desse repúdio.
2) Tu não acha que as empresas muitas vezes são nefastas nas suas ações e que a relação delas com políticos, partidos, campanhas políticas, governos etc. é um tanto quanto questionável? Não acha estranho uma corporação com interesse puro em lucro-custe-o-que-custar ter relação próxima com um governo (que tem o papel de falar por nós) e influenciar nas decisões que deveriam ser em prol do povo e não pra servir a interesses empresariais? Acha essa prática saudável?
3) Se tu pensou um pouco sobre essa dicotomia público/privado e chegou a conclusão de que, nesses acordos com os governos: empresas têm direito de ocupar espaços destinados à população da maneira como bem entenderem; manifestações populares em lugares públicos podem ficar restritas a autorizações prévias e serem reféns das vontades de corporações; acha normal empresas apoiarem com milhares de reais a campanha de um político e depois, caso ele seja eleito, esperarem receber (e receberem) “favores” da administração; acha certo que, pra organização de megaeventos, empresas e governos, unidos, tirem pessoas pobres de suas casas e as deixem ao léu, as joguem na periferia da zona do evento pra maquiar aos olhos do mundo a real situação do país. Se tu acha isso tudo correto, pode parar de ler por aqui. Tu é provavelmente o tipo de pessoa que engole qualquer lixo midiático e se orgulha da própria boçalidade, ou alguém que se favorece com esse tipo de política e caga pro bem-estar das pessoas. Tu é o tipo de ignorante que acredita que a segurança vem só da polícia, das grades e da repressão e não da educação e igualdade do povo.
4) Já tu que se permitiu repensar a postura que a mídia sorrateiramente desenhou em ti e vislumbrou que talvez algumas coisas “normais“ estejam erradas, experimenta prestar atenção à tua volta e vê se para de deixar a propaganda penetrar teu subconsciente o tempo todo. Para de aceitar tudo que te enfiam goela abaixo. Não é só porque o governo fez ou porque tu ta acostumado com alguma coisa que essa coisa deve ser tomada por normal. Essa publicidade massiva é sufocante e se tu não assimila a violência e o engodo disso, tu te acostuma a viver enterrado na ilusão de liberdade que o sistema te faz acreditar.
5) (Ok, eu sei, existem muitas outras coisas erradas, como a fome, a desigualdade social, a violência, os sistemas ruins de saúde e educação públicas, os maus tratos de animais, a corrupção, o sinal da Tim, o preço da gasolina, o tráfico de drogas, etc. É uma lista infinita. E, te digo, esse individualismo capitalista, que to criticando, ta no cerne de cada item dessa lista.
6) O papo de “vai lutar por alguma coisa útil“ é o argumento mais estúpido que alguém pode dar. [Se nessa altura tu ta pensando isso, é porque deveria ter seguido meu conselho e parado de ler no parágrafo 3]. Nada te incomoda? Pois é, tu pode mudar isso. Isso me incomoda e por isso to aqui esbravejando essas palavras. Os problemas e as soluções estão todos interligados: toda inconformação avistada deve ser considerada e deve ser alvo de reflexão. Saca o clássico “uma coisa leva a outra“? É exatamente isso.
7) Outro argumento bem estúpido que vi muito é: “ah, então tu ta aí sentado na tua casa, tomando Coca, usando Adidas e protestando pelo teu Mac contra as empresas“ – Amigão, não é um protesto contra as empresas. É sobre essa associação obscura de administração pública e corporações, da qual já falei bastante, caso tu não tenha percebido. Mas, sim, deixar de comprar, ou diminuir a compra de produtos de quem fomenta essas relações é bem coerente).
8) O protesto no Largo Glênio Peres se tornou uma presa fácil pra manipulação usual da mídia convencional. (Vi manipulação pelo lado de alguns manifestantes também, diga-se de passagem.) Agora a grande maioria da população não faz ideia de qual era o propósito e sequer sabe que era um protesto. No início, até achei que não deveriam ter atacado o tatu ali naquela hora, mas, depois, pensando um pouco, concluí que o ataque foi positivo sim, que, desse jeito, pelo menos as pessoas ficaram sabendo que algo aconteceu. (Porque se não houvesse enfrentamento, se fosse só cantoria e dança na frente da prefeitura, não haveria cobertura da mídia e o grosso do povo não saberia de absolutamente nada). É importante mexer com o cotidiano das pessoas. Quem usar o cérebro vai refletir um pouco e tentar entender o porquê de cerca de 500 pessoas se juntarem e destruirem um tatu inflável gigante – não vai simplesmente engolir o maniqueísmo dos jornais e acreditar que foi puro vandalismo, vai procurar se informar pra construir as próprias conclusões. E, além disso, quem administra essa nossa província-capital percebeu que tem gente ativa e bem descontente com o rumo das escolhas políticas. Percebeu que há resistência. (Questões simples pra entender a distorção da lógica administrativa na cidade/estado/país: Por que 19 PMs e mais de 20 Guardas Municipais assistindo uma manifestação por 7h e na hora do tumulto mais de 60 PMs defendendo com tanta veemência o boneco de uma empresa privada? As outras áreas da cidade tavam tão bem protegidas quanto o tatu da Coca?).
9) Uma das críticas que vi por aí é parcialmente correta: uma parte daquele grupo de manifestantes tava mesmo cagando pro propósito do protesto e, sim, é verdade, tinha gente que só queria tocar o puteiro e quebrar placas, portas de papelaria, agredir pessoas e destruir tudo mais que visse pela frente, ou seja, esses podem ser chamados de “vândalos”, como muitos estão fazendo. Outros simplesmente perderam o controle com o tumulto e agiram sem pensar. Agora, presta atenção: não se pode generalizar um grupo aberto e uma causa sem líderes definidos por uma pequena parte. Como qualquer grupo, esse tinha sua parcela de imbecis. Mas pode ter certeza que era absoluta minoria.
10) Pouquíssimos agrediram policiais (na verdade, não vi ninguém fazer nada além jogar copos plásticos e latinhas, xingar ou empurrar algum deles pra que parassem de espancar alguém caído no chão. Sei que algum idiota jogou uma pedra e machucou de verdade um policial porque um brigadiano me contou quando eu voltava pra casa e conversei com 5 deles num posto), bom, poucos manifestantes agrediram policiais (em reação a agressões prévias, é bom deixar claro), alguns atacaram o objeto gigante de plástico, outros tantos filmaram ou fotografaram, a maioria gritou e quase todos correram. Não importava o que estivesse fazendo, quem passasse perto de um PM apanhava.
11) A PM mostrou um sadismo assustador (uns 90% deles, pra não generalizar) pra lidar com uma situação daquele tipo e enfiou a porrada em todo mundo: desde o imbecil que jogou um paralelepipedo numa viatura (vi o parabrisa quebrado), até uma guria que tava pacificamente filmando a barbárie (vi ao vivo, a 30m de onde estava), ou um azarado que passava ali, no caminho do trabalho pra casa (me contaram depois). Eu tive sorte e não apanhei (só inalei um pouco do gás de uma bomba), mas muitos amigos meus tomaram pancada e tiro de borracha e se machucaram feio. Nada justifica essa violência policial, absolutamente nada além da covardia, do despreparo e do devaneio de poder que um cassetete e uma farda proporcionam. (E essa vai pra quem argumenta que “vagabundo tem que apanhar”: – primeiro, já era pra tu ter parado de ler esse texto no parágrafo 3 e, segundo, tu é tão idiota que não consegue entender a função social da polícia num estado democrático como dizem que o nosso é. Aposto que tu vai mudar de opinião se um dia a polícia espancar o teu filho ou a tua mãe). A polícia tem que ter técnica pra lidar com qualquer caso. Numa situação dessa, de protesto popular, que rendam as pessoas que acharem que devem render e então levem pra DP, sem violência. A polícia não tem o direito de se descontrolar. Esse direito é do povo, que não é treinado e não anda armado.
12) Te peço um favor, como teu compatriota interdependente: Presta mais atenção, dá mais importância, seja mais exigente, questiona tudo que parece normal e procura dar crédito pras manifestações populares. São elas que historicamente mudam as coisas pra melhor e, sim, elas sempre começam com poucos ”malucos/ vândalos/ vagabundos“.
(*) Ian Ramil é músico e compositor.
Postado no blog RS Urgente em 12/10/2012
Trecho grifado por mim

Está tudo invertido no mundo



Cristina Rodrigues

Já tinha até desistido de escrever um post específico sobre a privatização de espaços públicos em Porto Alegre, já que abordei um pouco do tema aqui e aqui. Mas os acontecimentos de ontem à noite, que somam a política privatista da Prefeitura com a truculência da Brigada Militar (do governo do estado), me deram comichão, e aqui vão alguns comentários…

Pra começar, essa história está errada desde o princípio. A agressão de ontem aos manifestantes que derrubaram o boneco da Coca-Cola foi só o cúmulo do negócio. Um absurdo total, mas que é consequência da escolha anterior.

Ao leitor que não é daqui, explico… Porto Alegre tem, na frente do Mercado PÚBLICO, um largo (que leva o nome de um jornalista das antigas, Glênio Peres) com características históricas da nossa colonização açoriana, como o piso de paralelepípedos. Várias coisas aconteciam ali, de característica popular. Era um espaço de manifestações do povo, de comícios de partidos e de atividades que incentivam a economia solidária e a agricultura familiar, como feira de produtos. Sempre aconteceu ali uma tradicional feira de peixe às vésperas da Páscoa, por exemplo.

Recentemente, parte desse espaço público foi entregue à iniciativa privada, com a justificativa de que embelezaria a cidade. A Coca-Cola/Vonpar construiu um chafariz que tem 19 pontos de saída de água ao longo do largo e instalou um boneco inflável gigante com o tatu-bola que é símbolo da Copa do Mundo (outro negócio em que circula uma grana violenta que a gente não vê, mas isso fica pra outro dia). Algumas das manifestações que antes aconteciam continuam acontecendo normalmente, mas outras foram prejudicadas, sem falar no cartaz da Prefeitura, na entrada do prédio (ao lado do Mercado Público e do Glênio Peres), que leva o símbolo da Coca-Cola.

Aí chegamos a ontem. Nesta quinta-feira, dia 4 de outubro de 2012, um pessoal saiu ta frente da Prefeitura, em uma manifestação pacífica. O mote era a alegria e a defesa era a dos espaços públicos, como o Largo Glênio Peres e o também privatizado auditório Araújo Vianna (espaço de shows pertencente a Porto Alegre que foi concedido à Opus e agora cobra ingressos do nível de iniciativa privada, elitizando a cultura). Protegendo o boneco tinha, segundo reportagem do Sul21, mais de 20 guardas municipais, 19 policiais militares, quatro viaturas e três motos. Ainda assim, derrubaram o tatu. Como resposta, foram reprimidos violentamente. As fotos com o pessoal sujo de sangue impressionam.


E aí vem a triste constatação de que está tudo errado no mundo. A Prefeitura compra o discurso privatista e cede parte do patrimônio PÚBLICO à inciativa privada, prejudicando atos populares. A Brigada Militar, do governo estadual, reprime os manifestantes. Mas o problema vai muito além, está na sociedade. Critiquei a repressão aos manifestantes e vieram com o discurso classe-mediano me perguntar se eu gostaria que destruíssem meu carro. Discurso vazio de defesa da propriedade privada frente à vida. Não, se eu tivesse carro, não gostaria que o destruíssem. Mas esse carro não seria um patrimônio público que me tivesse sido entregue. E nunca, em hipótese alguma, eu defenderia que batessem na pessoa que destruiu um bem material.

Não concorda que destruam o boneco? Ok, aceito o argumento. Mas nada disso justificativa a agressão.

Acontece que as coisas estão na frente das pessoas, e isso não tem o menor sentido. Daqui a pouco vamos viver em um mundo só de coisas, sem pessoas. Ou com pessoas se odiando em nome de coisas. Um mundo de ódio, de extremos. Que mundo é esse, deus do céu? Eu sou contra a privatização porque defendo que o mundo é das pessoas, não das coisas. E que entregar o patrimônio que é de todos para muito poucos ajuda muito a colocar as coisas em primeiro lugar.

Um mundo que incentiva a intolerância é um mundo triste.

Contra esse mundo aí, porém, temos armas poderosas. Podemos usar o amor e a tolerância, em vez do ódio. Ainda acredito que vai funcionar.

Fotos: Ramiro Furquim (as duas primeiras) e André Ávila. Mais fotos aqui.

Postado no blog Somos Andando em 05/10/2012
Trecho grifado por mim


Porto Alegre - A prefeitura da Coca-Cola



Por Erick da Silva


A imagem acima, do prédio da Prefeitura de Porto Alegre, simboliza bem a relação da prefeitura com as empresas privadas. A apropriação dos espaços públicos pela iniciativa privada tem perigosamente se disseminado na cidade. Primeiramente com o prefeito Fogaça (PMDB) e agora com Fortunati (PDT), tem se adotado uma política de "parceria" com a iniciativa privada junto aos espaços públicos da cidade, cujos critérios e objetivos destas parcerias são no mínimo questionáveis e mostram uma incapacidade da própria prefeitura em manter os espaços públicos para a população.


O direito da população a sua cidade se enfraquece, na medida que marcas privadas passam a se apropriar dos espaços públicos, a lógica de mercantilização da cidade passa a prevalecer. A população fica ainda mais apartada dos rumos da cidade, o espaço público, como uma praça, logradouro ou o próprio prédio da prefeitura, tendo sua vinculação a Coca-Cola, por exemplo, passa a imagem de que aquele espaço, que outrora era da população, agora está vinculado aquela marca. 

A história daquele espaço, sua vinculação com seu povo, passa a ser secundário, é a marca da empresa que passa a prevalecer. O caráter público torna-se difuso e a noção de pertencimento e de uso daquele espaço público pela sua população se altera para uma relação de maior distanciamento.

O "direito à cidade", em Porto Alegre nunca esteve tão ameaçado. Como aponta David Harvey, o "'direito à cidade' não é simplesmente um direito de acesso ao que existe. É um direito de participar da construção e da reconstrução do tecido urbano, de formas mais condizentes com as necessidades da massa da população." É estabelecer uma dinâmica democrática sobre a própria concepção de cidade, o que não ocorre em Porto Alegre. 

A gestão dos espaços públicos tem perdido o seu caráter "público". Deixamos de ter uma relação entre a prefeitura e seus cidadão, o que temos é uma relação entre empresas e clientes e todos sabemos que está é uma relação onde o conjunto da população sempre acaba perdendo.

Postado no blog Aldeia Gaulesa em 03/08/2012 


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