Olho para os países onde morei nos últimos 4 anos e vejo que o RS não está nem um passo atrás em termos de democracia e participação.
Pelo contrário.
Bruna Santos (*)
O famigerado complexo de vira-latas brasileiro, diagnosticado por Nelson Rodrigues, tem sido recorrentemente citado ao longo das últimas semanas. Ele reflete a insegurança e descontentamento daqueles que repetem “só no Brasil mesmo” toda vez que se deparam com algum problema.
A percepção do brasileiro sobre a situação atual do país piorou significativamente desde que os protestos tomaram as ruas em junho do ano passado. A mensagem era clara: o brasileiro quer eficiência, integridade política e, acima de tudo, quer ser ouvido.
A iminência da Copa do Mundo nos jogou no meio de uma nuvem de insegurança coletiva em relação à percepção alheia sobre o Brasil, nesse caso, a percepção de nada menos do que o restante do mundo.
A fim de dar um empurrãozinho na disposição de alguns brasileiros a ver o copo meio cheio, proponho uma reflexão breve sobre democracia e participação.
Na última quinta-feira, “só no Brasil mesmo”, foi realizada a maior consulta pública da história da internet no país.
A Votação de Prioridades realizada pelo Gabinete Digital do Estado do Rio Grande do Sul encerrou as consultas com 255.751 votantes em três dias.
Com este resultado, o Rio Grande do Sul realizou a maior consulta pública da história da Internet no país e o maior processo de orçamento participativo digital do mundo.
Tudo isso foi monitorado de perto por pesquisadores do Banco Mundial que estavam no estado para conduzir uma série de experimentos relacionados à participação cidadã.
Comparação e competição
Como quem olha o pão com manteiga que tem na frente e compara com o carré de cordeiro na foto do Instagram do vizinho, o brasileiro complexado olha para fora e se deprime. (Não cabe a mim explicar o porquê).
Ele se deprime porque pensa que em Miami a vida é mais fácil; que em Nova Iorque tem emprego pra todo lado e que em Pequim tudo funciona, pois o governo é eficiente.
Aos que pensam assim, fica o meu depoimento. Há algum tempo vivo entre Brasil, China e Estados Unidos. Ser expatriada foi uma opção de vida. Não saí do Brasil por que o país não funciona. Saí por inquietação intelectual.
Manhattan connection às avessas - com parada na Praça da Paz Celestial
Olho para os países onde morei nos últimos 4 anos e vejo que o Rio Grande do Sul não está nem um passo atrás em termos de democracia e participação. Pelo contrário.
Nos EUA, desde a década de 1990 tem-se tentado reinventar o governo. David Osborne foi o idealizador dessa reforma na administração Bill Clinton. Nos últimos 8 anos, Nova Iorque também passou por uma transformação intensa na forma de pensar a intersecção entre políticas públicas e tecnologia.
Liderada pelo prefeito Bloomberg, a iniciativa de usar a tecnologia da informação a serviço dos cidadãos foi feita de maneira colaborativa. A prefeitura abriu seus dados e criou canais de participação para que a população inovasse criando soluções criativas para os problemas urbanos. Eu considero a experiência nova-iorquina admirável e replicável.
No entanto, a cidade ainda carece de iniciativas de participação popular eficazes.
Acredite, tendo Porto Alegre como exemplo, a esquina do mundo lançou apenas em 2012 seu modelo de orçamento participativo - 23 anos depois da implantação do OP em POA pelo então prefeito Olívio Dutra.
Depois da grande maçã, olhemos para a outra esquina do mundo: Pequim. Na China, se você não é filiado ao Partido Comunista Chinês (PCC), as suas chances de ser ouvido e de participar das decisões políticas do país são reduzidas a nada.
O chinês de classe média hoje tem acesso às grandes marcas internacionais, carros de luxo e etc, mas ainda está encerrado em um modelo não participativo de governo.
Lá vive-se era da informação, da velocidade, da internet e das redes sociais, mas ninguém pode usar o Google, a internet é censurada e os cidadãos leem com descrédito o que é dito na mídia local.
No mesmo 4 de junho que, no Rio Grande do Sul, comemorávamos o sucesso da participação popular na votação das prioridades, na China, o governo repetia, pela 25º vez, seu esforço anual para apagar da história os vestígios do massacre de estudantes que pediam democracia na praça de Tianamen.
Oportunidades
A era da informação, da internet, das redes sociais e dos dados abertos nos oferece a oportunidade única de reformular nossas instituições políticas.
O Rio Grande do Sul tem sido pioneiro nisso. Uma revolução na forma de fazer política é necessária. A desigualdade entre ricos e pobres é um abismo que os líderes mundiais passaram décadas tentando fechar. Mas, na realidade, a maioria dos cidadãos permanece insatisfeito com uma desigualdade diferente: a que existe entre os poderosos e os impotentes.
Mais uma vez, o Gabinete Digital deu poder à voz dos gaúchos. Elevou o volume dos que ainda falam baixo ou não são ouvidos.
Eu tenho orgulho disso e não vejo espaço para inseguranças e complexos, mas sim para avaliação crítica e construtiva. Melhoria, sugestões, participação e inovação. Que assim seja e que nossa voz nunca se cale. Os ouvidos dos poderosos estão abertos. Aproveitem!
(*) Bruna Santos é mestranda em Administração Pública na Universidade de Columbia, pesquisadora no projeto Public Management Innovation entre os Columbia Global Centers do Rio de Janeiro, Pequim e Mumbai e sócia-fundadora da empresa Ethos Intelligence, dedicada ao monitoramento e avaliação de projetos de impacto social. Contato: bsd2118@columbia.edu ::: b.santos.ri@gmail.com ::: LinkedIn.