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Por que você não deve assistir à nova novela hoje à noite
Logo mais à noite estreia a nova novela das 21h da Rede Globo, chamada Em Família. Este post é todo dedicado a explicar por que você não deve assistir ao capítulo desta segunda-feira.
Não vamos aqui argumentar que novela é “coisa de alienado, subproduto cultural, estratégia de dominação em massa” ou qualquer outro clichê do tipo. Acreditamos que novela é um produto de entretenimento como qualquer outro, que cumpre sua função tanto quanto música, artes plásticas, teatro, cinema etc.
Ainda assim, temos a proposta de que você não deve assistir a Em Família hoje à noite. Você sabe, o nome deste site é Mude e nós nos sentimos meio que na obrigação de propor alguns desafios de vez em quando icon smile Por que você não deve assistir à nova novela hoje à noite.
O primeiro motivo pelo qual você não deve ver a novela hoje é que você já a viu antes. É uma novela do Manoel Carlos. Então você sabe que em algum lugar do Leblon, ao som de Bossa Nova, formar-se-á um triângulo amoroso entre alguma mulher de classe média alta chamada Helena e mais dois galãs, provavelmente um vindo do passado.
Você sabe que a Helena vai comer o pão que o diabo amassou por alguns meses, vai ficar um tempo com um, um tempo com outro, e no final se arrumará com aquele com o qual o público mais simpatizar. Ao outro galã restará alguma outra mulher que ganhará importância durante a história.
É provável ainda que você veja o José Mayer pegando todas as mulheres do elenco, o Reinaldo Gianecchini fazendo aquela atuação de Reinaldo Gianecchini, empregadas domésticas como parte da família, o Paulo José enfrentando alguma doença como alcoolismo ou Parkinson e um ou outro casal homoafetivo para cumprir a cota obrigatória da Globo.
Você já viu essa história em Viver a Vida, Páginas da Vida, Mulheres Apaixonadas, Laços de Família, Por Amor, História de Amor etc. etc. etc.
Apesar de tudo, este não é o motivo principal para você não ver a novela. Nós gostamos de rever filmes, o cérebro parece relaxar ao acompanhar uma história previsível, traz uma sensação de conforto propícia para o fim de noite.
O principal motivo para você não assistir a Em Família é o custo de oportunidade.
O que você faria com 257 horas livres?
Uma novela das 21h na Globo tem, em média, 70 minutos de duração por noite. A que acabou na última sexta-feira contou com 221 capítulos.
Em uma conta simples, chegamos a 15.470 minutos de novela, ou um pouco mais que 257 horas.
O desafio que estamos propondo é que, somente dessa vez, você experimente substituir a já batida novela das 21h, com todas as suas previsíveis tramas, por alguma atividade em que você se sinta cheio de vida, com brilho nos olhos, com tesão em avançar.
Pense que você está nos últimos minutos da sua vida e começa a lembrar o que fez de bom.
Provavelmente virão à sua mente momentos especiais como quando você passou no vestibular, formou-se na faculdade, deu o primeiro beijo, saltou de paraquedas, teve um filho, andou de skate, tocou uma guitarra, viajou pelo mundo.
Dificilmente entre os seus grandes momentos na vida estarão as 221 noites que você ficou deitado no sofá vendo a novela.
Alternativas para a novela
Já podemos até ouvir a sua zona de conforto argumentando que a novela no final de noite é uma forma cômoda de terminar o dia, relaxar, desligar o cérebro e descansar para o dia seguinte.
Existem, no entanto, diversas outras maneiras de relaxar que você provavelmente nunca experimentou antes. E com seis ou sete meses, com 257 horas disponíveis, dá para você ficar craque em quase qualquer coisa.
Se você só quer ficar em casa, pode iniciar um curso de espanhol online, pode criar um site, pode escrever um livro, pode cultivar uma pequena horta, pode meditar, pode fazer yoga, poder ler mais de 20 livros.
Sem nem inventar muito e mantendo o mesmo padrão de sofá-televisão, você pode assistir a 221 filmes diferentes dos melhores diretores de cinema de todos os tempos!
Já se você quer viver a vida lá fora, pode aproveitar essas 257 horas livres para fazer passeios ciclísticos noturnos, para aprender a andar de skate, para visitar pontos turísticos da sua cidade que você nunca conheceu, para ir à casa de amigos e jogar jogos de tabuleiros, para fazer musculação, para praticar corrida noturna, para fazer um curso qualquer.
As possibilidades são imensas e aí é que está a graça da coisa: você estará fazendo algo novo, diferente, em vez de rever pela enésima vez a mesma estrutura de história da novela das 21h.
Você não tem nada a perder: se nada der certo, daqui a pouco vem outra novela com o mesmo padrão de história para você se entreter. Até essa mesmo que começa hoje em breve estará sendo reprisada no Vale a Pena Ver de Novo ou na TV por assinatura. Por que não experimentar algo diferente?
Por que é importante não ver o primeiro capítulo hoje
Os diretores vão caprichar hoje à noite para fisgar sua atenção.
Os primeiros capítulos da novela são feitos para fisgar o telespectador. Neles o autor aplica as suas melhores falas, prepara seus melhores ganchos. O diretor se esmera em fazer cenas perfeitas, que prendam a atenção do telespectador. Os atores são cobrados em dobro.
Se você assistir ao primeiro capítulo hoje à noite, começará a conhecer e a se afeiçoar aos personagens e aí será tarde demais. É feito para ser assim.
E, como você sabe, ao final do capítulo haverá um gancho que capture a sua curiosidade para que você assista ao capítulo de amanhã. E assim sucessivamente, durante 221 noites, nos próximos seis ou sete meses.
A pergunta é : daqui a sete meses, você, que está lendo este post, terá um monte de boas histórias e experiências de vida para contar e colocar entre os seus melhores momentos, ou terá apenas assistido a mais uma novela do Manoel Carlos, com a Helena, o Leblon e os clássicos da Bossa Nova?
Sou vários e às vezes todos estão no mesmo lugar. Aqui falo sobre meus projetos, noturnos, diurnos, andanças, leituras, música, tecnologia e claro muito papo furado.
NOTA
Então que tal "Brincar de Viver" com hora marcada !
Sempre às 21 horas até 22:20, mais ou menos, pelas próximas 257 horas...
(Rosa Maria - editora do blog)
Os descaminhos da telenovela
Rodolpho Motta Lima
Nada tenho, em princípio, contra a presença do gênero telenovela no cotidiano dos brasileiros. Afinal , ele constitui a versão atual dos folhetins do século XIX surgidos na França, narrativas literárias então publicadas em jornais e revistas, e que tinham como formato a apresentação parcial em série – os capítulos – e a agilidade do enredo, repleto de ação e com os chamados “ganchos”, destinados a prender a atenção dos leitores.
As nossas novelas são – ou deveriam ser – herdeiras de criações folhetinescas de ícones da literatura internacional como Flaubert, Balzac ou Victor Hugo ou de grandes expressões nacionais , como José de Alencar, Machado de Assis e outros.
A primeira obra em prosa do nosso Romantismo – “A Moreninha” – foi originalmente publicada em folhetim e constituiu estrondoso sucesso, mesmo em uma época em que o analfabetismo era majoritário entre nós. Muitos anos depois, foi Nelson Rodrigues quem se utilizou do gênero com espetacular êxito, que lhe valeu um séquito de leitores fiéis.
Assim, o interesse que as telenovelas hoje provocam é componente histórico da cultura nacional, não esquecidas , aqui, as criações radiofônicas que, antes da tevê, desde “O Direito de Nascer”, paralisavam o Brasil.
Já tivemos autores de excepcional valor dramatúrgico conduzindo as nossas novelas. Creio que o melhor foi o Dias Gomes, que, não por acaso, também se destacava no teatro e no cinema, com histórias que misturavam competentemente o tom folhetinesco, a criatividade e uma clara preocupação com os problemas sociais que nos afligiam.
Houve muitos momentos brilhantes e diversificados na novela brasileira. Seria enorme a lista. Lembro-me aqui de como “Beto Rockfeller” foi revolucionária, introduzindo a figura do anti-herói. Recordo-me da novela “Roque Santeiro”, proibida pelos homens do golpe militar e que só foi exibida 10 anos depois, com estrondoso aplauso do público. E não esqueço a beleza de “Pantanal”, que revolucionou a imagem e a temática das tele-histórias e atropelou o então consolidado monopólio global de audiência. Esses momentos maiores existiram e continuam a existir nos chamados “seriados”, infelizmente relegados a horários inacessíveis à população trabalhadora do país.
Não quero aqui, portanto, negar aos brasileiros o gosto pelas novelas, incorporadas ao seu dia a dia.
Mas tudo isso vem a propósito do “tom” que as últimas produções vêm assumindo, desde que as emissoras – a “Globo”, preponderantemente – resolveram dedicar-se à captação da erroneamente denominada “nova classe média”, com uma visão preconceituosa (típica de certas elites), que vê os menos favorecidos como um bando de pessoas a quem não se devem dar pérolas, mas farelos.
Parece que a ideia, agora, é reforçar, mais do que nunca, a baixaria, a vulgaridade, enchendo a noite de disputas pérfidas, barracos e baixarias de toda espécie voltadas para a obtenção da riqueza e do sexo como valores quase únicos, acima de todos os outros. Tudo isso com uma falsa dramaturgia que resolve um enredo capenga com personagens que estão sempre atrás das portas ou falando sozinhos.
É lamentável que grandes atores e atrizes – aqueles que fizeram história no país - aceitem participar disso.
Dos folhetins até hoje, é claro, muita coisa mudou. Que a função das telenovelas é distrair, entreter, não se discute. Nem se defende aqui o ultrapassado estilo “água com açúcar”, ou de falso moralismo. Mas a novela – pelo seu alcance - pode e deve ser, também, contribuir para o crescimento dos valores do cidadão.
Afinal, a educação de um povo passa por muitos agentes, entre eles a mídia.
Na atual novela das 9 da Globo, por exemplo, é difícil encontrar ali um personagem que represente um exemplo positivo.
São traições tratadas com vulgaridade, chantagens generalizadas, mães que estimulam as filhas ao “golpe do baú”, pai que sequestra filha, exploração melodramática e perversa de doenças como o câncer, discriminações disfarçadas de humor (a mulher gorda e virgem) e uma interminável série de situações negativas envolvendo falcatruas, que tem como móvel o dinheiro.
As mais pérfidas atitudes são atribuídas ao personagem mais “engraçado”, pois o mundo gay, como sempre, é apresentado como exótica fonte de riso...
Mas nada melhor que depoimentos insuspeitos de quem vê a coisa de dentro. A atriz Irene Ravache declarou recentemente (na coluna “Gente Boa”, do “Globo”) sobre as novelas: “Antes, as protagonistas eram heroínas, bons exemplos. Hoje, enfiam o pé na jaca. Sinto falta de algo mostrando que vale a pena ser honesto. Há uma certa leviandade, aquela coisa: Eu e minha filha temos um caso com o mesmo homem e termina tudo bem. Não termina, é horrível se acontece”.
Não me importa saber, aqui, se o público gosta ou não daquilo que lhe servem. Ele continuaria gostando se o nível subisse e ganharia na sua formação cultural e moral. E isso, no meu modo de ver, teria que ser cobrado das emissoras, que são concessões públicas e que se colocam por aí como hipócritas fiscais da “moralidade e dos bons costumes”.
Nosso patrimônio literário tem muita coisa a oferecer, muito a ser levado ao público, sob a forma de novelas, no lugar desse circo que afasta os brasileiros do seu acervo cultural e da identificação dos seus verdadeiros problemas.
Chama-se a isso, desde sempre, alienação. Uma alienação construída, a serviço de objetivos que envolvem a necessidade de inocular uma visão distorcida da realidade. A mesma visão que, hoje, se percebe em outras esferas da manipulação midiática. Pode-se argumentar que a coisa é bem feita. Pode ser. Eu prefiro dizer, já que citei Nelson Rodrigues, que estamos diante de uma falsa arte, “bonitinha mas ordinária”...
Postado no site Direto da Redação em 01/09/2013
Trechos do texto grifados por mim
Algumas novelas que assisti que mesclavam entretenimento, educação e cultura !
A moreninha - Globo
Senhora - Globo
A escrava Isaura - Globo
Sangue do meu sangue - SBT
Éramos seis - SBT
Pantanal - Manchete
O Cravo e a Rosa - Globo
Sinhá Moça - Globo
Escrito nas estrelas - Globo
Essas mulheres - Record
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