Mostrando postagens com marcador imigrantes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador imigrantes. Mostrar todas as postagens

Repita, Sofhie, repita mil vezes o que você escreveu ao Papa


sophie

Fernando Brito

Muitos devem ter visto ontem a menina Sophie Cruz, que entregou ao Papa Francisco uma carta sobre a situação dos imigrantes nos EUA.

Viram como o Papa a chamou, depois que ela venceu a grade que separava a multidão da pista por onde ele desfilava em carro aberto.

Devem ter lido, mas fui buscar o vídeo da Univision onde ela repete, bem decorado, o texto de sua carta.

Decorado, sim, mas muito bem esperta a menina, como se pode ver na matéria completa da repórter Maria Antonieta Collins, daquela emissora (o vídeo da entrevista de Sophie, aqui, já no ponto).

Já ouvi alguns imbecis dizendo que a garota apenas repete o que escreveram para ela, os mesmo imbecis que acham o máximo que os figurões leiam no teleprompter seus textos escritos por marqueteiros.

Garanto que iam achar “bonitinho” se Sophie cantasse do início ao fim uma música em inglês e imitasse alguma apresentadora de televisão.

Que repita, porque é verdade e é uma dura verdade que todos os que discriminam imigrantes deveriam ouvir.

Sophie tem razões para ter medo que deportem seus pais, que vivem e trabalham há dez anos nos EUA, como milhões de “chicanos”, forma depreciativa com que chamam aos mexicanos e, por extensão, aos latinos de pele morena que vão ajudar a fazer a riqueza americana.

Repita, Sophie, repita, repita até que o que você diz seja ouvido pela gente de coração frio.





Postado no Tijolaço em 24/09/2015

O mundo seria maravilhoso se houvesse mais empatia e amor . . .


Osama Abdul Mohsen, Zaid


Refugiado que foi agredido por jornalista recebe oferta de emprego na Espanha


No passado recente, o sírio Osama Abdul Mohsen – o refugiado que fugia da polícia húngara com o filho nos braços quando a jornalista o agrediu, fazendo com que caísse no chão com a criança.


A imagem, de triste lembrança, foi filmada por outros jornalistas e chegou até a Escola Nacional de Treinadores, que lhe ofereceu um trabalho em Getafe, Madri, e a oportunidade de residir na Espanha.

Na Síria, Osama trabalhou como técnico de futebol, chegando a treinar um time da elite do país. 

No presente – a foto do mesmo homem sorrindo para o mundo, acompanhado do seu filho menor, de 7 anos, quando ontem chegou à estação de Atocha. 

Abdul está muito feliz e agradecido ao país que o acolheu, onde pode começar uma nova vida. A mulher e o filho mais velho estão na Turquia e devem juntar-se em breve ao resto da família. 

Postado no Blue Bus





refugiado sírio jornalista húngara






O pato e a galinha : Europa colhe o que plantou no Oriente Médio e Norte da África


klp
Estação Keleti Pu, em Budapeste

Mauro Santayana

Embora não o admita – principalmente os países que participaram diretamente dessa sangrenta imbecilidade – a Europa de hoje, nunca antes sitiada por tantos estrangeiros, desde pelo menos os tempos da queda de Roma e das invasões bárbaras, não está colhendo mais do que plantou, ao secundar a política norte-americana de intervenção, no Oriente Médio e no Norte da África.

Não tivesse ajudado a invadir, destruir, vilipendiar, países como o Iraque, a Líbia, e a Síria; não tivesse equipado, com armas e veículos, por meio de suas agências de espionagem, os terroristas que deram origem ao Estado Islâmico, para que estes combatessem Kadafi e Bashar Al Assad, não tivesse ajudado a criar o gigantesco engodo da Primavera Árabe, prometendo paz, liberdade e prosperidade, a quem depois só se deu fome, destruição e guerra, estupros, doenças e morte, nas areias do deserto, entre as pedras das montanhas, no profundo e escuro túmulo das águas do Mediterrâneo, a Europa não estaria, agora, às voltas com a maior crise humanitária deste século, só comparável, na história recente, aos grandes deslocamentos humanos que ocorreram no fim da Segunda Guerra Mundial.

Lépidos e fagueiros, os Estados Unidos, os maiores responsáveis pela situação, sequer cogitam receber – e nisso deveriam estar sendo cobrados pelos europeus – parte das centenas de milhares de refugiados que criaram, com sua desastrada e estúpida doutrina de “guerra ao terror”, de substituir, paradoxalmente, governos estáveis por terroristas, inaugurada pelo “pequeno” Bush, depois do controvertido atentado às Torres Gêmeas.

Depois que os imigrantes forem distribuídos, e se incrustarem, em guetos, ou forem – ao menos parte deles – integrados, em longo e doloroso processo, que deverá durar décadas, aos países que os acolherem, a Europa nunca mais será a mesma.

Por enquanto, continuarão chegando à suas fronteiras, desembarcando em suas praias, invadindo seus trens, escalando suas montanhas, todas as semanas, milhares de pessoas, que, cavando buracos, e enfrentando jatos de água, cassetetes e gás lacrimogêneo, não tendo mais bagagem que o seu sangue e o seu futuro, reunidos nos corpos de seus filhos, irão cobrar seu quinhão de esperança e de destino, e a sua parte da primavera, de um continente privilegiado, que para chegar aonde chegou, fartou-se de explorar as mais variadas regiões do mundo.

É cedo para dizer quais serão as consequências do Grande Êxodo. Pessoalmente, vemos toda miscigenação como bem-vinda, uma injeção de sangue novo em um continente conservador, demograficamente moribundo, e envelhecido.

Mas é difícil acreditar que uma nova Europa homogênea, solidária, universal e próspera, emergirá no futuro de tudo isso, quando os novos imigrantes chegam em momento de grande ascensão da extrema-direita e do fascismo, e neonazistas cercam e incendeiam, latindo urros hitleristas, abrigos com mulheres e crianças.

Se, no lugar de seguir os EUA, em sua política imperial em países agora devastados, como a Líbia e a Síria, ou sob disfarçadas ditaduras, como o Egito, a Europa tivesse aplicado o que gastou em armas no Norte da África e em lugares como o Afeganistão, investindo em fábricas nesses mesmos países ou em linhas de crédito que pudessem gerar empregos para os africanos antes que eles precisassem se lançar, desesperadamente, à travessia do Mediterrâneo, apostando na paz e não na guerra, o velho continente não estaria enfrentando os problemas que encara agora, o mar que o banha ao sul não estaria coalhado de cadáveres, e não existiria o Estado Islâmico.

Que isso sirva de lição a uma União Europeia que insiste, por meio da OTAN e nos foros multilaterais, em continuar sendo tropa auxiliar dos EUA na guerra e na diplomacia, para que os mesmos erros que se cometeram ao sul, não se repitam ao Leste, com o estímulo a um conflito com a Rússia pela Ucrânia, que pode provocar um novo êxodo maciço em uma segunda frente migratória, que irá multiplicar os problemas, o caos e os desafios que está enfrentando agora.

As desventuras das autoridades europeias, e o caos humanitário que se instala em suas cidades, em lugares como a Estação Keleti Pu, em Budapeste, e a entrada do Eurotúnel, na França, mostram que a História não tolera equívocos, principalmente quando estes se baseiam no preconceito e na arrogância, cobrando rapidamente a fatura daqueles que os cometeram.

Galinha que acompanha pato acaba morrendo afogada.

É isso que Bruxelas e a UE precisam aprender com relação a Washington e aos EUA.


Postado no Viomundo em 04/09/2015


Quem arma ou tolera demônios, mata crianças



jafari




Fernando Brito

Não se publicou, neste blog, a foto do menino sírio morto na praia da Turquia por algum purismo, mas por um prurido pessoal.

Pude furtar-me ao dever jornalístico de mostrar a cena chocante não apenas porque a imagem já foi vista por todos – mostrada por quem sinceramente ajudou a chocar o mundo com aquela barbárie, seja quem o fez levado por certa morbidez.

Por isso, atendi a uma razão pessoal: já ajudei a vestir para o caixão um menino como aquele.

Aconteceu há quase vinte anos, e o que matou aquela criança não foram as águas, mas uma meningite que não se diagnosticou, o que pode ocorrer, e que foi tratada – ou não tratada – por um pseudo-profissional da medicina que, indiferente, não teve, ao menos, a humanidade de reter num hospital, numa noite de carnaval, uma criança doente, filha de mãe pobre e moradora nas lonjuras que, de volta para casa, só horas depois encontrou ajuda para voltar a buscar assistência, quando já era tarde demais.

Não importa muito o caso, do qual talvez apenas eu e seus pais – ele, servente de pedreiro; ela, caixa de uma padaria – nos lembremos.

Importa que uma criança morreu e uma criança morrer ofende a espécie humana.

Seja branquinho, como o menino da praia turca; seja aquele mulatinho, da Várzea das Moças, aqui em Niterói, sejam os negros do Sudão; sejam os palestinos, os haitianos, sejam os vietnamitas queimados pelo napalm, sejam de onde forem e como forem.

Não é justo que morram pela mão do mar, da doença, da fome, se fomos nós que os colocamos ao alcance destas mãos.

Não é aceitável que se permita à barbárie – que os interesses da geopolítica estimularam para destruir a Síria, ou para encher de conflitos o Sudão, ou para afundar no atraso o Haiti libertário, ou para cercar como bichos os palestinos – levar assim crianças à morte e não haja a indignação da comunidade mundial.

E não há, o provam as portas fechadas aos refugiados desta selvageria, como mostra em reportagem a BBC, com honrosas exceções, como a de nosso país..

Mas antes desta crueldade há outra, pior: a de alimentar fanáticos quando fanáticos podem servir aos propósitos de gente muito bem posta e poderosa.

É por isso que os integrantes do Estado Islâmico desfilam com armas poderosas e reluzentes 4 x4, novinhos.

É por isso que nazistas ucranianos desfilam suas suásticas.

É por isso que fascistóides, aqui, pedem golpe, morte, forca.

E é por isso que não pode haver indiferença diante do que é monstruoso.

Começa-se pregando a intervenção sobre a vida dos povos em nome da liberdade econômica (a humana vale tão pouco…), da “civilização” , da “guerra ao terror” e, logo, a pureza amanhece morta nas areias de uma praia.

Não foi o mar que matou aquele menino, como não matou o pobre guri que vesti para o túmulo, nem mata, mata, mata crianças em todo o mundo.

Somos nós, que não proclamamos seu direito de viver, o direito de todos viverem e aceitamos que se façam golpes, guerras, diásporas sob mil pretextos “razoáveis” e nenhum deles digno de valer a vida de um pequeno ser humano.


Postado no Tijolaço em 05/09/2015


Nota


Precisa dizer mais alguma coisa?


A sinistra poesia do balé da morte


CNj8CXpWEAAlt_M

Nesses mares revoltos nossa hipocrisia atingiu as águas mais profundas


Ricardo Soares

Em um planeta todos os dias bombardeado por milhões de imagens que vem de todos os lados fica difícil comentar as mais impactantes, ou mesmo refletir sobre elas, dada a velocidade com que nascem e morrem nos dias seguintes. Apesar disso, quero aqui puxar pela memória do leitor e comentar a imagem que mais me impressionou, sobre a mais recente onda de mortes de imigrantes nas águas do Mediterrâneo.

Não estou falando das imagens das muitas crianças mortas que chegaram afogadas à praia. com suas expressões entre a serenidade e a estupefação. Não estou falando dos restos de barcos toscos, de comida, de objetos que flutuam revelando serem inúteis partes desimportantes de vidas dadas como desimportantes. 

A imagem que mais me entristeceu e chocou na semana passada foi uma tomada de cima, onde uma dúzia de afogados formavam um círculo perfeito, boiando sobre as águas escuras do mar que os matou. Ao centro desse circulo, dois ou três objetos, como pontinhos de uma foto-pintura absolutamente surreal, que não seria imaginada nem na gótica mente de um Bosch contemporâneo. A sinistra poesia de um balé da morte.

O horror dessa foto paradoxalmente revela uma beleza macabra de composição, que atenua a nossa percepção do quanto aquilo é desumano, absurdo, impensável num mundo civilizado. E mais surreal ainda que esse amontoado de cadáveres em círculo de imigrantes afogados lembre tristemente as estrelas que se vêem na bandeira da União Européia.

Escrever sobre uma imagem amplamente difundida talvez seja inócuo ou dispensável. Muita gente viu. Mas não consigo pensar e nem escrever hoje sobre outra coisa diante da indiferença mundial diante dessa imagem de raro impacto poético. Imagem que representa uma indiferença abissal que temos diante desses milhares à deriva pelos mares do mundo, levados como peixe podre até as praias dos países tubarões, que, na verdade, fabricaram a secular tragédia do colonialismo, origem, ovo da serpente de toda essa tragédia que se dá na costa européia. 

São humanos como todos nós esses que perecem. Mas ao vê-los assim de cima, mortos à deriva, não se parecem com nada que seja humano. O desumano ao qual são submetidos os transforma em máscaras de horror, para as quais o cinismo do mundo “civilizado” não quer nem olhar. Nesses mares revoltos nossa hipocrisia atingiu as águas mais profundas.


Postado no Conti Outra em 01/09/2015