Flávio Bastos
Com o evento da internet que aproximou as pessoas de uma forma global, as redes sociais tornaram-se veículos da exposição pessoal e do culto às aparências, onde a intimidade, em muitas situações, é revelada de forma caótica ao expor uma realidade carente de valores.
Numa interação onde quase tudo é possível, o fantasioso e o ilusório avançam conquistando mentes e esvaziando um conteúdo resultante de conhecimentos adquiridos a respeito de si mesmo, do outrem e do mundo à sua volta.
Essa lacuna elaborativa sobre a experiência vivencial - ou existencial - a partir do eu, cede lugar ao ego desprovido da capacidade de reflexão sobre as lições e possíveis aprendizados que a vida costuma oferecer a todos nós.
Nesta lógica, o narcisismo encontra terreno fértil e progride ao eleger a aparência ou a idolatria do corpo como "top model" da vitrine vital, que esconde em seus bastidores, um eu fragilizado, carente de valores que promovem o self, a essência.
Absolutamente nada contra a vaidade, que quando controlada num patamar consciente, faz bem à autoestima, portanto, à saúde física, mental, sexual e espiritual.
O problema está na hipervalorização de si mesmo inserido no contexto vital repleto de situações reveladoras de fragilidades e limitações aptas a emergir à luz da consciência, mas que permanecem nas sombras da inconsciência pela sutil ação do mecanismo de autoboicote.
Quando privilegiamos as aparências, embora nossas "dores" continuem a incomodar internamente, é porque estamos desfocados de nós mesmos, à espera de que a ilusão nos conforte e alivie a sensação de sofrimento.
Desconhecemos que a ilusão e o sofrimento são energias psíquicas codependentes e inseparáveis. E quando estamos desfocados dos significados da vida, a dimensão da matéria nos envolve e nos consome, pois encontramo-nos desconectados da essência, ou seja, do simples, belo e verdadeiro que visualizamos ao trilhar o caminho do autoconhecimento.
Neste sentido, após as sessões regressivas de memória, tenho observado como certas pessoas ficam atônitas com as revelações sobre si mesmas. Muitas custam a elaborar que foram atrizes ou atores no palco da vida, isto é, que representaram no culto às aparências e desperdiçaram um tempo precioso por não terem assumido um eu mais verdadeiro, ligado à essência.
O culto às aparências é um exemplo do vazio de valores que pode tornar-se a vida, quando o que mais importa são as disputas que ocorrem nos bastidores da sociedade, que aponta quem é o mais rico, bonito ou charmoso. Situação que promove a alienação a um alto grau de risco para quem se dedica aos jogos da futilidade e da ilusão.
Na busca de valores que cultuam as aparências ou disseminam a competitividade "no quem tem mais" ou "é o mais bem vestido e poderoso da festa", perdemos valioso tempo e fechamos os olhos para o despertar de nossas consciências na procura da felicidade possível.
Portanto, buscar a verdade a partir de si mesmo, é a orientação que flui naturalmente no alvorecer do milênio em curso.
Basta, para isso, observarmos o confuso cenário nacional e internacional, onde a violência implícita e explícita chegou a um patamar alto. Realidade que vem despertando consciências no sentido do ser humano tornar-se um agente de mudanças num mundo em constante transformação.
"O Mito da Caverna", uma metáfora criada por Platão, é parte constituinte do livro VI de "A República" (obra em que o filósofo nos leva a refletir acerca dos princípios éticos, políticos, estéticos e jurídicos que seriam os pilares de uma sociedade ideal). A dicotomia realidade/aparência é o que veremos no texto "O Mito da Caverna e o Conhecimento que Liberta", de Tônia Amanda Paz dos Santos.
O senso comum é uma das formas de conhecimento primário do ser humano. Através de nossas experiências e tradições, buscamos elementos que expliquem a realidade. No entanto, é desejável que esta etapa seja superada, isto é, devemos desejar realizar a passagem gradativa do senso comum para um conhecimento mais racional, organizado e sistematizado, capaz de fornecer respostas cada vez mais elaboradas para os problemas cada vez mais complexos de nossa existência.
Quando nos acomodamos com as respostas prontas oferecidas pelo senso comum, alimentamos a nossa ignorância e acabamos correndo o risco de sermos facilmente iludidos e de nos tornar vítimas daqueles que detém o conhecimento e o utilizam como forma de submeter o outro.
É o que acontece com as ideologias, que tem o poder de nos fazer aceitar mesmo falsas verdades que vão ao encontro (contra) aos nossos próprios interesses.
Por outro lado, quando temos a coragem de sair da zona de conforto, representada pela caverna, com todas as suas sombras, isto é, com todas as percepções que fazemos da realidade, podemos nos sentir perplexos diante da constatação de nossa própria ignorância.
Por isso, a busca pelo conhecimento é, antes de tudo, uma atitude corajosa, afinal, quantos já não foram julgados e condenados por se negarem a sair de sua própria caverna?
Portanto, o desenvolvimento do pensamento crítico permite que adquiramos maior autonomia sobre decisões e atitudes tão necessárias em nossa interação com o mundo em que vivemos, ou seja, tornar-nos seres capazes de pensar por si próprios e não meros expectadores da vida.