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Fama, riqueza, cargo não estragam a pessoa, apenas derrubam máscaras




Fama, riqueza, sucesso, cargo, nenhum deles estraga a pessoa, apenas trazem à tona o que ela cultiva dentro de si, sob sorrisos falsos e gentilezas orquestradas.


Marcel Camargo

Não é de hoje que a gente assiste aos valores se distorcerem, inverterem-se, virarem de ponta cabeça. Todos sabemos que a ética deve pautar nossas ações e nossos comportamentos onde estivermos, porém, ao longo do caminho, muitas pessoas se perdem daquilo que aprenderam como o certo, na busca por aquilo que pensam serem focos de felicidade.

Conviver em sociedade requer que tenhamos algumas atitudes e comportamentos pensados e articulados previamente. Em muitos momentos, temos que agir não exatamente como gostaríamos, porque a situação assim o pede, porque, naquele contexto, é o correto a se fazer. Existem certas normas de conduta em determinados espaços públicos, no trabalho, ou seja, adequar a linguagem, a postura, o tom de voz, será necessário em vários setores de nossas vidas.

Da mesma forma, ao nos relacionarmos com as pessoas, já não se tratará somente de nós, mas outras vidas estarão envolvidas, outros pontos de vista, outros sentimentos enfim. Ou seja, ter essa consciência de que nossas ações atingem outros indivíduos e que olhar além de nós mesmos é um exercício diário nos tornará aptos a sermos empáticos, tolerantes e pacíficos, o que é uma carência universal nos dias de hoje.

Infelizmente, algumas pessoas não conseguem conviver com o outro, porque, para elas, o outro nem existe, o outro não é digno de ser notado, pois o que vale tão somente é o que elas pensam, querem, falam. Vivem em solilóquios, tapando os olhos e ouvidos ao que não lhes interessa. Apenas querem alcançar os próprios objetivos, a qualquer preço, custe o que custar. Não importam escrúpulos, sentimentos alheios, dores que não forem suas.

O pior é que essas pessoas, ainda assim, conseguem atuar e protagonizar personagens solidárias, simpáticas e agradáveis, junto àqueles que possam lhes oferecer o que querem. São capazes de enganar, de articular, de se aproximarem das pessoas que importam, com uma incrível habilidade teatral digna de prêmio. Mas, assim que alcançam os seus objetivos, mostram quem verdadeiramente são, deixando aquela plateia que os aplaudia atônita, incrédula, estupefata.

Por isso, quando dizem que fulano mudou muito depois que subiu na vida, saiba que não houve mudança alguma, apenas se fecharam as cortinas da peça. Fama, riqueza, sucesso, cargo, nenhum deles estraga a pessoa, apenas trazem à tona o que ela cultiva dentro de si, sob sorrisos falsos e gentilezas orquestradas. Corações bons não mudam de acordo com a oportunidade.




Fama, riqueza, cargo não estragam a pessoa, apenas derrubam máscaras




Fama, riqueza, sucesso, cargo, nenhum deles estraga a pessoa, apenas trazem à tona o que ela cultiva dentro de si, sob sorrisos falsos e gentilezas orquestradas.


Marcel Camargo

Não é de hoje que a gente assiste aos valores se distorcerem, inverterem-se, virarem de ponta cabeça. Todos sabemos que a ética deve pautar nossas ações e nossos comportamentos onde estivermos, porém, ao longo do caminho, muitas pessoas se perdem daquilo que aprenderam como o certo, na busca por aquilo que pensam serem focos de felicidade.

Conviver em sociedade requer que tenhamos algumas atitudes e comportamentos pensados e articulados previamente. Em muitos momentos, temos que agir não exatamente como gostaríamos, porque a situação assim o pede, porque, naquele contexto, é o correto a se fazer. Existem certas normas de conduta em determinados espaços públicos, no trabalho, ou seja, adequar a linguagem, a postura, o tom de voz, será necessário em vários setores de nossas vidas.

Empatia : está faltando, infelizmente . . .


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Moradoras do bairro mais caro da Paraíba pedem a vereadora que impeça deficientes de irem à praia


O grupo, formado por moradoras do bairro do Cabo Branco, área em que fica o metro quadrado mais caro da Paraíba, disse que o projeto que promove a ida de pessoas com deficiência à praia incomoda e retira a beleza natural do local porque ali moram muitas pessoas ilustres.

Na manhã de ontem, 21, a vereadora Helena Holanda, de João Pessoa (PB), foi procurada por um grupo de mulheres que moram no bairro do Cabo Branco, área em que se encontra o metro quadrado mais caro da Paraíba. Elas pediram que a vereadora impedisse ou restringisse a presença de pessoas com deficiência na orla da capital paraibana. Helena é incentivadora do projeto Acesso Cidadão, da prefeitura do município, que leva as pessoas com deficiência ao banho de mar e a esportes aquáticos todos os sábados no trecho em frente à Fundação Casa de José Américo.

Sobre o pedido das senhoras, Helena Holanda declarou: “Reclamaram do som, mas nós só ficamos lá até o meio-dia e também vieram reclamar, em tom de intimação, a mudar o projeto de lugar porque estava incomodando e retirando a beleza natural porque ali moram muitas pessoas ilustres, muitas pessoas de renome e que a praia teria que ter uma história diferenciada. Eu não respondi à altura porque são pessoas idosas e eu devo receber as demandas e executar se puder e achar necessário. Essa eu jamais executarei. Pelo contrário, o projeto vai permanecer lá e será ampliado”.

A vereadora ainda acrescentou que, diante de sua recusa em restringir o projeto Acesso Cidadão, as moradoras sugeriram que ela cercasse a área utilizada pelos usuários: “Fizeram um pedido repetitivo para cercar o local do projeto, que fosse isolada e colocassem um portão”.

Para quem não conhece, o projeto Acesso cidadão objetiva fazer com que pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida tenham a oportunidade de aproveitar o fim de semana para tomar um banho de mar. As atividades tiveram início em dezembro de 2012.

O projeto, que também prevê o acesso a jogos esportivos, lazer e cultura, é resultado de uma parceria da Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP), por meio da Secretaria de Planejamento (Seplan), com a Fundação Casa José Américo; a ONG Assessoria e Consultoria para Inclusão Social; e a Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência (Funad).






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Empatia

Priscilla Alcantara



Acredita em mim

Quando digo que provavelmente

Não irá viver sem chorar


Acredita em mim

Quando digo que, mesmo se o choro durar

A vida não vai parar


Gravei uma conversa

Em que uma voz disse uma coisa

Que procuro sempre lembrar


Veja o Sol

Mesmo com nuvens, escolheu aparecer

Então você

Mesmo sofrendo, tem que escolher crescer


Do mesmo lugar que você, eu vim

Como você, ao pó eu voltarei

Você é igual a mim

Então faça por mim

O que faria a você, ê, ê, ê, ê

O que faria a você, ê, ê, ê, ê


Acredita em mim

Quando digo que provavelmente

Não irá viver sem chorar


Acredita em mim

Quando digo que, mesmo se o choro durar

A vida não vai parar


Gravei uma conversa

Em que uma voz disse uma coisa

Que procuro sempre lembrar


Veja o Sol

Mesmo com nuvens, escolheu aparecer

Então você

Mesmo sofrendo, tem que escolher crescer


Do mesmo lugar que você, eu vim

Como você, ao pó eu voltarei

Você é igual a mim

Então faça por mim

O que faria a você (ê, ê, ê, ê)

(O que faria a você, ê, ê, ê, ê)



“ Em terra de egos, quem vê o outro é rei.”






Fomos dominados pela ditadura do ego, a qual não permite a conjugação dos verbos no plural. Sendo assim, existe apenas o eu, e, ainda, de forma superficial.



Erick Morais

Saramago já dizia: “ É dessa massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade.”

Embora, seja dura a observação do português, devemos considerar que, de fato, temos vivido de modo a fazer jus ao pensamento dele. A cegueira, que nos dominou nesta quadra da história, nos transformou em tiranos de nós mesmos, como se houvéssemos perdido a capacidade de perceber o que nos circunda, o mundo, os outros, e, muitas vezes, até nossa individualidade verdadeiramente.

Fomos dominados pela ditadura do ego, a qual não permite a conjugação dos verbos no plural. Sendo assim, existe apenas o eu, e, ainda, de forma superficial, uma vez que para que possamos compreender as nossas tormentas é preciso perceber que no mar bravo existem outros barcos além do nosso.

Não há, dessa forma, a percepção da humanidade que nos forma, isto é, a nós e aos outros, de modo que o outro se torna indigno da nossa visão, tornando-se invisível diante da nossa cegueira egoísta.

Dessa maneira, não conseguimos perceber/enxergar que, assim como nós, o outro também chora, sofre, sente a dureza da vida, precisa de um afago, de alguém que o escute e se esforce para compreendê-lo. Ou seja, que o outro também precisa de alguém que seja capaz de desvestir-se do próprio ego para mostrar a sua nudez, a sua fraqueza e, por conseguinte, demonstre que ainda há ouvidos dispostos a escutar e olhos lacrimejados incessantes por mais lágrimas.

Ao adequar-nos a uma sociedade sustentada no individualismo e no egoísmo, passamos a estar doentes, a nos tornar estranhos perambulando em labirintos. Passamos a cegar e, acima de tudo, passamos a tornar a vida um lugar ainda mais inóspito, um lugar mais duro, mais seco, no qual não se brota amor, já que para que este nasça é imprescindível a presença da divindade que só existe no pequeno espaço colocado entre duas almas que procuram incessantemente a conexão através do toque das palavras.

Calamos as palavras na medida em que escolhemos não enxergar o interlocutor. Palavras ditas para sombras só conhecem o eco melodicamente fugaz de palavras não ditas. Tornamos a alma muda, amedrontada e carente de ouvir, de ter atrito, de ter mais cores vindas de outros potes.

Estamos perdidos em um sonho ridículo. Perdidos em vidas vazias e solitárias. Perdidos dentro dos muros que construímos. Perdidos em nossas depressões, em nossas frustrações, em nossas ansiedades. Perdidos na solidão, embaixo do chuveiro enquanto a água cai estilhaçando o nosso corpo. Enquanto procuramos nos livrar por meio das lágrimas do imenso vazio egoísta que nos enfraquece. Enquanto procuramos nos livrar das dores silenciosas e do martírio oculto da nossa ruindade.

A vida sempre será dolorosa e a terra dura, mas não podemos viver escravizados por nossos egos, nos achando sempre autossuficientes, sentados em cima do próprio umbigo. Viver é muito mais do que isso, é poder ter a riqueza de construir pontes que ligam pessoas e tecer palavras poéticas que comunicam almas. É ter fome de amar, de abraçar, de ouvir. É reconhecer a fome no outro mesmo quando a barriga está cheia. É ir além da massa de ruindade e egoísmo que ruge forte em nós.

É nunca cegar ou nunca permitir que essa cegueira se instale e retire o que há de mais belo no mundo: o olhar profundo entre duas pessoas sintetizando a essência do que é divino, pois lembrando outra vez Saramago – “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara” – porque cabe a cada um de nós a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam e como disse certo poeta meu camarada, Tokinho Carvalho: “Em terra de egos, quem vê o outro é rei”.


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“ Mais do que máquinas precisamos de humanidade.”




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 Jackson César Buonocore


O sistema de valores orientados pelo egoísmo promove de modo agressivo, a tese do darwinismo social, uma visão que acredita na existência de grupos superiores, que se diferem física e intelectualmente, devendo governar a sociedade. Enquanto os outros menos capazes deixariam de existir, por serem inaptos de seguir a linha evolutiva da espécie humana.

Isso é uma leitura deturpada da teoria de Charles Darwin, usada para justificar que os egoístas apresentam quociente de inteligência elevada para dominar a ciência e comandar a sociedade. Essa concepção está formando uma geração de egoístas, indivíduos que têm apegos exagerados às coisas materiais, sem nenhuma preocupação com as necessidades alheias.

A soma de ações egoístas, alimentam a cultura do individualismo, que na interpretação psicanalítica de ego, é a priorização da razão narcísica sobre a razão dos demais. Além disso, essa cultura acredita que o seu modo de ter e ser – é o mais importante das raças humanas.

Mas essa é uma lógica reducionista, pois nós humanos temos a necessidade vital de pertencer a uma coletividade, anseios que remontam a nossa ancestralidade, como identificou o gênio Charlie Chaplin: “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido.”

Portanto, existe a esperança de vitória sobre a sociedade desumanizada na construção de uma sociedade mutualista, que se apóia nos valores da tradição humanista que – restauram à vida. Hoje esse lugar de bem-querer só é possível, graças as ações de pessoas altruístas que fazem o bem aos outros antes de pensar em si mesmas.

As pesquisas confirmam que pessoas – emocionalmente inteligentes – ajudam a melhor a vida das suas comunidades, demonstrando gestos verdadeiros de altruísmo e a capacidade de compreender as diferenças. São gente que gosta de gente, que escuta o sofrimento alheio e busca soluções para as necessidades do próximo.

O resultado disso chama-se solidariedade, uma palavra de origem francesa “solidarité”, que significa responsabilidade mútua e do latim “solidus”, que expressa algo firme, inteiro e sólido. Ou seja, que orienta a atuação dos cidadãos (as) de diversos setores sociais, que dão tudo de si para ajudar a reduzir a aflição das vítimas das catástrofes, da violência, da fome, das doenças, da drogadição, do desemparo social e econômico do Estado.

Enfim, apesar dos hediondos escândalos de corrupção e do mórbido egoísmo, temos muitas pessoas altruístas, que atuam de forma pacífica na construção de um mundo melhor, uma vez que elas são herdeiras de experiências, que datam de um sistema de valores da tradição psicoespiritual do Ocidente e do Oriente dos últimos 4000 anos.



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Altruísmo. Como abdicar do egoísmo e assumir uma existência cooperativa.





O que é o altruísmo? Dito de forma simples, é o desejo de que as outras pessoas sejam felizes. Como diz Matthieu Riccard, filósofo francês, escritor e fotógrafo, e monge budista de linha tibetana, o altruísmo é uma ótima lente para se tomar decisões, tanto no curto quanto no longo prazo, tanto no trabalho quanto na vida. Nesta palestra ele nos explica como e por que fazer com que ele seja o nosso guia.


Vídeo: TED Ideas Worth Spreading

Fotografias: Matthieu Riccard

Tradução: Viviane Ferraz Matos. Revisão: Andrea Mussap



Após estudos de bioquímica no Instituto Pasteur, em Paris, Matthieu Riccard deixou seu trabalho como pesquisador cientista e tomou o rumo dos Himalaias, onde se tornou monge budista. Seu objetivo: buscar a felicidade, tanto no nível humano básico quanto como objeto de investigação. Adquirir o estado de felicidade, acredita ele, requer o mesmo tipo de esforço e de treinamento da mente que qualquer outro projeto existencial sério acarreta.



O Dalai Lama (esquerda) e o monge budista e filósofo francês
 Matthieu Riccard


Suas profundas e cientificamente baseadas reflexões sobre a felicidade e o budismo foram explicadas em uma grande quantidade de livros dos quais é autor, incluindo o best-seller The Quantum and the Lotus: A Journey to the Frontiers Where Science and Buddhism Meet (O quantum e o lótus: Uma jornada às fronteiras onde ciência e budismo se encontram). Ao mesmo tempo, Matthieu Riccard produz magníficas fotografias do seu amado Tibete e da ermida espiritual onde ele vive e trabalha em diversos projetos humanitários.


Vídeo: Altruísmo, com Matthieu Riccard






Tradução integral da palestra:

Nós, humanos, temos um potencial extraordinário para o bem, mas também um imenso poder para fazer o mal. Qualquer instrumento pode ser usado para construir ou destruir. Tudo depende da nossa motivação. Por isso, é ainda mais importante promover uma motivação altruísta em vez de egoísta.

De fato, estamos enfrentando muitos desafios, atualmente. Poderiam ser desafios pessoais. Nossa mente pode ser nossa melhor amiga ou pior inimiga. Existem também desafios sociais: a pobreza em meio a abundância, desigualdades, conflitos, injustiça. E ainda há novos desafios inesperados. Há 10 mil anos, havia cerca de 5 milhões de seres humanos na Terra. Qualquer coisa que eles fizessem, a resiliência da Terra logo remediria a atividade humana. Após as Revoluções Industrial e Tecnológica, não é mais assim. Agora somos o principal agente de impacto na Terra.




Entramos no Antropoceno, a era dos seres humanos. Se disséssemos que precisamos continuar esse crescimento sem fim, esse uso ilimitado de recursos materiais, é como se este homem dissesse — e eu ouvi de um ex-chefe de Estado, não direi quem, dizer — “Há cinco anos, estávamos à beira do precipício. Hoje demos um grande passo adiante.” Portanto, esta fronteira é a mesma que os cientistas definiram como os limites planetários. E dentro desses limites, pode haver um grande número de fatores. Ainda podemos prosperar, a humanidade ainda pode prosperar por 150 mil anos se mantivermos a mesma estabilidade climática como no Holoceno, nos últimos 10 mil anos. Mas isso depende de escolhermos uma simplicidade voluntária, crescer qualitativamente, não quantitativamente.

Em 1900, como podem ver, estávamos bem dentro dos limites de segurança. No entanto, em 1950, veio a grande aceleração. Prendam a respiração, não muito, para imaginar o que vem depois. Agora, devastamos amplamente alguns dos limites planetários. Tomemos como exemplo a biodiversidade: no ritmo atual, até 2050, 30% das espécies terrestres terão desaparecido. Ainda que congelemos seu DNA, isso não será reversível. Por isso estou ali, sentado em frente a uma geleira de 7 mil metros, de 21 mil pés, no Butão. No Terceiro Polo (a cadeia dos Himalaias), 2 mil geleiras estão derretendo mais rápido que o Ártico.




O que podemos fazer nessa situação? Bem, por mais complexa que seja em termos políticos, econômicos, científicos, a questão do meio ambiente simplesmente se reduz a uma questão de altruísmo versus egoísmo. Sou marxista, da tendência Groucho. (Risos) Groucho Marx disse: “Por que devo me importar com as gerações futuras? O que já fizeram por mim?” (Risos) Infelizmente, ouvi o bilionário Steve Forbes, na Fox News, dizendo exatamente o mesmo, mas a sério. Contaram a ele da subida dos níveis dos oceanos, e ele disse: “Acho um absurdo mudar meu comportamento atual por algo que acontecerá em 100 anos”. Então se vocês não se importam com as gerações futuras, vão em frente.

Portanto, um dos maiores desafios atuais é conciliar três escalas de tempo: a economia a curto prazo, as altos e baixas do mercado de valores, o balanço de fim de ano; a qualidade de vida a médio prazo — o que é qualidade de vida em cada momento, a cada 10 anos, 20 anos? — e o meio ambiente a longo prazo. Quando ambientalistas falam com economistas, é como um diálogo esquizofrênico, completamente incoerente. Não falam a mesma língua. Agora, nos últimos dez anos, andei pelo mundo todo, encontrando economistas, cientistas, neurocientistas, ambientalistas, filósofos, pensadores no Himalaia e por todo lugar.




A mim, parece que só há um conceito que pode conciliar essas três escalas de tempo: simplesmente, ter mais consideração pelos outros. Ao ter mais consideração pelos outros, teremos uma economia solidária, em que as finanças estejam a serviço da sociedade e não a sociedade a serviço das finanças. Vocês não jogarão no cassino com os recursos que as pessoas confiaram a vocês. Se vocês têm mais consideração pelos outros, se assegurarão de remediar a desigualdade, de trazer algum tipo de bem-estar para a sociedade, para a educação e local de trabalho. Do contrário, se a nação for a mais poderosa e mais rica, mas todos são pobres, qual o sentido? E se temos mais consideração pelos outros, não prejudicaremos o planeta que temos; e no ritmo atual, não temos três planetas para continuar dessa maneira.

Por isso a pergunta é: tudo bem, o altruísmo é a resposta, isso não é novidade, mas pode ser uma solução real, pragmática? E primeiro, ele existe, o verdadeiro altruísmo, ou somos egoístas demais? Alguns filósofos pensavam que éramos irremediavelmente egoístas. Mas somos realmente todos sacanas? Isso é uma boa notícia, não é? Muitos filósofos, como Hobbes, falaram isso. Mas nem todos parecem sacanas. Ou o homem é como um lobo para o homem? Este cara não parece tão mal. É um dos meus amigos do Tibete. É muito gentil. Agora, nós adoramos cooperação. Não há prazer maior do que trabalhar juntos, certo? E não só os humanos. Então, claro, há a luta pela vida, a sobrevivência do mais apto, o darwinismo social. Mas na evolução, a cooperação — embora a competição exista, claro — a cooperação deve ser bem mais criativa para ir a níveis altos de complexidade. Somos supercooperadores e deveríamos ir mais além.




E agora, no topo disso, a qualidade das relações humanas. A OCDE fez uma pesquisa com dez fatores, incluindo a renda, tudo. O primeiro que as pessoas disseram ser o principal para sua felicidade é a qualidade das relações sociais. Não só dos humanos. Vejam essas bisavós. E a ideia de que se nos aprofundamos em nosso interior, somos irremediavelmente egoístas, isto é ciência fajuta. Não há nenhum estudo sociológico, nem psicológico, que tenha mostrado isso. Ao contrário. Meu amigo, Daniel Batson, passou a vida toda pondo pessoas no laboratório em situações muito complexas. Claro, às vezes somos egoístas, e algumas pessoas mais do que outras. Mas ele descobriu que sistematicamente, independente de tudo, há um número significativo de pessoas que se comportam de maneira altruísta, independentemente de tudo. Se você vê alguém profundamente ferido, sofrendo muito, você pode querer ajudá-lo por angústia empática — você não pode suportar, então é melhor ajudar que continuar olhando essa pessoa. Testamos isso e, ao final, ele diz que claramente podemos ser altruístas. Essa é uma boa notícia. E ainda mais, devemos olhar a banalidade da bondade. Vejam isto. Ao sairmos não diremos: “Isso é tão agradável! Não houve brigas enquanto essa multidão pensava em altruísmo”. Não, isso é esperado, não é? Se houvesse uma briga, falaríamos nisso durante meses. Portanto, a banalidade da bondade é algo que não chama a atenção, mas ela existe!




Vejamos isto. Alguns psicólogos disseram, quando contei que dirijo 140 projetos humanitários no Himalaia, que isso me dá tanta alegria, disseram: “Ah, entendo, você trabalha pelo prazer. Isso não é altruísmo. Simplesmente você se sente bem”. Pensam que este cara, ao saltar na frente do trem, pensou: “Vou me sentir ótimo quando isto acabar”? (Risos) Mas isso não é tudo. Quando o entrevistaram ele disse: “Não tive escolha, tinha que saltar, claro”. Não tinha escolha. Comportamento automático. Não é egoísta nem altruísta. Não teve escolha? Bem, pressupõe-se, esse cara não ia pensar por meia hora: “Deveria dar a mão a ele? Não dar a mão?” Ele o faz. Há escolha, mas é óbvia, imediata. E então, também ali, ele teve uma opção. (Risos)

Há pessoas que tiveram opção, como o pastor André Trocmé e sua esposa, e todo o povo de Le Chambon-sur-Lignon, na França. Em toda a Segunda Guerra Mundial, eles salvaram 3.500 judeus, deram refúgio a eles, levaram todos para a Suíça, contra toda a dificuldade, arriscando suas vidas e as de suas famílias. Portanto, o altruísmo existe.

O que é altruísmo? É o desejo de que o outro seja feliz e encontre a causa da felicidade. A empatia é a ressonância afetiva ou a ressonância cognitiva que nos diz: essa pessoa está feliz, essa pessoa sofre. Mas a empatia por si só não é suficiente. Se você se confronta sempre com o sofrimento, pode sentir angústia empática, estresse, por isso você precisa de um âmbito maior de bondade. Com Tania Singer do Instituto Max Planck, em Leipzig, demonstramos que as redes cerebrais da empatia e da bondade são diferentes. É tudo muito bem feito, então temos isso da evolução, do cuidado materno, do amor dos pais, mas temos que estender isso. Isso pode estender-se inclusive a outras espécies.




Se queremos uma sociedade mais altruísta, precisamos de duas coisas: mudança individual e mudança social. É possível a mudança individual? Dois mil anos de estudo contemplativo disseram que sim, que é possível. E 15 anos de colaboração com a neurociência e a epigenética disseram que sim, que nosso cérebro muda quando se treina o altruísmo. Passei 120 horas numa máquina de ressonância magnética. Essa foi a primeira vez, por duas horas e meia. O resultado foi publicado em muitos trabalhos científicos. Mostra, sem dúvidas, que há uma mudança estrutural e funcional no cérebro, quando se treina o amor altruísta. Só para vocês terem uma ideia: aqui está o meditador em repouso, à esquerda, fazendo meditação de compaixão, vemos toda a atividade, e o grupo de controle em repouso, nada aconteceu, em meditação, nada aconteceu. Eles não foram treinados.

Então são necessárias 50 mil horas de meditação? Não. Quatro semanas, 20 minutos por dia de meditação afetiva, consciente, já gera uma mudança estrutural no cérebro, comparado ao grupo controle. Apenas 20 minutos ao dia, por 4 semanas.




Mesmo com crianças de pré-escola. Richard Davidson fez isso em Madison. Um programa de oito semanas: gratidão, gentileza, cooperação, respiração. Podem dizer: “São só crianças da pré-escola”. Vejam após oito semanas, o comportamento pró-social, nessa linha azul. E a seguir o último teste científico, o teste do adesivo. Antes, você determina para cada criança quem é o melhor amigo da classe, o menos favorito, o desconhecido, e uma criança doente, e eles têm que dar os adesivos. Antes da intervenção, eles dão a maioria dos adesivos para o melhor amigo. Crianças de 4, 5 anos, 20 minutos, 3 vezes por semana. Depois da intervenção, mais nenhuma discriminação: o mesmo número de adesivos ao melhor amigo e à criança menos favorita. Isso é algo que devíamos fazer em todas as escolas do mundo.

Para onde vamos a partir daí?

Quando o Dalai Lama soube, disse a Richard Davidson: “Vá a 10 escolas, 100 escolas, à ONU, ao mundo todo”.

E, para onde vamos a partir daí? A mudança individual é possível. Temos que esperar por um gene altruísta na raça humana? Isso levará 50 mil anos, demais para o meio ambiente. Felizmente, existe a evolução da cultura. As culturas, como especialistas mostram, mudam mais rápido que os genes. Essa é a boa notícia. O comportamento relacionado à guerra mudou drasticamente com o tempo. A mudança individual e cultural se moldam mutuamente, e sim, podemos alcançar uma sociedade mais altruísta.




Para onde vamos a partir daí? Eu voltarei ao Oriente. Agora tratamos 100 mil pacientes ao ano em nossos projetos. Temos 25 mil crianças na escola, 4% a mais. Algumas pessoas dizem: “Isso funciona na prática, mas funciona na teoria?” Sempre há o desvio positivo. Então também voltarei à minha ermida para encontrar os recursos internos para servir melhor aos outros.

Mas a nível mais global, o que podemos fazer? Precisamos de três coisas. Aumentar a cooperação: aprendizagem cooperativa na escola, em vez de aprendizagem competitiva; cooperação incondicional dentro das empresas, pode existir certa competição entre empresas, mas não dentro delas. Precisamos de harmonia sustentável. Adoro esse termo! Nada de crescimento sustentável. Harmonia sustentável significa que agora reduziremos a desigualdade. No futuro, faremos mais com menos, continuaremos crescendo qualitativamente, não quantitativamente. Precisamos da economia solidária. O Homo economicus não pode lidar com a pobreza em meio a abundância, não pode lidar com o problema do bem comum da atmosfera, dos oceanos. Precisamos da economia solidária. Se um diz que a economia deve ser compassiva, dizem: “Não é trabalho nosso.” Mas se você diz que eles não se importam, isso é mal visto. Precisamos de compromisso local, e responsabilidade global. Precisamos estender o altruísmo ao outro 1,6 milhão de espécies. Os seres sencientes são cocidadãos neste mundo. E temos que nos atrever ao altruísmo.

Portanto, vida longa à revolução altruísta! Viva a revolução do altruísmo!

Obrigado.



Postado em Brasil 247 em 08/12/2017



Egoísmo . . . A raiz de todos os males



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Individualismo, a aceitação do outro e a condição humana





Rafael de Paula Aguiar Araújo

Tenho pensado um bocado sobre a forma como temos construído nossos projetos de vida e escolhido nossas ações. Uma série de ideias e algumas situações vividas recentemente me levaram a pensar essas coisas que gostaria de compartilhar aqui. Sempre tenho comigo que a rede social possa servir para levar uma nova perspectiva a alguém, quem sabe essas palavras não disparem reflexões?

Na semana passada, durante uma aula, conversávamos sobre dois conceitos de Max Weber, a ética da responsabilidade, que aponta para ações coletivistas, e a ética da convicção, que aponta para ações individualistas. E falávamos da forma como o universo tecnológico ampliou nosso isolamento. Ao mesmo tempo em que fiquei ruminando essas ideias, dando forma à relação que guardam entre si, olhava para os absurdos que estamos presenciando a nossa volta. 

A cada dia vemos exemplos de intolerância, que resultam de posicionamentos austeros, convictos. Será que esse movimento tem a ver apenas com o despreparo político, ou com enfrentamentos ideológicos, ou terá a ver com escolhas pessoais, que se voltam ao miúdo do dia a dia, aos nossos projetos e vontades?

Eu entendo que é muito importante tentarmos compreender como nossas ações, por inofensivas que pareçam, desencadeiam ações nos outros, de tal forma que da mesma maneira que um gesto de carinho resulta na felicidade de alguém, nossas atitudes contribuem, voluntária ou involuntariamente, para situações de injustiça. Aqui me refiro à desigualdade racial, de gênero, de classe e tantas outras assimetrias sociais que fingimos não nos dizer respeito.

Quando menciono o universo tecnológico não estou falando apenas da presença das máquinas, não se trata disso. É a produção de uma subjetividade nova, uma maneira de estar no mundo que conspira para o isolamento e para a velocidade, dentre outras coisas. Não temos mais tempo para depurar o impacto dessa aceleração. Tudo é feito para que não tenhamos disposição para pensar nessa nova realidade. A aceleração a que nos submetemos resulta em uma série de impactos, mas um essencial é a forma como ela nos impele ao individualismo.

Na verdade, com esse pensamento martelando minha cabeça, e vendo a intolerância das pessoas nas ruas e nas redes, me ocorreu que temos praticado uma imensa inversão de valores. Saímos de peito estufado enaltecendo o amor próprio. A importância de nos amarmos mais do que a qualquer outra pessoa. 

No trabalho, somos convidados a dar glória ao self made man, ao empreendedorismo de si. No debate político, somos prisioneiros de nossas opiniões, temos uma enorme dificuldade de aceitar uma ideia diferente a ponto de sequer arriscarmos pesquisá-la. Temos as verdades e estamos dispostos a defendê-las até a segunda página. A mesma dificuldade que temos de aceitar o outro, em suas diferenças culturais e étnicas, temos em aceitar suas ideias. Assim jamais construiremos consensos verdadeiros.

Na verdade, um projeto civilizatório não pode se sustentar com indivíduos. O que nos faz humanos é a relação que construímos com o outro. A política não nasce conosco, ela nasce entre nós. Quando um valor individual é colocado acima do coletivo, corremos o risco da intolerância e do autoritarismo. Basta dar uma olhada nas opiniões que circulam por aí, a visão que tem sido construída sobre os tantos fatos absurdos que temos vivido recentemente, para se ter a percepção de que estamos no caminho errado. Fizemos apostas erradas.

A condição humana está na relação com o outro necessariamente. Não há como escapar disso. Em todas as situações em que esse dado é desprezado o que temos é a ideologia operando silenciosamente, construindo valores mancos que nos fazem ser individualistas.

Não estou dizendo que não devemos ter amor próprio e cuidar de nós mesmos. O que estou dizendo é que se a essência do ser humano edifica-se na relação com o outro, não faz sentido que exista um amor próprio que ignore o outro.

Num mundo em que tudo conspira para que sejamos individualistas, para que tenhamos nossas metas pessoais e as persigamos, temos vergonha de precisar de ajuda e dificuldade de reconhecer a importância que o outro tem para nossa existência.

É irônico que a experiência de vida nos revele isso. Os mais velhos têm uma sabedoria sofrida, aprendida na carne, que eu mesmo só conheço aos pedaços ou através dos simulacros que os livros oferecem. Mas, talvez, a grande sabedoria que possamos tirar da vida seja compreender a importância de viver em função do outro. Ter alguém para cuidar e poder conhecer-se a cada vez, a cada movimento realizado, e ver no outro um espelho em que nos enxergamos.

Não acho que é uma experiência que se aprende através das fórmulas dos terapeutas, não é algo que se aprende com conselhos ou lendo textões na internet. É um saber que se faz na intersecção do agir com o pensar. Implica o esforço de olharmos para nós mesmos e aceitarmos nossos limites com o parâmetro que os outros nos oferecem. É uma experiência que se aprende, por exemplo, com um filho. Mas também com a amizade ou um amor sincero a alguém. Tomar a vida do outro como parte da sua e cuidar. Ao cuidar do outro, cuidamos de nós mesmos.

Esse cuidado aprendemos em nossas relações, mas de uma forma ou de outra essa aprendizagem, ou a ausência dela, também se mostra quando nos voltamos a ações coletivas e mais amplas. Se a palavra cultura vem de cuidado (colere), não será possível afirmar uma cultura individualista, ela nos faria objetos de um engenhoso sistema que o mundo do trabalho construiu. Ele nos percorre as veias e penetra nossa percepção a ponto de naturalizá-lo. Não há dignidade no trabalho de exploração, muito menos em tudo o que se constrói em torno desse universo.

A moda, o consumo, o lazer e a maior parte de nossos desejos são distrações de nós mesmos, mas há uma dificuldade imensa em nos retirar de um sistema tão totalitário, que é alimentado todos os dias pelos jornais, novelas e filmes. E, então, afirmar que a essência da existência humana deva estar na relação que cultivamos com o outro soa como algo romântico.

É importante que possamos viver uma ética de responsabilidade, ponderando as consequências de nossas ações para os outros, e não uma ética de convicção, quando nos conformamos em viver uma máxima qualquer. Como é possível que haja uma cartilha pronta para a vida, com a lista de experiências pelas quais devemos passar, se os sentidos devem ser construídos em conjunto?

Agir em nome de uma convicção é, de alguma forma, correr o risco de ser individualista. Simplesmente porque não há uma ação que não seja movimento e que não exerça influência no outro. Não sentir em nós a influência do outro é também uma maneira de recusarmos nossa humanidade. E para não assumirmos essa nossa limitação, entoamos convicções. De onde surgiram? Se foi da experiência, ótimo. Mas a experiência está cada vez mais rara, vivemos o mundo pela mediação da tela, pelas frases feitas e através de valores desvalorados.

Não aceitar que nossa vida deva ser em função do outro é viver em uma zona fronteiriça. Nesse limite, vivenciamos um problema que às vezes se nos mostra na forma da tristeza e da depressão, às vezes se esconde na forma da alienação. A rigor, trata-se de abrir mão da experiência gratificante do cuidado, do ser dois em um. Acho que o humano é isso. Demora a perceber, mas a verdade é que o universo simbólico que nos faz humanos é sempre alimentado pelo outro. Por isso é triste quando abrimos mão do outro pela máxima do amor próprio. Não porque não devemos nos amar, mas porque não percebemos que sem o outro nunca nos amaremos verdadeiramente.

Acho que pensar em nossas experiências pessoais pode dar materialidade a essa sensação. É um exercício importante que, me parece, devemos fazer sempre. Eu tenho pensado muito nisso ultimamente. O próximo passo é perceber que ao falarmos disso estamos também falando da política e da forma como organizamos nossas cidades, nossas relações sociais e nossas instituições.

Eu acho que os horrores que temos vivido recentemente, políticas desastrosas que aviltam direitos, gestos de ódio e intolerância, discursos carentes de pensamento, resultam de uma incapacidade de agir pela qual optamos. Nossa incapacidade de compreender o absurdo e de sentir a náusea nasce desse treino constante de olharmos para nós mesmos sem conseguir sentir em nós o papel exercido todos os dias pelo outro. E esse sentimento não é passivo. Não é algo que devemos aguardar sentir. Ele deve partir de nossa consciência e ser construído ativamente, sem preguiça, avaliando os benefícios de sermos humildes no reconhecimento de nossas carências.

Ao final da escritura desse texto me lembrei de um livro do Richard Sennett que gosto muito: Carne e Pedra. E lembrei-me de um trecho que transcrevo aqui: "Escamotear os problemas enfrentados pelos cidadãos de uma cidade multicultural revela um empecilho moral de inspirar sentimentos calorosos e espontâneos ao Outro. A simpatia corresponde ao entendimento de que as aflições exigem um lugar em que possam ser reconhecidas e onde suas origens transcendentes sejam visíveis. O sofrimento físico possui uma trajetória na experiência humana. Ele desorienta e torna o ser incompleto, derrota o desejo de arraigamento; aceitando-o, estamos prontos a assumir um corpo cívico, sensível às dores alheias, presentes, junto às nossas, na rua, finalmente suportáveis - mesmo que a diversidade do mundo dificulte explicações mútuas sobre quem somos e o que sentimos (...)".

Quando nos metemos a ler esses autores e a buscar compreender a sociedade e o que é a condição humana, inevitavelmente nos vemos nessa cilada. É libertador e angustiante ao mesmo tempo. Sennett nos diz a partir da experiência com a metrópole, e com todo aquele universo tecnológico a que me referi no início, que o sofrimento físico possui uma trajetória na experiência humana.

E é passando por essa experiência do sofrimento que podemos abrir os olhos e compreender o outro como parte do que somos. Isso até pode resultar em uma sincera devoção fraterna, tão importante em uma sociedade desigual como a que construímos.

Mas me parece importante, antes de qualquer gesto, que possamos compreender que não é possível cuidar de si sem o cuidado com o outro. É nesse entregar-se que reside nossa humanidade e é a partir dela que podemos concretizar nosso civismo e frear o individualismo.



Rafael de Paula Aguiar Araújo tem doutorado em ciências sociais e pós-doutorado em ciências da comunicação, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e da PUC-SP, pesquisador do Núcleo de Estudos e Arte Mídia e Política