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O mundo pós-pandemia


No mundo pós-pandemia, haverá espaço para escritórios não digitais?








10 Tendências para o Mundo Pós-Pandemia


Confira as 10 tendências para o mundo
 pós-pandemia


Consumir por consumir sai de moda, trabalho remoto, atuar mais no coletivo com colegas de empresas, ou vizinhos do bairro. A Covid-19 vai rever valores e mudar hábitos da sociedade.


1. Revisão de crenças e valores

A crise de saúde pública é definida por alguns pesquisadores como um reset, uma espécie de um divisor de águas capaz de provocar mudanças profundas no comportamento das pessoas. “Uma crise como essa pode mudar valores”, diz Pete Lunn, chefe da unidade de pesquisa comportamental da Trinity College Dublin, em entrevista ao Newsday.

“As crises obrigam as comunidades a se unirem e trabalharem mais como equipes, seja nos bairros, entre funcionários de empresas, seja o que for… E isso pode afetar os valores daqueles que vivem nesse período —assim como ocorre com as gerações que viveram guerras”.

Já estamos começando a ver esses sinais no Brasil — e no centro de São Paulo, com vários exemplos de pessoas que se unem para ajudar idosos, por exemplo.

Fascismo e capitalismo



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Entre outras coisas, o filósofo Alysson Leandro Mascaro faz uma análise crítica do crescimento do fascismo e quanto ele está associado ao capitalismo.

" Quando se soma um moralismo religioso, quando se põe a isto um nível de cultura muito especificamente técnico sem visão crítica, e quando se põe uma vasta exploração social, nós estamos como estamos. O capitalismo mais uma vez, não é a primeira vez - o capitalismo sempre faz isso - o capitalismo está nas portas do fascismo. "



 



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Votando em corruptos ...



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Senador corrupto Romero Jucá em manifestação pelo impeachment da Presidente Dilma



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A " massa de manobra " da mídia golpista e fascista



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Colapso econômico global : Devemos, também no Brasil, estocar alimento e água ?



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Sanders : Estados Unidos, terra em transe




Editorial do site Vermelho


Uma parcela muito expressiva do povo norte-americano tem revelado seu descontentamento com o predomínio da lógica que favorece apenas aos grandes milionários na política, na economia, na sociedade. 

Esse desconforto pode ser visto na eleição de Barack Obama, em 2008. Depois, em 2011, na grande onda de manifestações, de sentido antineoliberal, do movimento conhecido como Occuppy Wall Street(OWs) que começou em Manhattan e se espalhou pelo país, popularizando o slogan We are the 99% ("Nós somos os 99%"), em luta contra o predomínio apenas dos interesses do 1% mais rico. 

Foi a face mais visível da luta de classes que, na pátria de Tio Sam, nunca esmoreceu de fato, embora tenha enfraquecido desde as décadas de 1980 e da ação dos governos contra sindicatos, organizações de trabalhadores e os direitos sociais. Recentemente houve grandes greves de empregados de redes de fast-food, de funcionários públicos, trabalhadores de refinarias de petróleo, e também o movimento pelo salário mínimo de 15 dólares a hora –para falar apenas das ações de maior evidência. Isto é, a luta dos trabalhadores nunca parou.

Neste ano, na eleição presidencial marcada para 8 de novembro, esse descontentamento parece confluir para a disputa da presidência da República, e ajuda a entender o surgimento e a força da candidatura de Bernie Sanders que, embora dispute uma vaga pelo Partido Democrata, se define como “socialista democrático”, com um duro discurso contra a oligarquia financeira que controla o país mais rico do planeta. 

Desde a Independência (1776) até a emergência do capital imperialista, no século 20, os EUA foram a terra das promessas de liberdade e progresso social, como o próprio Marx reconheceu em seu tempo. A alta finança reforçou seu domínio sobre a política dos EUA desde a morte do presidente Franklin D. Roosevelt, no final da Segunda Grande Guerra, em abril de 1945. 

Com o desaparecimento de Roosevelt, e o reforço do poder das grandes empresas multinacionais, o país passou a chamar para si a tarefa anticomunista que esperavam que a Alemanha nazista cumprisse. Mas a Alemanha foi derrotada na guerra e, desde então, os EUA passaram a se portar como “polícia” do mundo, envolvendo-se cada vez mais em guerras e golpes de estado em defesa do predomínio do grande capital, de suas multinacionais, e para manter os povos subordinados aos desígnios do imperialismo.

Esse papel de gendarme do capitalismo se acentuou desde o fim da União Soviética, no início da década de 1990. Em sua esteira cresceu o neoliberalismo e o avassalador domínio do capitalismo em todo o planeta - não só nos países subordinados da periferia capitalista mas também contra os trabalhadores da própria metrópole imperialista, da Europa aos EUA.

O “socialismo democrático” de Bernie Sanders se insurge contra esta realidade. Na verdade, as medidas que sugere são mais próprias de um capitalismo regulado do que socialistas. No Brasil, seria chamado de “desenvolvimentista”, ou keynesiano. Ele tem falado, insistentemente, em saúde pública gratuita para todos, educação gratuita (do ensino fundamental à universidade), um salário mínimo de 15 dólares por hora, aumento de impostos para os mais ricos.

Tudo isso em uma pauta mais ampla que é o avesso daquela que predomina hoje, e se propõe a usar o poder do estado para fomentar o desenvolvimento e regular a ação do capital (de Wall Street, mais claramente) e conter sua ganância. 

Ele tem dito, por exemplo, que pretende aplicar 1 trilhão de dólares em obras de infraestrutura (com investimentos em estradas, pontes, sistemas de tratamento de água, ferrovias e aeroportos), que poderiam criar 13 milhões de novos postos em cinco anos.

Isto é, contra o neoliberalismo dominante, defende o uso de investimentos públicos para fomentar o desenvolvimento e criar empregos. Um típico keynesianismo que somente os direitistas mais radicais consideram “socialismo”. 

A mera existência de sua campanha, encarada como “ameaçadora” pela oligarquia financeira, deu nova cidadania ao termo “socialismo” (independente do que se entenda por esta expressão), e enseja o debate, do qual a elite dos Estados Unidos sempre fugiu, sobre os rumos do capitalismo.

Com bom humor, Bernie se referiu a isso em um comício ocorrido na véspera da primária de New Hampshire: "Nossa campanha está indo bem, porque tratamos a população americana como seres humanos inteligentes, o que é meio inusual na política hoje em dia". A plateia riu, satisfeita.

O crescimento da sua candidatura é uma saída para a frente e move a esquerda norte-americana decepcionada com Barack Obama. 

Chamado de radical e utópico pelos críticos, Bernie responde com ironia. "Estão preparados para um conceito radical? Então lhes digo que vamos trabalhar juntos pela educação, em vez de aumentar o número de cadeias e encarceramentos."
























David Harvey quer, além dos protestos, um projeto



Ao apresentar seu livro mais recente, geógrafo e antropólogo David Harvey alerta: mera denúncia do capitalismo é ineficaz – e pode favorecer saídas de ultra-direita



Entrevista a Jonathan Derbyshire, da Prospect Magazine  
Tradução: Vila Vudu


A onda de protestos de rua que se espalha pelo mundo desde janeiro de 2011 tem produzido, em seu rastro, um debate revelador.

No Brasil, por exemplo, o primeiro aniversário das “jornadas de junho” será lembrado pelo lançamento de livros e filmes. O mais estrepitoso deles é o de um documentário produzido pela “Folha de S.Paulo” – o mesmo jornal que recomendou à prefeitura da cidade e à Polícia Militar, em 13 de junho de 2013, vetar manifestações na avenida Paulista, para o bom fluxo do tráfego de automóveis… 

Se a mesma Folha tenta agora celebrar o movimento é porque procura “capturá-lo”, conduzindo-o para pautas opostas à reivindicação de direitos sociais e igualdade – que tanto incomodava seus editorialistas há um ano.

Mas há espaço para esta captura? O geógrafo e antropólogo David Harvey pensa que sim – e está empenhado em articular uma contra-ofensiva. 


Lançada no início de abril, em inglês, sua obra mais recente “17 Contradições e o fim do Capital” – parece dedicada a isso.


Harvey falou sobre o livro em entrevista ao jornalista inglês Jonathan Derbyshiere. Vale a pena seguir o raciocínio deste marxista heterodoxo, formulador histórico de reivindicações, propostas e conceitos relacionados ao Direito à Cidade.

Um dos traços surpreendentes do cenário internacional, começa Harvey, é a “miséria de pensamento novo e novas políticas”.

Confrontadas pela crise econômica – que já entrou no sexto ano e para a qual não há saída à vista –, as classes dominantes não parecem preocupadas em buscar opções. Seu discurso de aparente preocupação em face da desigualdade não se materializa em ações concretas: parece mera peça de retórica. Por que tal paralisia?

É evidente, diz o geógrafo, que as elites globais sentem-se seguras de seu poder. Percebem que faltam alternativas. Há, é certo, muitos protestos. Mas não parecem a ponto de passar de uma fase primitiva – a da crítica ao sistema – e evoluir para o que pode de fato ameaçá-lo: a proposição de projetos pós-capitalistas.

Harvey teme, aliás, que os protestos sejam capturados por forças retrógradas e mesmo fascistas, caso não evoluam. 

Somadas, crise e a falta de perspectivas geram, frisa ele, um ambiente de desesperança mórbida. 

Nos EUA, por exemplo, “70% da população ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz”. As respostas são múltiplas. 

Certos grupos buscam um futuro “distante da cultura da mercadoria”. Mas outros, ao contrário, refugiam-se no consumismo ou na negação completa da política. Estes podem ser mobilizados para sentimentos e saídas retrógradas – como buscar de uma autoridade salvadora, ou atirar sobre o estrangeiro (o “outro”) o peso de suas frustrações.

A nova obra de Harvey é, tudo indica, a maneira concreta que o autor encontrou de encarar este risco sem resvalar para o pessimismo.

“Há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento e é fonte de alguma esperança”, diz ele em certo ponto da entrevista a Derbyshire. 

Mas esta esperança não se realizará por si mesma. Para tanto, é preciso “resistir contra um retrocesso de direita, atrair parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista”.

Por isso mesmo, o livro propõe, em sua parte final, dezessete ideias para a prática política – mais especificamente, para “o novo modo de fazer política”, que, segundo Harvey, está emergindo diante de nossos olhos.

No diálogo com Derbyshire, Harvey aborda ainda a polêmica em torno da institucionalização dos novos movimentos (ele defende a construção de híbridos de movimentos e partidos, como o Syriza grego); a presença de um setor anti-Estado nas manifestações; a relação entre determinismo e marxismo (Marx, diz Harvey, nunca afirmou que o capitalismo desabaria sobre si próprio inevitavelmente); o pepel do Occupy (e de Thomas Piketty) na denúncia da desigualdade; o divórcio cada vez maior profundo entre capitalismo e democracia. 

Eis, a seguir, a entrevista: 

No início do livro, o senhor observa, como outros também observaram, que há algo de diferente na mais recente crise do capitalismo, a crise financeira global de 2008. “Seria de esperar que todos” – o senhor escreveu lá – “tivessem diagnósticos concorrentes a oferecer sobre o que está errado, e que houvesse uma proliferação de propostas de o que fazer para corrigir tudo. O que mais surpreende hoje é a miséria de pensamento novo e de novas políticas.” Por que não há nem diagnósticos nem propostas nem ideias novas? 

Uma hipótese é que a concentração de poder de classe que se vê hoje é de tal modo gigantesca, que não há por que a classe capitalista precise ou queira ver qualquer tipo de pensamento novo. A situação, por mais que seja disruptiva para a economia, não é necessariamente disruptiva para a capacidade de os ricos acumularem mais riqueza e mais poder. Assim sendo, há claro interesse em manter as coisas como estão. O que é curioso é que havia também, é claro, muito interesse em manter as coisas como estavam nos anos 1930s, mas ele foi atropelado por Roosevelt, pelo pensamento keynesiano etc.

Isso posto, o senhor aceita, no livro, que há elementos na classe capitalista, na classe intelectual, que reconhecem a ameaça – isso que o senhor chama de “contradições” do capitalismo. Exemplo notável é a discussão da desigualdade. 

Credito ao movimento Occupy ter lançado e posto em circulação essa nova narrativa. O fato de que temos em Nova York um prefeito completamente diferente do que havia antes e que disse que vai fazer tudo que puder para reduzir a desigualdade, a própria possibilidade dessa discussão é coisa que brotou diretamente do movimento Occupy. É interessante que todos sabem do que você está falando, sempre que se fala do “1%”. A questão do 1% foi afinal posta na agenda e se tornou objeto de estudos em profundidade, como, por exemplo, o livro de Thomas Piketty, O Capital no século 21. Joseph Sitglitz também tem um livro sobre desigualdade e vários outros economistas estão falando do assunto. Até o FMI já está dizendo que há um perigo específico que surge quando a desigualdade alcança determinado nível.

Até Obama já anda dizendo isso!

Mas Obama nada diria sobre isso se o movimento Occupy não tivesse aberto a trilha. E quem está oferecendo alguma resposta ao problema? De que modo alguma coisa está sendo realmente mudada? Se se consideram as políticas reais, vê-se que as desigualdades continuam a se aprofundar. Há reconhecimento apenas retórico do problema, mas não há reconhecimento político, em termos de políticas ativas e redistribuição ativa.

O senhor falou de Occupy. No livro, o senhor critica muito duramente os setores dos novos movimentos que vê como, predominantemente, ultra-liberais e anti-Estado.

Tenho uma regra que por definição nunca falha: o modo de produção dominante, seja qual for, e sua articulação política, criam a forma de oposição contra eles. Assim, as grandes fábricas e grandes corporações – General Motors, Ford etc., – criaram uma oposição baseada no movimento trabalhista e nos partidos da social-democracia. O rompimento dessa ordem – e vivemos hoje precisamente o momento desta – criou um tipo de oposição dispersa que precisa usar algumas linguagens específicas para suas reivindicações.

Parte da esquerda não dá sinais de perceber que muito do que diz é consistente com a ética neoliberal, ao invés de lhe fazer oposição… Parte do anti-estatismo que se encontra hoje na esquerda casa-se perfeitamente com o anti-estatismo do capital empresarial corporativista.

Preocupa-me muito que não se ouça pensamento da esquerda que diga “Vamos nos afastar dessas narrativas e observar o quadro completo.” Espero que meu livro contribua para que tenhamos isso.

O livro conclui num lugar interessante – com algo como um programa, 17 “ideias para a prática política”. Mas não aparece a pergunta (embora possa estar implícita no que o senhor acabou de dizer), sobre qual é a organização apropriada para realizar aquele programa. Não se sabe onde encontrá-lo. Não é óbvio que o encontraremos.

Uma das coisas que temos de aceitar é que está emergindo um novo modo de fazer política. 

No presente, ainda é muito espontaneísta, efêmero, voluntarista, com alguma relutância a deixar-se institucionalizar. Como poderá ser institucionalizado é, creio eu, questão aberta. E não tenho resposta para isso. Mas é claro que, de algum modo, terá de institucionalizar-se ou ser institucionalizado. 

Há novos partidos começando a emergir – o Syriza na Grécia, por exemplo. O que me preocupa é o que comento no livro como um estado de alienação em massa, que está sendo capitalizado amplamente pela direita. 

Há sim, portanto, alguma urgência em tratar da questão de como nós nos institucionalizaremos como força política, para resistir contra um retrocesso de direita e atrair parte significativa do descontentamento que está nas ruas e empurrá-lo numa direção progressista, não em direção neofascista.

O senhor descreve seu livro como uma tentativa para expor as contradições, não do “capitalismo”, mas do “capital”. O senhor pode explicar essa diferença?

Essa diferença vem de minha leitura de Marx. Pensa-se quase sempre que Marx teria criado alguma espécie de compreensão totalizante do capitalismo, mas ele não fez nada disso. Marx não arredou pé da economia política e manteve seus argumentos sempre na linha de como opera o motor econômico de uma economia capitalista. Se você isola o motor econômico, você consegue ver quais serão os problemas daquela economia.

Não implica dizer que não haverá outros tipos de problemas numa sociedade capitalista – é claro que há racismo, discriminação por gênero, problemas geopolíticos. Mas a questão que me preocupava ao escrever esse livro era outra, mais limitada: como funciona o motor da acumulação de capital?

Já estava bem claro desde o estouro da crise, em 2007/8 que havia alguma coisa errada com o próprio motor. E dissecar o que esteja errado com o motor já será um passo na direção de política mais ampla. Esse motor econômico é muito complicado. E Marx criou um meio para compreender o motor econômico, servindo-se de ideias como “contradição” e “formação-de-crises”.

Mais uma questão de definição: o que é capital?

Capital é o processo pelo qual o dinheiro é posto em ação para que se obtenha mais dinheiro. Mas é preciso muito cuidado, se só se fala de dinheiro, porque em Marx há uma relação muito complexa, como aponto no livro, entre “valor” e “dinheiro”. O processo é de busca de valor para criar e apropriar-se de mais valor. Mas esse processo assume diferentes formas – a forma dinheiro, de bens e mercadorias, processos de produção, terra… Ele tem manifestações físicas mas, no fundamento, não é coisa: é um processo.

Voltemos à noção de “contradição”, que é a categoria analítica central no livro. O senhor fez uma distinção entre os choques externos pelos quais pode passar uma economia capitalista (guerras, por exemplo) e contradições, no seu sentido da palavra. Assim, por definição, contradições são internas ao sistema capitalista?

Sim. Se você quiser redesenhar o modo de produção, é preciso, então, responder as questões postas pelas contradições internas.

O senhor identifica três classes de contradições, que o senhor chama de “fundacionais”, “mutantes” e “perigosas”. Comecemos pela primeira categoria: o que torna certas contradições “fundacionais”?

Não importa onde esteja o capitalismo e o modo de produção capitalista, você sempre encontrará essas contradições em operação. Em qualquer economia – seja a China contemporânea, o Chile ou os EUA – a questão do valor de uso e do valor de troca, por exemplo, lá estará, sempre. Há algumas contradições que são traços permanentes de como o motor econômico está montado. E há outras que mudam constantemente ao longo do tempo. Eu quis distinguir as que são relativamente permanentes e as outras, que são muito mais dinâmicas.

Algumas contradições fundacionais são mais fundacionais que outras? Um dos traços que mais chamam a atenção no livro é que tudo, no seu modelo analítico, parece derivar, no fundo, da diferença entre valor de troca e valor de uso. 

Ora… esse é o ponto inicial da análise. Sempre me chamou a atenção que Marx dedicou muito tempo para demarcar o ponto no qual sua análise começaria. E decidiu começar por aí, porque é o ponto de partida mais universal. Mas o que mais me impressiona – e trabalho com Marx há muito, muito tempo – é o quanto as suas contradições são intimamente interligadas. Você percebe que essa distinção entre valor de uso e valor de troca pressupõe alguma coisa sobre propriedade privada e o Estado, por exemplo.

Outra das suas contradições fundacionais é entre “propriedade privada e o Estado capitalista”. Quer dizer: a tensão ou a contradição entre os direitos individuais de propriedade e o poder coercivo do Estado. Agora, imaginemos alguém como Robert Nozick, criado na tradição liberal, lockeana, que chega e diz que não há aí qualquer contradição. Ao contrário: o papel do estado “mínimo” é proteger a propriedade privada.

Uma das coisas que digo sobre contradições é que elas estão sempre latentes. Por isso, a existência de uma contradição não gera, necessariamente, uma crise. Gerará sob certas circunstâncias.

Portanto, é possível construir teoricamente a ideia de que tudo que um Estado “guarda-noturno” faz é proteger a propriedade privada. Mas sabemos que esse Estado “guarda-noturno” tem muito mais a fazer.

Há externalidades no mercado que têm de ser controladas; há bens públicos que têm de ser fornecidos – e assim, muito rapidamente, o Estado acaba por se envolver em todos os tipos de atividades, muito além de apenas cuidar do quadro legal dos contratos e dos direitos à propriedade privada.

O senhor nega que haja qualquer conexão necessária entre capitalismo e democracia. Pode explicar por quê? 

A questão da democracia depende muito de definições. Supostamente haveria democracia nos EUA, mas é claro que não há. É uma espécie de farsa, de engodo – é a democracia do poder do dinheiro, não do poder do povo. Em minha avaliação, desde os anos 1970, a Suprema Corte legalizou o processo pelo qual o poder do dinheiro corrompe o processo político.

Há um aspecto do poder do Estado que avançou para o centro do palco na crise recente e imediatamente depois, sobretudo durante a crise da dívida na zona do euro: falo do poder dos bancos centrais. O senhor acha que a função dos bancos centrais mudou de modo significativo durante a era dos “resgates”?

Evidentemente mudou. A história dos bancos centrais é, ela própria, terrivelmente interessante. Não tenho certeza de que o que o Federal Reserve fez durante a crise tenha tido qualquer base legal. O Banco Central Europeu, por sua vez, é caso clássico do que Marx disse, quando comentou a Lei dos Bancos de 1844, a qual, para ele, teve o efeito de estender e aprofundar a crise de 1847-8 na Grã-Bretanha.

Há um conceito ao qual o senhor volta várias vezes no livro: o conceito de “conversão em mercadoria”, ou mercantilização. 

O capital trata, sempre, da produção de mercadorias. Se há terreno não-mercadorizado, ali o capital não entra nem circula. Um dos meios mais fáceis para o capital conseguir penetrar aquele espaço é o Estado impor ali um sistema de privatização – ainda que privatize algo que é só ficcional. 

Os créditos de carbono, por exemplo – trocar direitos de poluir é excelente exemplo de mercadoria criada por processo ficcional, que tem efeitos muito reais sobre o volume de dióxido de carbono na atmosfera, e assim por diante. Criar mercados onde antes não havia é um dos meios pelos quais, historicamente, o capital expandiu-se.

O senhor foi pesadamente influenciado pelo trabalho de Karl Polanyi nessa área, não? Especificamente a obra prima dele, A Grande Transformação. 

Polanyi não era marxista, mas compreendia, como Marx também compreendeu, que terra, trabalho e capital não são mercadorias no sentido ordinário, mas que assumem uma forma de mercadoria.

Um dos aspectos mais impressionantes e mobilizadores do livro é o relato que o senhor faz dos custos humanos da conversão em mercadoria – especificamente a conversão em mercadoria daquelas áreas da experiência humana que antes não eram parte do “nexo dinheiro”. Há aí uma conexão com o que o senhor chama de “alienação universal”. O que é isso? 

Vivemos há tempos num mundo no qual o capital lutou sem parar para diminuir o trabalho, o poder do trabalho, aumentando a produtividade, removendo o aspecto mental dos serviços e empregos. 

Quando você vive em sociedade desse tipo, surge a questão de como alguém pode encontrar algum significado na própria vida, dado o que se faz como trabalho, no local de trabalho. Por exemplo, 70% da população dos EUA ou odeia trabalhar, ou é totalmente indiferente ao trabalho que faz. Em mundo desse tipo, as pessoas têm de encontrar alguma identidade para elas mesmas que não seja baseada na experiência do trabalho.

Sendo assim, surge a questão do tipo de identidade que as pessoas podem assumir. Uma das respostas é o consumo. E temos um tipo de consumismo irrefletido que tenta compensar a falta de significação de um mundo no qual há bem poucos trabalhos com algum significado. Irrita-me muito ouvir políticos dizer que “vamos criar mais empregos”… Mas que tipo de empregos?

A alienação brota, entendo eu, de um sentimento de que temos capacidade e poder para ser alguém muito diferente do que é definido por nossas possibilidades.

Daí surge a questão de até que ponto o poder político é sensível à criação de outras possibilidades? As pessoas olham os partidos políticos e dizem “Aqui, não há nada que preste.” 

Há, pois, a alienação que empurra para longe do processo político, que se manifesta em comparecimento declinante nas eleições; há a alienação para longe da cultura da mercadoria, também, que cria uma carência e o correspondente desejo por um outro tipo de liberdade.

As irrupções periódicas que foram vistas pelo mundo – parque Gezi em Istanbul, manifestações no Brasil, quebra-quebra em Londres em 2011 – obrigam a perguntar se a alienação pode vir a ser uma força política positiva. E a resposta é sim, pode, mas não se vê nada parecido nos partidos ou movimentos políticos.

Viram-se alguns elementos disso no modo como o movimento Occupy ou os Indignados na Espanha tentaram mobilizar pessoas, mas foi coisa efêmera e não amadureceu em ação mais substancial.

Mesmo assim, há muita ebulição nos campos da dissidência cultural; há algo em movimento, e é fonte de alguma esperança.

Quando o senhor discute as contradições “perigosas”, o senhor oferece o que me parece ser uma versão do materialismo histórico de Marx. Quero dizer: o senhor pensa, como Marx, que o presente está grávido de futuro, embora o senhor não pense de modo determinista… Acho também que o senhor não vê nada de determinismo, tampouco, no próprio Marx. Estou certo? 

Não vejo, não, nada de determinismo em Marx. Há quem diga que Marx teria dito que o capital desabará sob o peso de suas próprias contradições, e que Marx teria uma teoria mecanicista das crises das crises capitalistas. Mas jamais encontrei uma linha em que Marx tenha escrito coisa semelhante!

O que Marx, sim, disse é que as contradições do capitalismo estão no coração das crises e que crises são momentos de oportunidade.

Marx também disse que os seres humanos podem criar a própria história, mas que não escolhem as condições sob as quais criarão a própria história. 

Para mim, portanto, há um Marx que, embora não seja liberal, diz que os seres humanos são capazes de decidir coletivamente, de empurrar as coisas mais para uma direção, que para outra.

Marx criticou o socialismo utópico, porque entendia que o socialismo utópico não lidava com o onde estamos. 

Marx disse que é preciso analisar onde se está, ver o que é viável para nós e, na sequência, tentar construir algo radicalmente diferente.


Postado no site Outras Palavras em 03/06/2014



Como a Constituição de Ulisses salvou o Brasil do Tea Party




Luis Nassif

Periodicamente, o processo civilizatório sofre soluços de insensatez, tempos bicudos em que falham as ferramentas institucionais de mediação, os avanços são esquecidos, a radicalização campeia e o jogo político se torna selvagem.

O que ocorre hoje nos Estados Unidos é ilustrativo de como se formam essas ondas e os riscos que trazem quando não são moderadas pelo sistema político institucional. Antes de ontem, o presidente Barack Obama deu entrevista angustiada, acusando parlamentares republicanos de terem perdido o controle do Tea Party.

É pedagógico analisar o fenômeno norte-americano, sua reprodução no Brasil e entender como, em alguns momentos - como foi na Europa dos anos 20 e 30 – as circunstâncias podem levar a sistemas autoritários. E como, em um país de tradição golpista como o Brasil - como prova a história no século 20 - impediu-se que o vezo autoritário se impusesse sobre o sistema democrático.

Os grandes momentos de inclusão

O ponto inicial desses terremotos são os grandes momentos de inclusão da história.

Especialmente nos regimes democráticos, a civilização se forma a partir de processos gradativos de inclusão social e política. Foi assim na abolição da escravatura, nas lutas feministas e nos grandes movimentos migratórios, do campo para as cidades ou entre países.

Cada luta é um parto. Depois dela, o renascimento do país em um nível superior. Durante, criam-se momentos propícios para o exercício da intolerância, influenciando especialmente a classe média estabelecida, o chamado cidadão-massa, alienado em relação à política e às próprias organizações do seu meio.

É ele que se sente ameaçado no seu emprego ou no seu status, nas suas convicções, em um quadro em que o ritmo das mudanças torna a vida imprevisível.

Nas últimas décadas aceleraram-se os grandes fluxos migratórios mundiais, de latinos e orientais em direção aos países centrais, houve a ascensão das massas miseráveis nos países-baleia e uma crise sistêmica que corroeu as bases ideológicas do neoliberalismo.

Na Europa e Estados Unidos aumentou a intolerância em relação aos imigrantes, especialmente depois que a desindustrialização interna e a bolha imobiliária empobreceram a classe média. No Brasil, a resistência em relação à chamada nova classe C.

Esses movimentos são potencializados pelas novas formas de comunicação, pelas redes sociais, permitindo pela primeira vez, em muitos países, manifestações políticas que geraram inúmeras “primaveras”. Mas também a difusão de preconceitos e intolerância.

Mas, principalmente, pela exacerbação da velha mídia, do velho conceito de mass midia, vivendo seus estertores.

O mercado das ideias

O conceito de “opinião pública” é central nas modernas democracias. São os ventos da opinião pública que elegem políticos e consagram meios de comunicação de massa, movimentam o mercado de consumo e o show bizz, vendem eletroeletrônicos e sonhos. E esse jogo é exercitado no chamado "mercado das ideias", com características comuns a outros mercados e algumas características próprias essenciais - como o fato de intervir nas relações psicossociais e políticas de um país.

É um mecanismo complexo. Na parte superior, há os grandes intelectuais, humanistas, políticos, lideranças sociais construtores da civilização, tentando consolidar princípios de justiça social, de mediação política, permitindo os avanços sem a perda de controle.

No meio, um conjunto de instituições fazendo a mediação: os três poderes, os partidos políticos, sindicatos, associações etc.

Na base, setores organizados, como grupos, ONGs, associações em geral. Mas também o homem-massa em estado bruto, movendo-se por instintos primários da generosidade ao ódio, da solidariedade à intolerância, sempre procurando cavalgar as ondas para não se abater pela solidão atávica das democracias e do mercado. As ondas podem levar tanto a uma campanha beneficente mas, muito mais, a linchamentos públicos.

O desafio surge nos grandes curtos circuitos históricos, nos momentos de crise que torna o mercado de ideias tão instável que rompe os liames entre a massa e os organismos de mediação. Cria-se o ambiente propício ao estouro de manadas, do qual se aproveitam os agentes oportunistas.

Foi o que vem ocorrendo nos últimos anos ao redor do mundo.

A crise de 2008 e o período que a precedeu transformaram em pó não apenas ativos financeiros mas bandeiras partidárias globais. Apresentou-se a desregulamentação total como panaceia para todos os problemas. Desde que o Estado saísse de todas as áreas, inclusive das redes de apoio social aos menos favorecidos e de garantias básicas aos cidadãos, haveria uma era de ouro de aumento generalizado do bem estar.

A crise de 2008 mostrou uma pesada conta paga e uma nova conta apresentada – nova dose de sacrifício para permitir aos países sair da crise.

É nesse quadro que aparecem os agentes oportunistas, dentre dois protagonistas relevantes do mercado de ideias: os políticos e a mídia de massa.

Agente oportunista 1 – o político

Nos Estados Unidos, a reação da massa foi o Tea Party e o discurso anti-árabes e anti-imigrantes. No Brasil, movimentos difusos de radicalização, fundados no anti-petismo, no anti-nordestinos, no anti-pobres em geral. Em ambos os casos, essa intolerância inicial não era organizada, mas disseminada por pequenos grupos que refletiam sentimentos comuns à classe média.

No início, a radicalização das ideias fica fora do arco de propostas dos partidos – mesmo dos mais conservadores. As propostas radicais ocupam espaço no vácuo das ideias dos partidos.

Nos Estados Unidos resultou no fenômeno Sandra Pallin – a ignorante governadora do Alaska que se tornou candidata a vice-presidente. No Brasil, na transmutação de José Serra, tido até então como um intelectual na política.

Serra nunca foi grande intelectual nem grande político. Mas era um dos melhores intelectuais dentre os políticos; e um dos melhores políticos dentre os intelectuais. E exemplo acabado de como as circunstâncias moldam as lideranças políticas.

Nos anos 90 apresentava-se como “desenvolvimentista” e liberal, embora não comprovasse com ações concretas. Nos anos 2000 mostrou-se como o gerente, embora nunca tenha sido grande gestor. No final da década, como o profeta dos velhos tempos, ameaçando com o fogo do inferno os ímpios e os imorais, embora nunca tenha sido probo nem conservador. Quando precisou, posou de intelectual; quando foi necessário, envergou o anti-intelectualismo mais atroz

Superou suas limitações políticas e intelectuais com duas características próprias: um feeling superior para captar os grandes movimentos de manada; a uma ambição ampla o suficiente para se adaptar a qualquer tempo, sem se balizar por coerência, princípios, ideias.

Em um país sem tradição de Tea Party ocupou o espaço vago a ponto de se tornar candidato a presidente em duas eleições.

Mas, para isso, foi essencial a aliança com outros agentes oportunistas no campo da velha mídia, especialmente com Roberto Civita, como se verá a seguir, que talvez tenha sido o verdadeiro criador do “novo-velho Serra”. Desse casamento emerge um exemplo extraordinário – e assustador – das estratégias midiáticas em tempos de instabilidade.

Agente oportunista 2 – a mídia de massa

Na mídia de massa, o processo é o mesmo dos políticos. Ela estará sempre ligada nas grandes ondas. Pode ser uma Copa do Mundo, um linchamento de suspeito, uma campanha pelo impeachment, uma guerra do Iraque, uma Escola Base. O veículo que consegue manobrar essas ondas, ganha um poder adicional.

Nos Estados Unidos, a onda conservadora foi cavalgada pela FoxNews, de Rupert Murdoch, empenhado em enfrentar as gigantes que surgiam no bojo das inovações tecnológicas, ameaçando o reinado dos grupos tradicionais de mídia.

Incorporou a linguagem do Tea Party e abriu mercado para o colunismo de esgoto, de uma agressividade quase pornográfica. Foi um estilo vitorioso, que chegou a ameaçar a eleição de Obama.

No Brasil, esse movimento foi importado pela Veja. E aí entra o fator Roberto Civita.

Desde a histórica revista Realidade, Civita tornou-se um grande especialista em entender os movimentos da mídia norte-americana e transportá-los para o Brasil. No final dos anos 60 percebeu o estilo do jornalismo-produto das revistas semanais, concebeu a revista Veja e a entregou ao grande nome que surgia na época, Mino Carta.

Mais tarde, esse padrão do “jornalismo produto” (em que as notícias são quase como "roteirizadas" antecipadamente) serviu de inspiração para a revolução da Folha nos anos 80.

Nos anos 70, Octávio Frias foi buscar o diferencial na imprensa alternativa da época, especialmente no Pasquim. Dos anos 80 em diante, a inspiração jornalística (não necessariamente política) veio da Veja.

Civita foi o primeiro a perceber a essência do movimento de radicalização de Murdoch e sua nova linguagem. E transportá-las para o Brasil.

O primeiro colunista a exprimir esse novo estilo, radical, agressivo, foi o finado Tales Alvarenga – que, na época, tinha coluna na Veja e o cargo de diretor responsável. Da noite para o dia nasceu um Tales de linguagem agressiva, que nunca havia se manifestado ao longo de sua carreira.

O primeiro grande teste foi a campanha contra o desarmamento, pesada, conservadora, mas que encontrou um eco extraordinário em segmentos da classe média.

Ali foi o ponto de partida. Pela primeira vez, desde a redemocratização, emergia das trevas o pensamento mais conservador e anacrônico e tinha uma enorme aceitação junto ao cidadão-massa.

Depois de Tales, a mão previsível do mercado criou uma legião de gladiadores. Em determinado momento, foi um estilo tão forte que contaminou o próprio noticiário. Desde os anos 50 não se teve um noticiário tão editorializado como nesses últimos anos.

E foi nessa emulação do modelo norte-americano, que Civita imaginou-se Murdock e pensou em Serra como Sara Pallin, a mídia como partido político e, sendo bem sucedidos, Serra, presidente, preservando a sobrevivência dos grupos de mídia nacionais contra a invasão dos novos gigantes da mídia 0 Facebook e Google.

É esse o modelo esquemático que norteou a ação da mídia de 2005 para cá e explica a parceria Veja-Serra.

Os anticorpos institucionais

Caso essa parceria tivesse sido bem sucedida, teria mergulhado o país em uma noite de São Bartolomeu porque, do mesmo lado, os dois maiores poderes da República: a Presidência da República e mídia, em um pacto de guerra de extermínio a toda forma de pensamento dissidente, de desarme do sistema de freios e contrapesos.

Em 2010 escrevi no fragor da batalha, e repito agora: as eleições de 2010 ainda serão tratadas pela historiografia como um marco, que impediu a invasão persa sobre a recém criada democracia brasileira. 

Aos poucos, o organismo institucional vai recobrando a racionalidade, seja no STF (Supremo Tribunal Federal), na Pocuradoria Geral da República, seja nos partidos políticos de ambos os lados, com a adesão cada vez maior de personalidades de princípios democráticos sabendo que a política – não os coliseus – é o campo para o debate de ideias e de divewrgências.

A estabilidade política, não só agora, como ao longo desses 25 anos, deve-se à Constituição Federal, que permitiu o feito extraordinário de um país historicamente sujeito a golpes de Estado consolidar os princípios democráticos, em meio a tormentas e terremotos ocasionais.

Não fosse a Constituição, no final do ano passado um grupo de alucinados do STF teria invadido o Congresso e empalmado o poder. Ao detalhar de modo claro a independência entre os poderes, a Constituição reduziu a margem de arbítrio na interpretação do texto constitucional, permitindo a reafirmação da legalidade.

O país deve gratidão eterna aos homens que, 25 anos, desenharam nossa Constituição. Especialmente ao grande comandante Ulisses Guimarães.


Postado no blog Luis Nassif Online em 04/10/2013


Isto a mídia tupiniquim não mostra ! Lula fazendo parte de uma grande transformação de Mundo com o fim do capitalismo selvagem !



Na França, Lula e Hollande lançam o “anti-consenso de Washington”


Por Luis Nassif no Luis Nassif online

É um desses paradoxos da história. Enquanto é achincalhado em seu próprio país, em Paris, junto com o presidente francês François Hollande, Lula lança o que será considerado, provavelmente, o mais importante manifesto sobre a governança global desde o “Consenso de Washington”, que marcou a vida das nações nas últimas décadas. É o ‘anti-consenso de Washington”, que deverá servir de base para a reaglutinação da social democracia em nível global.

Mesmo antes da queda do Muro de Berlim, a social democracia estava em crise profunda, desarticulada, sem princípios de ação.

Ontem, em Paris, no “Fórum pelo Progresso Social, o crescimento como saída para a crise”, o Instituto Lula e a Fundação Jean Jaurès, do Partido Socialista francês soltaram documento conjunto para a primeira convocação de fundações políticas e institutos progressistas do mundo inteiro, visando propor uma nova governança global.

Com o manifesto, Lula e François Hollande passam a encabeçar a primeira iniciativa mundial, visando criar um contraponto de governança global ao “consenso de Washington” – que forneceu as bases para o modelo neoliberal que se tornou praticamente hegemônico nas últimas décadas.

Os termos do documento provavelmente marcarão a história da globalização com o mesmo impacto provocado pelo “ Consenso de Washington” no início dos anos 90.

O documento é objetivo, ao afirmar que “a globalização divide ao invés de unir”. Diz que a crise internacional agrava a concorrência entre países e sociedades e atinge principalmente os mais vulneráveis.

A crise afeta todos os países, adia decisões contra o aquecimento global. A falta de uma ação planejada, continua, pode levar a um ponto de não-retorno.

O manifesto propõe uma nova governança global, que minimize os conflitos que permita que “cada nação realize o modelo de sociedade que escolheu”. E os poderes públicos “devem garantir que todos tenham oportunidades de desenvolver suas capacidades individuais”.

Depois, chama a atenção para as mudanças estruturais que estão ocorrendo:

“Mas um novo mundo está em gestação para responder aos desafios sociais, ambientais e políticos da globalização. A sociedade civil mundial se tornou uma realidade tangível. Políticas públicas inovadoras e outros modos de governar surgem em todos os continentes, particularmente nos países emergentes e em desenvolvimento. As instâncias multilaterais também estão se reconfigurando. A constituição do G20 reflete a mudança dos equilíbrios mundiais, mas seu impacto ainda limitado ilustra a dificuldade dos governos de chegarem a um acordo e de agir de forma concreta”.

E termina com uma conclamação histórica:

“Fazemos uma conclamação em defesa da confiança na capacidade humana de se reinventar e do poder criador de nossa sociedade-mundo, para sair definitivamente da crise e construir as bases de um futuro harmonioso que possa ser compartilhado por todos”.

DECLARAÇÃO CONJUNTA DA FUNDAÇÃO JEAN JAURÈS E DO INSTITUTO LULA

A globalização é um imenso desafio com o qual se confronta a humanidade.

Ela tem um poder formidável de mudança para todas as sociedades: a mudança econômica, com a intensificação das trocas; a mudança cultural, pois essas trocas possibilitam a circulação de ideias e a transformação das práticas culturais e de costumes; a mudança política, já que a emergência de preocupações partilhadas exige uma vontade comum de agir e de superar conjuntamente as dificuldades.

No entanto, a globalização, da forma que ocorre atualmente, está longe de satisfazer as aspirações que legitimamente suscita.

A crise econômica internacional agrava a concorrência entre os países e as sociedades. Ela atinge os mais vulneráveis, particularmente os trabalhadores e os jovens. Ela afeta a todos os países, os que estão em recessão e os que estão em crescimento. Ela conduz governos a adiar as decisões necessárias para prevenir o aquecimento global, sendo que a exaustão e a degradação dos recursos naturais corre o risco de atingir um ponto de não-retorno devido à falta de uma ação planejada de forma conjunta.

Sejamos claros: hoje, a globalização divide ao invés de unir.

Isoladas, as políticas de austeridade mostraram seus limites para encontrar a saída da crise. A retomada ainda não esta garantida, ao mesmo tempo em que os direitos econômicos e sociais estão ameaçados. É imprescindível que sejam adotadas políticas de crescimento. Somente assim a globalização poderá garantir o respeito à coesão social e ao meio ambiente.

Uma nova governança é necessária para, de um lado, regular os conflitos entre as nações e garantir a paz e, de outro, permitir que cada nação realize o modelo de sociedade que escolheu. Os poderes públicos devem garantir que todos tenham oportunidades de desenvolver suas capacidades individuais. Devem também trabalhar em prol da perenidade do meio ambiente para as gerações futuras.

Mas um novo mundo está em gestação para responder aos desafios sociais, ambientais e políticos da globalização. A sociedade civil mundial se tornou uma realidade tangível. Políticas públicas inovadoras e outros modos de governar surgem em todos os continentes, particularmente nos países emergentes e em desenvolvimento. As instâncias multilaterais também estão se reconfigurando. A constituição do G20 reflete a mudança dos equilíbrios mundiais, mas seu impacto ainda limitado ilustra a dificuldade dos governos de chegarem a um acordo e de agir de forma concreta.

As respostas às questões colocadas pela globalização não se afirmarão espontaneamente. Elas se construirão pelo diálogo, pelo debate das opiniões dos estudiosos e pela mobilização dos atores e dos povos, no sentido mais amplo.

É por isso que, a partir deste fórum que se reuniu em Paris nos dias 11 e 12 de dezembro, lançamos um chamado para as outras fundações políticas e institutos progressistas do mundo inteiro: vamos constituir a iniciativa “Fundações pelo Progresso Social”. Fiéis à nossa vocação e à nossa missão, vamos nos reunir periodicamente para debater, escutar, propor. Vamos fazer emergir convergências e consensos; vamos nos unir para ter uma influência nos destinos do mundo.

Os riscos que atualmente ameaçam a humanidade são grandes demais para nos focarmos apenas em uma gestão de curto prazo destes problemas.

Fazemos uma conclamação em defesa da confiança na capacidade humana de se reinventar e do poder criador de nossa sociedade-mundo, para sair definitivamente da crise e construir as bases de um futuro harmonioso que possa ser compartilhado por todos.

Postado no blog O Escrevinhador em 13/12/2012

Economistas da Unicamp lançam Manifesto em Defesa da Civilização



Diante do quadro de regressão social que atinge os países ditos desenvolvidos, com supressão progressiva de direitos, um grupo de economistas formados pela Unicamp decidiu elaborar um "Manifesto em Defesa da Civilização". Assinaturas começaram a ser colhidas também pelo site Petição Pública e a iniciativa se espalhou. O documento pergunta:

Estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão? 

Segue a íntegra do manifesto:

MANIFESTO EM DEFESA DA CIVILIZAÇÃO

Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33 anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O objetivo alegado é preservar a saúde das pessoas. 

Em Atenas, na movimentada Praça Syntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos, ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede de um órgão público de Bologna. 

Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A Inglaterra do Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus, teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado. Grande parte deles são jovens altamente qualificados. 

A massa crescente de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA. Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor remuneração da indústria de transformação foram destruídos pela concorrência chinesa. 

Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida, a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior, pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos, encolhe, aumentando a quantidade de deserdados. 

Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inevitável avanço do progresso tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos, reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica desse mercado de trabalho polarizado. 

Diante desse quadro, uma pergunta torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão? 

A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as possibilidades de conforto material para a grande maioria da população deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão, escassez de bem estar! 

Um bem estar que marcou os conhecidos “anos dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados, milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e tantos outros eram criados. 

O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e prósperas classes médias esqueceram que seus pais e avós lutaram e morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar Social! 

Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande parte da população espanhola está indignada. 

Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda, universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do século passado nas nações desenvolvidas.

Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos? Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura? 

As respostas para tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa. Os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover reflexões sobre os rumos da humanidade. 

A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material. Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a uma alcateia de lobos ferozes. 

Ao longo dos últimos de 200 anos de história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à sua volta encontram-se na mesma situação. Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. 

A liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.


Postado no blog Carta Maior em 19/10/2012