Ícaro, primeiro aluno negro
cotista de medicina da UFBA, recebe diploma
Apesar
do DEM, dos Demétrios, dos Demóstenes,
dos Dantas o
vôo deste Ícaro foi pleno de realizações. Que história fantástica. Que venham
muitos Ícaros.
Primeiro aluno de Medicina a entrar por cotas na UFBA recebe
diploma
06/01/2012
Ícaro começou Medicina na Ufba em 2005. Tornou-se ícone do
sistema; aprovado em concurso para o Programa de Saúde da Família, já tem
emprego garantido. Foto: Almiro Lopes
Em uma casa azul na Ladeira Manoel Faustino – mesmo nome de um
dos líderes negros da Revolta dos Alfaiates, que em 2011 se tornou Herói da
Pátria – Ícaro Luis Vidal, 24 anos, se apronta para o grande dia de sua vida. À
noite, o primeiro estudante a ingressar pelo sistema de cotas no curso de
Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) se forma.
As trancinhas que a cabeleireira faz em seu black power têm dois
motivos: um é poder vestir o capelo de formatura (chapéu usado na solenidade).
O outro é a pressão de sua mãe, Raimunda Vidal dos Santos, 47, que acha que
assim o filho fica mais bonito para a festa, realizada ontem à noite, no Centro
de Convenções.
Ícaro começou o curso em 2005, quando a Ufba implantou o sistema
de cotas. Hoje, a instituição reserva 2% das vagas para índio-descendentes e
43% para alunos que tenham todo o ensino médio em escolas públicas. Desses, 85%
são para estudantes que se declararam pardos ou pretos.
Ao fim do 3º ano no Colégio da Polícia Militar, conciliado com o
cursinho, Ícaro já tinha passado no meio do ano em Direito na Universidade
Estadual de Feira de Santana (Uefs). “Assim, eu fiz a prova mais tranquilo”.
Amiga de infância, Inês Costal, 24, lembra dele como aluno aplicado. “Sempre
foi brilhante, era o CDF”, relata.
Orgulho
Ícaro atribui o desempenho à sua criação. “Ele nunca me deu
trabalho, mas sempre cobrei. A média do colégio era 8, mas eu exigia 9”, lembra a mãe. O rigor deu
resultado. “Tenho orgulho dos meus filhos”, afirma ela, incluindo a filha Ísis
Carine dos Santos, 25, que mês que vem se forma em Engenharia Química,
também na Ufba.
Ontem, na formatura, dona Raimunda via o sonho realizado e
vibrava num longo rosa. “Dever cumprido. Agora vou cuidar de mim”, diz ela, que
este ano vai tentar cursar Pedagogia. “Espero conseguir uma vaga pelo Enem”,
torce.
Ícaro divide com ela e com Ísis uma casa na Liberdade. O pai,
que mora em Feira de Santana, também veio para a formatura. Uma outra irmã mora
em Conceição de Feira.
Primeiro
aluno de Medicina a entrar por cotas na UFBA recebe diploma
Desafios
O sonho de Medicina surgiu cedo. Ao ver crescer a barriga de
três tias que engravidaram na mesma época, a cabeça do menino de 6 anos se
encheu de perguntas. “Queria saber como tinha entrado, como saía”, lembra. Com
o tempo, esqueceu a obstetrícia: agora quer ser oncologista. “Conviver com
esses pacientes, tão carentes de atenção, me despertou para a área. O câncer é
uma doença que isola”, reflete.
Se os pacientes sofrem, Ícaro também passou perrengues. Nos dois
primeiros anos, além de cursar a faculdade, trabalhava e fazia curso técnico em
Química, no Instituto Federal da Bahia (Ifba, então Cefet), que lhe
possibilitou ser perito técnico da Polícia Civil.
O rapaz só chegava em casa às 23h e ainda tinha que estudar até
as 2h. Várias vezes acabou dormindo em cima dos livros. “Mas nunca repeti
nenhuma matéria”, orgulha-se.
O grande impacto na Ufba foi o grau de dificuldade. “A cota
facilita a entrada, mas sair depende de você”, analisa.
Hoje, Dr. Ícaro está encaminhado: passou em um concurso para
médico do Programa Saúde da Família (PSF). E quer mais. “Quando vi a equipe do
(Hospital) Sírio-Libanês que cuidou de Lula falando com os repórteres, pensei:
um dia eu é que vou estar aí”.
Projeto propõe cotas obrigatórias
Mesmo com tantas universidades no país adotando cotas, não há
uma lei federal que determine regras ou obrigue as instituições a aderirem ao
sistema. As universidades têm autonomia para decidir quantas vagas destinarão
às cotas e se o critério será socioeconômico ou étnico. Um Projeto de Lei
(71/99) sobre o tema já foi aprovado na Câmara e desde 2008 aguarda para ser
votado no Senado. Segundo a proposta, apresentada em 1999 pela então deputada
federal Nice Lobão (PFL-MA), as universidades públicas federais reservariam
vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em
escolas públicas, tenham renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo e
sejam negros, pardos ou indígenas.
No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo
Lewandowski relata duas ações contra cotas para negros. A primeira foi ajuizada
pelo DEM contra a Universidade Federal de Brasília (UnB), onde uma comissão
decide por foto ou entrevista quem pode ser classificado como negro, pardo ou
branco. A outra foi proposta em maio por um estudante que não foi aprovado na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Há ainda no STF mais três
ações sobre o sistema de cotas adotado pelo ProUni. Os processos estão na pauta
de votação desse ano.
Postado no Blog MariaFrô em o7/01/2012